segunda-feira, 29 de junho de 2009

Um estádio e as suas lendas

Por Iuri Müller

O que há de mais representativo em termos de GRANDEZA e de história nos domínios do Riograndense Futebol Clube não é, por agora, a mística da jaqueta rubro-esmeralda (muito porque o time tem trajado branco, ok) ou a hierarquia intimidadora de Bonaldi na grande área. O que mais aflige um quadro sem um passado comparável com o dos ferroviários santa-marienses, como é o caso deste Futebol Clube Rio Pardo, é o imponente pavilhão dos Eucaliptos. O pavilhão se ergue em meio aos montes, já foi inteiramente de madeira e ostenta em tinta recente a data de fundação do clube e as façanhas de antanho, como o vice-campeonato do Gauchão de 1921. Irradia glória, a construção mais significativa do COMPLEXO do Estádio dos Eucaliptos.

E eu, com uma considerável aglomeração de domingos vividos ali, nunca havia assistido a uma partida do Riograndense do alto do pavilhão. O ingresso é mais caro, não há a mesma INTERAÇÃO entre torcida-time e torcida-arbitragem além de, diziam, a visibilidade não ser grande coisa. Bons motivos, então. Mas, cansado de fotografar as investidas e RECOLHIDAS do Periquito do mesmo local de sempre, junto à tela que teima em DESTRUIR retratos com potencial ANTOLÓGICO, busquei um novo ÂNGULO para as fotografias. Mentira. Havia, sim, e pesou mais do que os registros jornalísticos, curiosidade para acompanhar um match do pavilhão que POVOA as mais ricas histórias que envolvem a cancha.

Já acomodado no mais alto degrau, o que permitia uma visão ampla do gramado e, DE BRINDE, dos arredores do bairro, compreendi a estratégia do Riograndense na partida desde os primeiros MILÉSIMOS: atacar o Rio Pardo e amontoar gols para que o adversário não saia assobiando de Santa Maria novamente, como fez o TAC na quarta-feira passada. Com cinco minutos cronometrados, André Tereza, que sustentatava em seu LOMBO severas críticas quanto ao jogo anterior e a camisa número dois do Riograndense, definiu com estupenda simplicidade pela direita, vencendo o arqueiro Feijão com um arremate cruzado. O tento decepcionou parte do público do pavilhão: eram dirigentes e torcedores da terra da TRANQUEIRA INVICTA. E um deles comentou com desânimo: “o Riograndense já está mais do que classificado. Tem prêmio por vitória, por acaso? Quem precisa vencer é o Rio Pardo.”

Quem explicitava o DESALENTO era Telmo Berger, presidente do Conselho Deliberativo do F.C. Rio Pardo. Em parcos minutos de conversação, o dirigente explicou a sua relação com o futebol gaúcho. Telmo atuou nos juvenis do Internacional de Porto Alegre, na distante data de 1969, e finda a carreira futebolística, tornou-se professor de Educação Física. Quando trabalhava em Passo do Sobrado, então distrito de Rio Pardo, lecionou para um certo MANO MENEZES, com quem manteve contato - eleito vereador em Rio Pardo, Telmo Berger homenageou Mano como CIDADÃO EMÉRITO do município. Enquanto o ilustre rio-pardense jogava luzes no seu passado, Juninho Laguna, alheio a qualquer CHARLA nas tribunas, aproveitou a ríspida dividida entre Silvano e Feijão para, com sua ILUMINADA DISPLICÊNCIA, mover o placar.

O baque do segundo gol impulsionou Telmo a explanar sobre a estreia do Rio Pardo no profissionalismo. Admitiu que avançar para a terceira fase é uma tarefa das mais complexas, mas que gostou da aceitação do F.C. Rio Pardo na cidade: “Rio Pardo mostrou que suporta um time profissional, e para o nosso primeiro ano isso é o mais importante.” Revelou também o descontentamento com o ex-presidente do clube, Tabajara Ramalho, afastado há quinze dias por pressão dos jogadores. Na rixa entre o cartola e o elenco, Telmo Berger firmou posição e ignorou o 0-2 circunstancial para defender o grupo de jogadores, “que mesmo com os salários atrasados está brigando pela classificação.” Para a próxima temporada, o presidente do Conselho defende um melhor aproveitamento de atletas de Rio Pardo no plantel, “para criar uma identidade maior com o município e desenvolver as categorias de base.”

Terminado o intervalo, os locais retomaram a maior posse do balão, tranquilos com a vantagem concedida pelos gritos de Tereza e Laguna. Se na primeira etapa o resultado parecia enganoso diante do equilíbrio e das poucas chances reais de júbilo geradas pelas duas equipes, no que se refere a depois do ENTRETIEMPO o Riograndense foi escandalosamente superior. A dúzia de rio-pardenses só se alvoroçou em uma falta miseravelmente desperdiçada por Terrão, ainda nos minutos iniciais do segundo tempo. O Periquito não contava, no sábado, com a SUBVERSÃO de Giovani, que costumeiramente atordoa defesas inteiras. Apagado, Giovani viu Vainer encostar nos dois avantes, compensando a velocidade peculiar do ponteiro com passes certeiros e esperançosas patadas desde muito longe. Foi em um rebote de escanteio que Vainer APAZIGUOU o esférico em seu pé esquerdo, avançou poucos passos e desferiu o chute de um só destino: o ângulo de Feijão. O meia-esquerda assinou um gol tão bonito quanto o que derrubou Victor, o selecionável, na primeira partida do Gauchão deste ano.

O 3-0 era tão confortável que amornou o espetáculo. Os treinados por Marcão e OUTRORA dirigidos por Tabajara viram as chances concretas de somar algum ponto em Santa Maria EXPLODIREM no canhotaço de Vainer. O Riograndense, com muito espaço para infiltrar na defensiva rio-pardense, preferiu rodar a pelota e rondar, apenas quando convinha, o arco protegido pelos beques visitantes. Faltava ALGO para que a tarde ventosa de sábado não tivesse o seu fim naquele 3-0 confortável em demasia. Para tanto, Bebeto Rosa mandou para cancha a sua alternativa mais requisitada: quando Alfinete partiu em carrera desenfreada para assinar a súmula, o bom público presente bradou em uníssono. Confusos, os atletas de Rio Pardo buscavam uma explicação COERENTE para aquela balbúrdia aparentemente injustificável.

Alfinete e seu penteado MOICANO devolveram GRAÇA ao futebol. A partir de agora, valeria a pena atacar o Rio Pardo, já que o que estava em jogo eram os possíveis gols de Alfinete. São dele os tentos mais comemorados do estádio, independentemente de adversário ou da situação na tabela. Talvez porque Alfi esteve ali desde o início, ao menos desde o início MODERNO do Riograndense. Desde os dias em que o Riograndense perdia bem mais do que empatava. Vencer, um delírio. Mas Alfinete estava presente, e não se transformou em vilão. Participar da história, ano a ano, assim com os mais fiéis frequentadores dos Eucaliptos, virou, com justiça, motivo para aplausos.

A história de Alfinete ligou-se PARA SEMPRE com a do clube verde que defende toda semana quando, há duas temporadas, o atacante perdeu a casa em um incêndio. A diretoria do Periquito, em atitude mágica em tempos de MERCENARISMO predominante e INSENSIBILIDADE coletiva, organizou um duelo beneficente entre atletas santa-marienses – a renda estaria destinada, em sua maior parte, para a reconstrução da moradia de Alfinete. Contra o Rio Pardo, Alfinete teve pouco mais de quinze voltas de relógio em campo. Suficientes para ALFINA marcar DOIS gols. E o 5-0 foi uma festa incrível. A terceira fase, a fase CÁLIDA, já é uma realidade para os lados da Viação. Que venha o Pelotas, o Glória, o Porto Alegre. O Riograndense tem PATRIMÔNIO – como o quase centenário pavilhão e o lendário Alfinete.

* * *

O treinador interrompido
Por Maurício Brum

A vitória do TAC sobre o Riograndense na última quarta-feira DESACORÇOOU o planejamento do Rio Pardo. Era um resultado INOPINADO. Na casamata rio-pardense comentavam que, se o Três Passos jogasse dez vezes em Santa Maria, era improvável que vencesse duas partidas. Mas foi vencer logo aquela, afastou-se na segunda posição da chave e lançou uma nuvem de poeira para o Rio Pardo DEGLUTIR. Marcos Santos, o Marcão, dissertava a respeito da qualidade do quadro santa-mariense e compartilhava do pensamento deste redator: embora tenha que defender sempre o seu time, ele não crê que as vagas na elite em 2010 escapem do Riograndense, do Pelotas ou do Glória.

Com passagem pelo futebol de Santa Maria quando jogador, Marcão mesclava o teor das suas interações com os torcedores COLADOS ao alambrado próximo da casamata visitante. Ora conversava tranquilamente com eles, ora ouvia provocações feitas pelos locais com a FAMILIARIDADE de quem já o conhecia. Sua ideia para o jogo estava muito clara: “a verdade é que a gente veio aqui para não perder”.

O treinador do Rio Pardo é um caso raro no futebol mundial. Foi contratado para salvar da eliminação precoce uma equipe que vinha com ALTIBAIXOS na primeira fase. Recuperou-a, conquistou a classificação, e então perdeu o cargo. As circunstâncias nunca ficaram bem esclarecidas. Segundo fontes da cidade, o então presidente do clube, Tabajara Ramalho, teria defendido na imprensa local que Marcão estaria fazendo “muita festa” com os atletas, o que motivou sua saída. Gílson Rosa estreou na primeira rodada da segunda fase, mas não durou meia dúzia de embates com os maus resultados. Paulo Cunha e Paulo Bastos, o preparador físico, sucederam-lhe no controle da equipe.

Isso tudo enquanto Tabajara caía em desgraça. O dinheiro desapareceu e os pagamentos dos jogadores atrasaram. Justificou-se dizendo que os patrocinadores não haviam depositado os valores na data correta, mas a explicação não contentou. Veio uma GREVE e o presidente virou persona non grata em certas rodas do clube - conversando em off com o blog, um jogador chamou Tabajara de “safado”. Seu poder foi definitivamente ESMERILHADO quando os atletas ameaçaram não entrar mais em campo se Tabajara não fosse afastado. A SUBVERSÃO deu resultados: principal apoiadora do clube e pressionada pela comunidade, a Prefeitura teria assentido, e também se concordou com outro pedido dos atletas – a volta de Marcão ao posto de treinador, fechando seu caso insólito. Uma versão que corre hoje em Rio Pardo diz que o real motivo de Marcos Santos ter deixado o clube teria sido o não-pagamento de um prêmio pessoal acertado com Tabajara pela passagem de fase.

Marcão retornou na rodada passada, e foi INCENSADO pela raçuda vitória em casa sobre o Bagé, por 1 a 0, com gol marcado aos 90+3 minutos. Ontem, porém, queria apenas não ser derrotado, e estampou o desespero na face diante dos erros de sua zaga. Com cinco minutos, seu time deixou espaço demais e Marcão foi obrigado a ver como os santa-marienses comemoravam o primeiro gol da tarde (foto de abertura deste texto). Aos quinze, uma intervenção CATASTRÓFICA do zagueiro junto ao goleiro Feijão permitiu que Laguna golpeasse a PETANCA e fizesse 2 a 0. Só aos 39 o Riograndense chegaria ao ataque numa jogada sua, sem falhas evidentes dos visitantes.

“Trinta e nove! Trinta e nove minutos! É a primeira jogada de atacante deles. Entregamos dois gols pros caras...”, urrava para os reservas o inconsolável Marcão. No segundo tempo, a entrada do veloz Felipe Baggio (na foto à esquerda, brincando com a planilha tática do time) pela banda direita pareceu dar o toque de reação que o time precisava, mas o INFERNIZAR do camisa 14 só durou até o gol iluminado de Vainer. Depois, ecoou a magia de Alfinete e a dura goleada de cinco gols nas costas do Rio Pardo. Sabendo que a interrupção de seu trabalho lhe privou de buscar uma situação melhor antes, Marcão precisa vencer as duas rodadas que faltam e torcer por combinações de resultados que permitam sonhar. Viver na Segundona, aos auriverdes, exigirá boa vontade dos céus.

FOTOS: Iuri Müller (fotos 1, 2, 6 e 7) e Maurício Brum (fotos 3, 4, 5, 8, 9 e 10).

domingo, 28 de junho de 2009

Goleada obscura em Sombrio

Colaboração especial de Josiel Ganso*
(Fotos por Lucas Castelan e Lucas Coral. Vídeo por Lucas Castelan)

SOMBRIO - Sábado de frio e céu nublado para o embate que até então se aproximava no lotado Estádio Antônio Sant’Helena: um selecionado do Campeonato Municipal de Sombrio, cidade do extremo sul-catarinense, versus os juniores do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, que trouxeram na bagagem diversas eliminações nos campeonatos de base desse primeiro semestre.

O selecionado de Sombrio contava com várias figurinhas carimbadas do município, mas, sem os melhores jogadores, que são oriundos de cidades vizinhas, estava deveras desfalcado, além da falta de entrosamento. Já os juniores do Grêmio, que passam por uma renovação dos seus jogadores, tinham como destaque o atacante Wesley, um dos poucos que se destacaram no Gauchão de Juniores.

O Grêmio comandado por Andrey Lopes entrou com Helton; Pedro Henrique, Renan, Neuton e Marçal; Matheus, Marcos Vinicius, Felipe, Eliventon e Bérgson; Wesley sozinho no ataque. Do selecionado de Sombrio, vestindo branco com detalhes em laranja e preto, não foi possível obter a escalação completa.

O jogo começa com a equipe gaúcha trocando vários passes no campo de ataque, oferecendo perigo à zaga sombriense. Com o tricolor dominando a partida já nos minutos iniciais não demorou muito para chegar ao gol: aos 15 minutos, numa bola alçada na pequena área pelo lateral Marçal, Wesley cabeceou livre, abrindo o marcador da partida para o delírio da torcida que não parava de alentar em nenhum momento.

Quando o relógio já estava quase marcando 20 minutos de jogo, Wesley foi derrubado na área por Dudu. Penalidade máxima. Ele mesmo foi cobrar e fez o seu segundo gol na partida e também o segundo gol da equipe tricolor. Pouco tempo depois, o atacante Wesley, destaque até ali na tarde, sofre uma entrada dura e tem que sair de campo carregado pelos atletas gremistas – não tinha maca e muito menos carro-maca no recinto. Ele é substituído pelo atacante “mala” Guilherme Morano.

O tempo da partida passava e o selecionado sombriense mal chegava à baliza do goleiro Helton, que não fez nenhuma defesa complicada na primeira etapa. Coube aos atletas da casa ver a equipe gremista trocar vários passes e rodear o campo de ataque. O primeiro tempo acaba com os zagueiros Praia e Dudu se revezando na distribuição de botinadas, tentando coibir a chegada do Grêmio na frente.

Na etapa complementar o jogo começa como começara no primeiro tempo: “o Grêmio dando apresentação”, como disse o atacante Morano ao esquentado zagueiro Dudu. O jogo estava sonolento. Os torcedores locais só não dormiam porque a Geral de Sombrio e Araranguá não parava com seus batuques e cânticos de apoio à equipe tricolor.

As várias substituições dos times faziam o jogo perder parte da sua (pouca) qualidade. A partida caminhava para terminar 2x0, mas, ouvindo minhas preces de mais golos, aos 20 minutos do segundo tempo Marçal cobra uma bela falta a favor dos gremistas para boa defesa do goleiro Gustavo, que espalma. A bola sobra para o zagueiro oportunista Neuton fuzilar o gol sombriense: Grêmio 3x0.



Após o gol a partida mornou de vez. A equipe de Sombrio só marcava e o Grêmio só cercava no ataque. Foram mais quinze minutos sem boas chances de ambos os lados, e os sombrienses permaneciam sem chegar com perigo ao gol gremista.

Aos 35 minutos o Grêmio chega ao quarto gol, com o atacante Sato. No momento estava acendendo um sinalizador, então não posso relatar como foi a jogada do gol. Só vi a bola balançando as redes do Estádio Antônio Sant’Helena.

Quando a torcida gremista já cantava “pingos de amor”, enfim o selecionado sombriense chegou com perigo ao gol gremista. O jogador tentou encobrir o goleiro Hélton, que espalmou a bola para a linha de fundo.

Assim, quando o arbitro Duda soa o apito final, o resultado é Seleção do Municipal 0x4 Grêmio. Uma partida sem muita emoção pela fraqueza do time local, mas com muitos gols para felicidade da torcida gremista que compareceu fortemente ao Estádio Municipal.

* * *

* Josiel é entusiasta das categorias de base do Grêmio e mantém, desde o ano passado, o blog Base Gremista.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Um café para sobreviver aos palpites furados

A Segundona Gaúcha está FATIADA em duas classificações de times no momento. Os que brigam para subir e o RESTO. O resto é valoroso, corre muito por fora e talvez vá surpreender. Os que brigam para subir de verdade não são mais que três: o Pelotas, o Glória de Vacaria e o Riograndense de Santa Maria – MISTERIOSAMENTE os líderes de suas respectivas chaves na segunda fase do certame. Isso, ao menos, era o que eu defendia até ontem.

DESFIANDO comentários prévios sobre o confronto do Riograndense contra um Três Passos que vem encantando nesta etapa do campeonato, eu afirmava que não poderia ser um jogo tão difícil. Certo, na quarta-feira de tarde o TAC horrorizaria os Eucaliptos e causaria algum BURBÚRIO, mas ao cabo dos noventa minutos só restaria uma vitória dos santa-marienses. Ora, o Riograndense está enamorado com os resultados. Sua fase é tão acalentadora que o time foi a Bagé no domingo e bateu o jalde-negro de lá com direito a gol da vitória marcado por BONALDI aos 90+7 minutos.

Já o Três Passos, apesar de vir numa CARRERA boa a fazer uma segunda fase que poucos otimistas projetariam, tinha como seu último jogo fora de casa uma derrota por 4 a 0 contra o São Paulo. Na semana seguinte dera o troco no time de Rio Grande, realmente, fazendo 3 a 1 no Luiz de Medeiros – seus dois últimos gols marcados por Daltro, que, após a partida, confirmou estar dando ADIÓS à equipe para voltar a trabalhar no BANCO DO BRASIL –, mas passar de time-da-campanha-surpreendente para time-capaz-de-bater-um-dos-mais-fortes-como-visitante parecia exigir mais.

Enfim, fui ingênuo ao assinalar mais uma vitória na TABELA DE FUTUROS do Riograndense. Não tanto pelo TAC, mas pelo meu próprio poder de errar previsões: como revelei egocentricamente após um confronto que, por coincidência, também envolvia Riograndense e Três Passos, o UNIVERSO teima em contradizer qualquer predição futebolística que eu faça.

O jogo de ontem, contudo, nós não vimos. A reportagem do Futebesteirol trocou a cancha por um INTRINCADO debate sobre SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO no Café Prefácio, que se estendeu por toda a tarde e roubou de nós os melhores anos de nossas vidas a chance de presenciar um partidaço. Da parte do Iuri, privou-lhe do cumprimento da PROMESSA de que, um dia, faria uma análise detalhada do que joga a equipe de Três Passos.

Banhando as ENTRANHAS com cafeína e estufando-as um pouco mais com exóticos sanduíches de RÚCULA com tomates secos, restringíamo-nos a ouvir o PRÉLIO num radinho providencialmente carregado no bolso. Em verdade, ligamos o místico aparelho captador de ondas apenas duas vezes. Na primeira, o narrador ainda gritava o gol de Vainer, fazendo 1 a 0 para o Riograndense de pênalti. Na segunda, muito mais tarde, falava-se, incompreensivelmente, que o time de Santa Maria jogava a “buscar pelo menos um empate”.

Durante o grande BLECAUTE DE IONIZAÇÃO em que ficamos sem receber notícias, gols EXCESSIVOS botaram os três-passenses na condição de sustentar uma vantagem de 2 a 3. O TAC manteve a vitória, apesar de os locais ainda terem um gol anulado no fim. Foi a primeira derrota do Riograndense dentro dos Eucaliptos na temporada, quebrou-se a sua série invicta de 12 partidas no campeonato e foi, também, a primeira vez que o time caiu em casa pela Segundona desde 1º de junho de 2008 (daquela vez, 1 a 2 contra o São Paulo de Rio Grande).

Para a classificação foi menos significativo. Os capitaneados por Bonaldi estavam tão bem que, mesmo perdendo, continuam líderes com boa vantagem, e só serão eliminados em caso de AMEAÇAS NUCLEARES pedindo sua saída do campeonato. Valeu, isso sim, para o Três Passos praticamente confirmar-se entre os oito participantes dos quadrangulares semifinais da Segundona. Para mim, uma zombaria do futebol que resultou mais decepcionante do que aguentar Douglas Kellner tecendo teorias conspiratórias em relação às produções culturais da mídia.

À noite, outro golpe duro: em plena Boca do Lobo, o Pelotas conheceria o encerramento da sua sequência de 18 rodadas sem derrota, levando 1 a 2. De quem? Do Porto Alegre. Logo do Porto Alegre, cuja eliminação cantei duas semanas atrás, depois de uma derrota contra o próprio quadro pelotense. Pois o time do Lami mostrou que limites podem ser estendidos, colocou-se praticamente dentro da terceira fase da peleia e ainda DESTRUIU a conclusão daquele meu texto.

O que é profundamente lamentável. Tendo meros parágrafos desmentidos, estamos a léguas de distância de algo como o Diário Marca. Por lá, se não for uma manchete inteira a fracassar, é melhor nem aparecer na redação. Acostumado a anunciar contratações que nunca se concretizam (ou viram realidade só DOIS ANOS DEPOIS, no que o jornal gosta de definir como um FURO que antecipou o fato há duas temporadas), o periódico madrilenho supera-se a cada dia nessa sina palpiteira. Terça-feira última, comentou os preparativos para o Espanha versus Estados Unidos usando um título que ironizava Barack Obama: “NO, THEY CAN’T”. No dia seguinte, os estadunidenses fizeram 2 a 0. Não apenas puderam eliminar os espanhóis, como esfarelaram a invencibilidade histórica de 35 combates que estes carregavam. Boa, Marca! Com doses paquidérmicas de café, ainda chegaremos lá.

* * *

Sétima rodada da Segunda Fase na Segundona Gaúcha:

CHAVE 4

Rio Pardo 1-0 Bagé
Riograndense de Santa Maria 2-3 Três Passos
São Paulo de Rio Grande 2-0 Cruzeiro de Porto Alegre

1º Riograndense – 16
2º Três Passos – 13
3º Rio Pardo – 9
4º São Paulo – 8
5º Bagé – 7 (saldo -1)
6º Cruzeiro – 7 (saldo -3)

CHAVE 5

Pelotas 1-2 Porto Alegre
Santo Ângelo 2-1 Cerâmica
Guarany de Bagé 3-0 Lajeadense

1º Pelotas – 16
2º Porto Alegre – 14
3º Cerâmica – 11
4º Guarany – 8
5º Santo Ângelo – 6
6º Lajeadense – 4

CHAVE 6

Glória 4-0 Rio Grande
Flamengo de Alegrete 2-1 Panambi
Aimoré 2-0 Brasil de Farroupilha

1º Glória – 17
2º Aimoré – 13
3º Brasil – 10
4º Panambi – 9
5º Flamengo – 5
6º Rio Grande – 3

sábado, 20 de junho de 2009

A caixa mágica do seu Luiz

IJUHY – Há um tesouro na rua Bento Gonçalves, em Ijuí. Nenhum mapa da cidade indica o local com um X e nem as preciosidades estão guardadas dentro de um baú enfurnado sob palmos e palmos de areia. É uma caixa de papelão. Umas fotos em preto e branco. Uns pedaços de algodão e de metal, que não é ouro, mas uma liga supostamente menos nobre. É uma vida. Há um tesouro na rua Bento Gonçalves, em Ijuí, e seu guardião quer exibi-lo ao mundo.

Luiz Garbinato, que já foi Garbinatto, mas subtraiu um tê dos papéis por conta das exigências para obter a cidadania italiana, nasceu em 1933 na Ajuricaba que o ex-gremista Carlos Eduardo devolveu ao mapa do esporte-rei. Por aquelas coisas que a razão não explica, quiçá por ter sido escolhido pelos deuses do futebol, atendeu a vocação para colecionar histórias do interior. A mais antiga foto sua nos muitos álbuns que formou mostra Garbinato com quinze anos, estudando já em Ijuí, em meio aos festejos do décimo aniversário do Esporte Clube São Luiz, em 1948. Mas há mais, há muito mais. Quadros ijuienses perfilados, listagens de partidas de cinco décadas atrás, lembranças de eventos, outras equipes da Região Noroeste do Estado em campo, flagrantes de entregas de faixas, momentos de partidas em andamento captados à perfeição por precárias câmeras interioranas da década de 1950, flâmulas, Copas e balões de couro.

O banal dos outros convertia-se, ao seu olhar, em material que não podia faltar para os seus registros. Hoje, viraram raridades. “Se soubessem que eu tenho isso aqui, iam enlouquecer”, diz. Garbinato foi zagueiro. Defendeu o São Luiz num período em que o clube vestia um fardamento listrado verticalmente em vermelho e branco, hoje completamente esquecido, mas também foi a campo com as cores do outro grande clube de Ijuí, o Grêmio Esportivo Gaúcho. Jogou em tempo pródigo para as disputas citadinas, vivendo os Campeonatos Ijuienses disputados em triangulares, na época em que o desconhecido e efêmero São José da cidade exercia o papel de lanterninha. Amador no esporte, formou-se em contabilidade, guardou a pelota da sua última partida na Colmeia do Trabalho e bandeou-se para trabalhar no Frigorífico de Três Passos em 1954.

Gremista, corinthiano e vascaíno, resquícios duma época em que o rádio fazia interioranos elegerem equipes do centro do país para torcer, divertia-se em desenhar escudos dos times e caricaturar os ídolos. Capaz de recitar de memória a escalação inteira da Seleção Brasileira do Maracanazo, foi a Três Passos e levou o futebolismo impregnado até a medula. Lá, viu clubes nascerem e morrerem. Fê-lo dentro do palco, com o olhar de quem participa, e não como um espectador inerte. Se o município abrangia toda a Região Celeiro, incluindo em seu território as áreas das atuais Santo Augusto, Chiapetta, Coronel Bicaco, Campo Novo, Redentora, Miraguaí, Boa Vista do Buricá, Humaitá e Crissiumal, no futebol os nomes eram só dois: Minuano e Juventus.

O gélido Minuano cortava as campinas três-passenses com mais destaque. Em 1955 e 1956 conquistou os dois primeiros títulos da cidade, e por aquela época já vencera também a Chave Amarela do Gauchão de Amadores, antes de ser eliminado pelo forte Internacional de São Borja, nos mata-matas (derrotas por 3 a 2 fora de casa e 1 a 4 em Três Passos). Então uma fase preliminar do estadual da categoria, a série Amarela era disputada contra o Oriental de Três de Maio, o Juventus de Santa Rosa e o campeão de Santo Ângelo, definido nos triangulares entre Tamoio, Elite e Grêmio Santo-Angelense. Fosse uns anos mais tarde, o clube poderia se dizer campeão do Rio Grande – em 1959 os grupos coloridos seriam transformados cada qual num campeonato independente, divisão mantida até 1970.

No Estádio Municipal Eurico Lara, antigo nome do campo utilizado ainda hoje para o futebol em Três Passos, o Minuano de Garbinato recebeu quadros de todos os cantos do Estado, incluindo o Juventude de Caxias do Sul e o Nacional de Porto Alegre, que contava com o lateral Ortunho, mais tarde herói no Grêmio. Acostumou-se às conquistas contra equipes de fora do país – em casa, com um 5 a 2, venceu o Torneio Banco Agrícola diante dos argentinos dum certo Guarany de Oberá; da cidade de El Soberbio, na Província de Misiones, voltou com o troféu da competição comemorativa ao terceiro aniversário do quadro local. Aí, de um golpe só, sumiram o Minuano e o Juventus. Como numa festa em que a música para no melhor momento, a administração municipal decidiu reformar o estádio, deixou os dois sem ter onde jogar e, como as obras não terminassem, os esféricos de couro murcharam por toda a Três Passos querida.
“O futebol no interior não tem como ficar vivo sempre”, lamenta Garbinato, “mas a gente procurava evitar que ele parasse”. E que lugar melhor que a VÁRZEA para recuperar o espírito? Foi jogando nos campos de terra do município que o futebol voltou. Marcas registradas do Frigorífico de Três Passos, a Missioneira e o Corcovado ressurgiram por seus funcionários como clubes esportivos. Logo os times eram formados por mais pessoas do que apenas trabalhadores do frigorífico. Sem substituições permitidas pela regra, montavam-se quadros de aspirantes, para que os reservas atuassem. O time com referência às Missões foi mais longe do que o que remetia ao Rio: enquanto o Corcovado encerraria suas atividades, o Missioneiro conquistou um tricampeonato citadino entre 1960 e 1962, filiou-se à Federação Riograndense de Futebol e reeditou as glórias da cidade no estadual de amadores – em 1962, saiu vice-campeão da Série Amarela (agora um campeonato próprio), derrotado na decisão pelo América de Tapera, com um empate em casa e uma derrota por 1 a 0 fora, porque “o goleiro titular não jogou lá”. A taça desse vice-campeonato, seu Luiz também a guarda.

A cidade incendiou-se novamente em paixão, até Juventus e Minuano retornaram. Por alguns anos, enfrentaram-se os dois, mais o Missioneiro, no citadino. Questionou-se se não valia a pena partir para o profissionalismo, unindo forças. No início de 1966, representantes de cada clube foram convidados para uma reunião que discutiria o tema. Garbinato se opôs: com um time só não haveria motivação, nem rivalidade, mas foi voto vencido. Em fevereiro, a fusão do trio três-passense deu origem ao Três Passos Atlético Clube, o TAC. Nas cores, o rompimento das ligações com o passado ficava explícito: para não tomar nenhum partido, aboliram o vermelho do Juventus, o azul do Minuano, o verde do Missioneiro e o branco de todos eles. A nova equipe vestiria amarelo e preto, ao estilo do Peñarol. Mas o profissionalismo era só até a metade. Com exceção de uns poucos privilegiados de mais nome, a maioria dos jogadores precisava de outros empregos para viver – quando se contratava um atleta de fora, a regra de ouro dos diretores do futebol era, antes, assegurar-lhe um lugar no setor de serviços da cidade.
De cima para baixo e da esquerda pra direita: Juventus, Missioneiro, Minuano e TAC, em uma das suas primeiras formações

O entusiasmo dos primeiros anos levaria o TAC a conquistar a Terceira Divisão do Rio Grande do Sul em 1969. Luiz Garbinato, que, apesar de contrário à fusão, seguiu apoiando o time, viu seus temores virarem reais pouco tempo depois. Os anos passavam e a comunidade se afastava. O dinheiro faltou. Nas cabeças do clube, jogava-se na loteria esportiva para tentar ganhar algum dinheiro e salvá-lo. Luiz de Medeiros, o dirigente visionário que após a morte seria homenageado substituindo o nome de Eurico Lara no estádio local, via seus projetos de investimento na estrutura da agremiação se complicarem dramaticamente. A justiça nomeou uma comissão interventora de três pessoas para tentar mudar o destino do clube que já não podia se manter – Garbinato foi o tesoureiro da comissão, cuja missão era administrar o dinheiro enviado pela Secretaria da Educação para a construção de um ginásio nas cercanias do estádio, e sanar o déficit do TAC. As verbas do ginásio foram insuficientes – enquanto em Bagé, terra do presidente Emílio Garrastazu Médici, sobravam cruzeiros para construir o segundo maior ginásio do Rio Grande do Sul, em Três Passos foi preciso recorrer a outras fontes para conseguir cobrir a quadra.

Quanto ao TAC, a comissão conseguiu pagar as dívidas trabalhistas, mas o legado não foi além disso. O estádio, doado pela prefeitura ao clube no momento da sua fundação, foi devolvido à administração municipal, e assim segue até hoje. O futebol da cidade desapareceu por anos. Em 1986 um espectro do Minuano tentou retornar sozinho ao cenário futebolístico, mas a ideia morreu no parto. Três anos depois, quando Garbinato deixou Três Passos para voltar à Ijuí em que vive atualmente, o TAC ensaiava um regresso, que não durou meia dúzia de temporadas. Sua última volta ao profissionalismo só aconteceu nesta década, em 2005, e por iniciativa de pessoas que Luiz Garbinato desconhece. Só sabe que fizeram bem. Respeita os abnegados que batalham para manter o futebol interiorano, como ele sempre fez: “eu era aquele cara que, no dia do jogo, ia abrir o estádio, botava a bilheteria a funcionar, e depois fardava e entrava em campo”.

Neste sábado o guerreiro TAC de 2009, cuja campanha surpreende aos mais INCAUTOS, recebe o São Paulo de Rio Grande em mais uma rodada da Segundona Gaúcha. Uma vitória pavimenta o caminho rumo à próxima fase. Garbinato não estará lá. Nunca mais foi a um jogo do time, embora tenha vontade de observar como as coisas andam, tanto tempo depois. Guardião de uma história que muitos desconhecem, sonha em ver, um dia, todo o seu acervo exposto num Museu do Esporte, de preferência em Três Passos. Mas quer algo sério, para que todos os torcedores possam ter acesso. Para que os antigos recordem as jornadas de antanho e os mais novos compreendam a luta e a grandeza ocultas que há em cada time do interior. Enquanto não lhe oferecerem garantias, suspeita que seu material reunido ao longo de uma vida ficará em mãos inconfiáveis, desvalorizado num canto. Até que se aprenda a preservar a memória, a mágica caixa de papelão do seu Luiz será o lugar mais seguro para tamanha riqueza.Todos os links (trechos do texto em negrito e preto) levam para mais fotos.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Nossos corações divididos

Quarenta mil almas no Olímpico. Quarenta mil corações. Oitenta mil átrios e oitenta mil ventrículos, dilatados e contraídos em diástoles e sístoles DESCOMPASSADAS. Nos livros escolares de biologia, aprende-se que há dois tipos de sangue circulando pelo coração. Para se diferenciarem de forma LÚDICA, costumam ser representados com cores ANTAGÔNICAS: o arterial, rico em oxigênio, é sempre vermelho; o venoso, AFOGADO em gás carbônico e que se encaminha de volta ao pulmão, é azul. O sangue não deixa de ter tonalidade rubra por mudar o tipo de gás que carrega, mas, se as cores fizessem sentido, não haveria explicação melhor para o que se passou com os corações gremistas na noite da quarta-feira.

Na mesma hora, Grêmio e Caracas pelas quartas-de-final da Libertadores, jogo de volta, e Corinthians e Internacional pela decisão da Copa do Brasil, ida. O estádio quase cheio em Porto Alegre, que minutos antes vibrara com a eliminação do Palmeiras diante do Nacional, na primeira passagem de um uruguaio às semifinais em VINTE ANOS, iniciou seu jogo acreditando na máxima do Arquivo X, de que a verdade estava lá fora. A preocupação de verdade, ao menos. No Olímpico os adversários eram apenas venezuelanos, com um 0 a 0 valendo para o Grêmio passar. Enganaram-se. Os venezuelanos, que por sinal não eram apenas venezuelanos, mas os melhores venezuelanos da história da Copa, seja lá o que isso signifique, TURVARAM mais o futuro tricolor do que a fumaça dos sinalizadores fez com a visibilidade do campo ao PRINCIPIAR da partida.

Pela frieza dos lances, o Grêmio criou um pouco mais durante o transcorrer do embate. Comparando expectativas geradas, porém, o Caracas fez muito mais. Se antes dos doze minutos Maxi López já havia perdido duas boas chances, antes dos quinze os da Venezuela demonstravam que não seriam uns defensores passivos, como os porto-alegrenses se habituaram a ver nesse seu andar MACIO pelas fases da Libertadores. Iam ao ataque com GARBO, rondando o arco defendido pelo reserva Marcelo Grohe. E não descuidavam a retaguarda. Montaram duas invencíveis linhas de quatro que mais pareciam as MURALHAS DE JERUSALÉM, e fizeram todas as reclamações gremistas do jogo anterior, as de que o gramado de Caracas era um potreiro, resultarem ridículas – no TAPETE do Olímpico os onze tricolores voltavam a ser incapazes de tocar a pelota no chão, condenados a ESTÉREIS ligações diretas.

O juiz Carlos Torres também contribuía para aumentar a INQUIETUDE sobre os degraus de concreto da Azenha. Mostrando novamente que não se encontram mais arbitragens típicas de Libertadores numa Libertadores, o paraguaio via infrações em cutucões inocentes que qualquer apitador de Segundona Gaúcha ignoraria e, sem deixar as MAÇÃS DO ROSTO mais ruborizadas por isso, marcava faltas até onde não havia contato. Deve ter estranhado que uma dessas faltas inexistentes, supostamente cometida por Maxi no meio de campo, gerou reações acaloradas da torcida local. Se soubesse o que acontecia fora do Olímpico, só poderia intuir que aquelas reclamações convertidas em vibração generalizada nasciam de um gol a milhares de quilômetros dali. Quando os cronômetros de Porto Alegre corriam no 25º minuto, o Corinthians fazia 1 a 0 em São Paulo.

Alguns torcedores, suficientemente AQUECIDOS A ÁCOOL para tirar a camisa e ignorar os cerca de dez graus da noite, estenderam seus berros além do resto, felizes. Que importava se o Grêmio continuava lamentável? O Inter perdendo uma final é coisa que só aconteceu uma vez na década – e naquele Gauchão de 2006 nem houve derrota, já que o título gremista foi conquistado com dois empates. A parte do coração que batia interessada no vermelho era a única que ganhara algum alento quando o jogo do Olímpico atingiu o intervalo. No meio-tempo, das cadeiras cativas, despencavam papeizinhos clamando por acessos a um vídeo sobre um certo “Impostor no Olímpico”. O nome que mais parecia ser de uma CONSPIRAÇÃO OPOSICIONISTA revelou-se uma mera campanha de associação. Mas quem quisesse ver impostores não precisava achar um computador e catar o YouTube. Estavam todos ali em campo, e vestiam azul, negro e branco.

“Onde está a raça desse time?”, perguntou-se muito durante a partida inteira. Sumida. Resquícios dela apareciam em três jogadores: Adílson, implacável na marcação e de boas subidas, Tcheco, distribuindo passes como nenhum outro logrou, e Maxi, o que salvava o ataque tricolor da inação completa. O Caracas voltou dos vestiários acumulando chances e jogando melhor, preocupando uma torcida que, cansada, pediria um quarto pendão de raça, mas nem os seus mais promissores ataques eram salvos do DESPREZO ABSOLUTO diante de certas notícias do Pacaembu. Aos 51 minutos os venezuelanos tinham uma falta ao lado da área gremista, perigosa, e o Olímpico foi tomado pela segunda grande onda de cantorias entusiasmadas. Ronaldo, segundo gritavam os tricolores, fazia a parte do coração preocupada com o vermelho realizar suas funções com mais vigor, agora com a informação da derrota colorada por 2 a 0.

O lado azul do músculo cardíaco, no entanto, continuou doído. Herrera, o quarto RAÇUDO, pareceu o Herrera de 2006. Deu outra cara ao jogo. Um espírito copeiro, contrastando com a moleza da maior parte do time. Em seu primeiro toque na bola, GAMBETEOU um marcador e cruzou para a área, fazendo mais do que o Alex Mineiro que substituiu fizera até então. Verdadeiro PONTEIRO pela direita, daria outros bons passes e cruzamentos, incluindo um que deve ter feito Maxi López voltar para casa pasmo e, antes de se deitar, perguntar para a Wanda Nara como foi possível ter errado. Errando, e com isso sustentando o 0 a 0, o Grêmio permitiu aos caraqueños o sonho até o fim. Aos 84 minutos, num cruzamento à área, Barone e Castellín subiram para cabecear e, com Grohe batido, atrapalharam-se mutuamente, mandando para fora a melhor chance da partida. Um lance tão claro que o treinador Noel Sanvicente chegou a comemorar antes de ver que a bola tinha saído.

Quatro minutos mais tarde, brincando de fazer linha de impedimento na HORA CRÍTICA do jogo, os de Porto Alegre só faltaram gritar “toma, faz” para Cichero. Lançado livre na área gremista, o jogador do Caracas demorou MILÊNIOS para decidir o que fazia com a pelota e deixou que um carrinho desesperado de Réver evitasse a CATÁSTROFE. Seguia perigoso. Àquela altura o Grêmio era só defesa, onze atletas mantendo um 0 a 0 como time pequeno, contra venezuelanos, em casa, porque era isso que lhes bastava para ir às semifinais. A torcida tricolor está acostumada às Copas, a jogar pelo regulamento, e aceita. Mas não quer dizer que não fique TRÊMULA até o fim. Quando a Geral começou a anunciar pingos de amor, o grito do resto do estádio saiu fraco, ainda em dúvida se aquela chuva viria mesmo ou o desastre faria os corações azuis abandonarem o recinto com ódio.

Mas na hora do “Grêmio, Grêmio, seremos campeões da América”, o jogo do Inter já havia acabado, e o Olímpico inteiro cantou. Prenunciava o empate classificador, confirmado poucos minutos depois. A lógica agora diz que o Grêmio, tão mal ontem, perderá a sua invencibilidade na Libertadores na próxima partida, quando enfrentará algum brasileiro fora de casa – São Paulo ou Cruzeiro. A lógica também afirma que o Inter está perdido – ninguém, em vinte edições de Copa do Brasil, remontou um 2 a 0 em final. Mas a lógica é um LUXO dispensável quando corações se dividem, levam gremistas ao Olímpico carregando adereços corinthianos e fazem eles saírem de lá, após um empate nulo do seu time, dizendo que o resultado daquela noite foi “dois a zero pra nós”.

Todas as fotos são minhas.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Milonga de uma estância antiga

O Bagé que invadiu o campo dos Eucaliptos com flamantes e significativas listras aurinegras – o mesmo quadro que EMPILHOU soberanos 31 pontos na primeira fase – é, hoje, um time incerto. Cambaleou e caiu diante do onze alvo (mais um que aderiu ao branco no uniforme) do Riograndense, no domingo, dia em que TRUNCOU a sua classificação à etapa SEMI-FATAL do certame. O 2-1, disputado segundo a segundo, carrinho a carrinho, foi das mais dignas apresentações registradas neste profundo lodaçal que é a Segundona.

Iniciou pulando agressivamente, o mágico esférico dono do PODER de propiciar GRITOS. A pelota voava da área do Bagé ao terreno defensivo dos locais, atingindo o duro gramado santa-mariense e tornando o match impróprio para a prática do tiki-tiki e de OUSADIAS semelhantes. Os fronteiriços trataram desde o princípio de municiar o atacante Marcelinho, maior goleador do campeonato até aqui, que vagava como um sorrateiro LADRÃO DE ESTRADA entre os viris defensores da cidadela rubro-esmeralda - recentemente PICHADA de branco. Os periquitos também anunciaram as suas armas: apostar na velocidade e na bravura do PONTEIRO Giovani, capaz de encontrar o jubiloso pé do centroavante Juninho Laguna em algum escaninho da grande área.

Tarefas das mais complexas, as pretendidas pelos quadros no domingo. Encardidas, até. Porque não é driblando que um ofensivo mais faceiro superará toda a VIVÊNCIA de um Darzone ou de um Aládio, as duas PAREDES que sustentavam o baluarte do Grêmio Bagé. Giovani até tentou, enfrentou com velocidade a rigidez defensiva consolidada por intermináveis anos de Segundona presentes nos assustadores nomes já citados. Os frutos não foram dos mais proveitosos, porém. E para alargar as complicações, Bonaldi, o defensor mais sério já encontrado no infindo HORIZONTE pampeano, resolveu passar SEM OLHAR nas proximidades da área defendida por Douglas. O infortúnio não foi perdoado pelos eternamente destemidos filhos de Bagé. Marcelinho, o homem-gol, agradeceu o presente e transformou a bobeada de Bonaldi no doído 0-1.

Eis que, adocicado com a prococe vantagem, o jalde-negro de número oito, nomeado de HÉBERSON por sua mãe, vira-se para a multidão aglomerada na tela e INCITA. Irados com o gesto JUVENIL do defensor bajeense, os torcedores ATINGIDOS pela provocação marcaram o número do rapaz. A cada toque na pelota, brados de “é esse!” (com o significado futebolístico de: “QUEBREM!”) ecoavam pela cancha. Héberson colaborava com o delírio coletivo colecionando passes e lançamentos desastrosos. Mas rir da desgraça particular do número oito era muito pouco para quem foi aos Eucaliptos esperançoso. E a realização da tarde ensolorada passava, inescapavelmente, por uma vitória sobre o Bagé. E então o Riograndense decidiu que venceria.

Ainda restava um quarto de hora para o término da primeira etapa, quando Vainer, o lateral-esquerdo que vestia a mítica 10, tratou de sugerir uma nova alternativa para penetrar nos domínios mais recônditos dos FORJADOS na Pedra Moura: cruzar bolas para a área, centrar bolas para a área, jogar bolas para a área. Simples. Pressionar com chuveirinhos ao som da EMOÇÃO que pairava nas tribunas. E foi Vainer quem, dois minutos depois da punhalada de Marcelinho, encontrou a cabeça de Rangel quase dentro do gol do inseguro Fernando. Empate, festejos mil, urros para o (não esquecido) número oito e a primeira narração de um gol do Riograndense diretamente das cabines de imprensa reinauguradas - as famosas janelas que despertavam a curiosidade dos FORASTEIROS, insanos que juravam acreditar que tudo não passava de um depósito de PÓLVORA para um eventual distúrbio platino.

O 1-1 reformulava o sistema de ataque do Grandense. O Bagé, já sem os louros de estar vencendo, não tinha mais motivos EMPÍRICOS para prosseguir com o modo retranca. Posicionou-se mais a frente e reestabeleceu as possibilidades de Giovani fazer CORRERIA. Devidamente habituado com a sutileza de Darzone, o baixinho evitou o confronto direto com a zaga central. Tratou de iludir os laterais, arrancando para a linha de fundo com a FÚRIA peculiar dos vitoriosos. Giovani correu milhas, bateu de frente com os armários da defesa do Bagé, esfolou-se na grama rala dos Eucaliptos e não encontrou a jogada sonhada.

Simultaneamente, Juninho Laguna, o centroavante, evitava movimentos mais BRUSCOS. Alheio ao SOFRIMENTO COLETIVO dos demais, esperava por um improvável cruzamento perfeito. Até que uma epifania o despertou. Aos trinta e um do primeiro tempo, Vainer tentou alcançar Laguna pela vigésima vez. A pelota encontraria as SÔFREGAS mãos de Fernando, mas Juninho buscou o choque. Moveu-se. Pulou com o arqueiro, que, novamente, soltou a redonda. E Juninho, com seu desinteresse goleador, enviou-a para os cordões como quem descasca uma bergamota que não oferece verdadeiras resistências: 2-1.

Os minutos restantes da primeira etapa foram de uma dominação monumental dos dois volantes do Periquito – os melhores jogadores em campo. Bi e André Tereza desarmavam com devoção, passavam com rapidez e erguiam suas chuteiras no décimo degrau do pavilhão, se necessário. Asseguraram a completa PAZ defensiva até que os últimos raios do ASTRO-REI determinassem a chegada do intervalo. Os quinze momentos estratégicos foram, é provável, de nervosas instruções no vestiário visitante. Aos suplentes que quedaram em campo, como o sul-coreano Sun Bo, para sermos mais específicos, a ocasião foi propícia para RELAXAR.

Na volta à cancha, não houve imediata inversão de tendências: os ferroviários seguiram agressivos, construindo chances, dinamizando o ESPETÁCULO e...arruinando tudo o que fizeram ao perder tentos absolutamente incríveis. Giovani, ele de novo, teve a mais clara. Venceu carrera pela banda direita e, quando bastava sobrepujar o aflito arqueiro, esperou a recuperação do zagueiro para arriscar uma FINTA. A jogada ainda carece de demoradas explicações. Laguna também falhou em finalizações que findaram nos pálidos braços de Fernando. Da ineficiência verde, brotava o entusiasmo ainda inexistente para os comandados por Luís Clóvis Lemos. O Grêmio Bagé tratou de ser ameaçador como indica a fama, fato que valorizou por completo o embate. Em determinado instante, os quadros estavam tão alucinados em lograr a vitória que ENORME PARTE da torcida que ouvia o confronto pelo rádio cansou de penar e ESCALOU o estádio para verificar se tudo aquilo era VERÍDICO.

Esses, os invasores, puderam presenciar a bizarra expulsão do, veja só, nobre camisa oito. Héberson esfacelou-se no chão após MANHOSA cama-de-gato de Juninho Laguna. O árbitro apontou falta, o que não o impediu de proferir meia dúzia de desaforos à arbitragem. João Carlos dos Santos o expurgou de imediato. A mui leal e valorosa Brigada Militar precisou adentrar o campo para proteger a integridade física e INTELECTUAL do apitador, ameaçado por bajeenses em chamas. A desvantagem, agora também numérica, parece ter incendiado o ímpeto JUSTICEIRO das abelhas. O Bagé insistiu e reclamou um pênalti não marcado nos acréscimos. Bonaldi, tratando de reconstruir a sua honra, EMBICOU a última bola do jogo para a lateral, bradando algo como “triunfei, carajo” na linguagem dos grandes capitães.

A partida do Bagé não foi exatamente ruim. Mesmo correndo atrás do Riograndense durante boa parte dos minutos, o aurinegro só padeceu defensivamente quando Darzone, muito em função do cansaço, mostrou-se entre capenga e assustado na segunda etapa. A derrota não foi trágica e muito menos era tida como impensável. O problema reside na tabela. Outro aurinegro, o TAC, divide a vice-liderança da chave com o Bagé. O confronto direto pelo returno será em Três Passos. Cair na segunda fase seria uma baixa inadmissível para o Bagé, tanto pelo elenco que montou quando pela brilhante campanha na fase inaugural. O absurdo, porém, não parece muito distante. E só se afastará se, no próximo domingo, o jalde-negro bater o mesmo Riograndense (praticamente classificado) na Pedra Moura. Outra batalha, outra milonga.

A quarta foto é de Maurício Brum. As demais, minhas.

domingo, 14 de junho de 2009

Derramar sangue não valeu vitória (desta vez)

Colaboração especial de Mírian Socal Barradas
(texto e fotos)

ALEGRETE - Domingo de feriadão, sol e temperatura agradável na 3ª capital farroupilha. Um belo cenário para a peleia entre o anfitrião Flamengo, lutando para sair da lanterna da chave 6, e o farroupilhense Brasil, então em terceiro lugar na chave. Com Marcão, Diogo, Maikel, Robinho, Fábio, Diego, Alisson Baiano, Rodrigo Gasolina, Tiagão, Daivid e Fábio Kulman, comandados por Ciro Leães, vinha o Flamenguinho, tentando aproveitar o fator local para conquistar sua primeira vitória na segunda fase. Quando o Brasil, com Marco, Rogerinho, Thiago Martins, Luther, Jean, Diego Borges, Sandro Fraga, Diógenes, Marcio Silveira, Eliomar e Gavião, entra em campo no Estádio Farroupilha, percebem-se, ademais dos clássicos gritos e xingamentos da torcida local, consideráveis aplausos ao time da serra. No entanto, tal amigável recepção é, naturalmente, logo posta de lado. Começava assim o confronto, com o pontapé inicial rubro-negro.

O primeiro lance metido a perigoso do time da casa surge já aos primeiros minutos de partida, quando Alisson Baiano cobra falta direto para Fábio que, entretanto, cabeceia para fora. Não tão perigosa foi a cobrança de Diego – vulgo Mortadela -, não assustando o goleiro Marco, que agarrou a pelota com tranqüilidade.

A narração da rádio farroupilhense que escuto das confortáveis cadeiras dos pavilhões começa a reclamar de excesso de faltas a favor do time da casa – “só encostar que dá falta” - e de descritério do juiz. Também a torcida flamenguista começa a protestar: primeiro, quando a organizada atrás do gol de Marcão solta foguetes; depois, quando Alisson Baiano sofre violenta falta; e, ainda, quando Diego tenta propiciar um espetáculo de dribles mas só consegue perder a bola.

Então, a partida resume-se a chutões pra frente. As (escassas) oportunidades de gol vêm de bola parada – vide a falta na intermediária, favorável ao visitante, bisonhamente cobrada por Diógenes, e o próprio gol do Flamengo, autoria, de pênalti, de Fábio Kulman. Ainda nesse lance, Thiago Martins acaba recebendo cartão amarelo por reclamação.

Contudo, após sofrer o gol, o Brasil começa a oferecer perigo, como na falta lateral cobrada por Diógenes direto no canto esquerdo do gol de Marcão e – também Diógenes – sofre a falta a um metro da meia-lua, o que se converte em uma grande defesa do goleiro da casa. As chances do Flamengo rareiam, sendo, provavelmente, o contra-ataque formado por Diego que, porém, vai parar tranqüilamente nas mãos de Marco, o melhor lance do time da casa a essa altura da partida. Assim, ao som da TO rubro-negra tocando Ana Júlia e Brasília Amarela – além do INFALTÁVEL Canto Alegretense – termina o primeiro tempo.
O que mais tivemos na partida: entreveros

A segunda etapa já começa pegando fogo (ui!). Logo no primeiro minuto, Tiagão dá um soco em Jean – chamado pelo senhor ao meu lado de “avestruz” - e é expulso, com todo o entrevero que a ocasião pede. Com um a menos, a equipe alegretense começa a se fechar e ter medo de ir ao ataque, levando um gol – anulado por impedimento – de autoria de Diógenes. E ainda, nesse ponto do jogo, preciso me preocupar com o piá ao lado xeretando minhas, admito, esquisitas anotações. Porém, tanto eu quanto ele acabamos nos distraindo com mais uma embolação dentro de campo: Sandro Fraga havia acotovelado Fábio Kulman na boca. Sangue! Era o que faltava para ser um jogo completo de Segundona. Assim, entra Leandrinho para substituir o agredido.

A retranca do Flamengo começa a surtir efeito – negativo, obviamente. Aos vinte-e-poucos-minutos do segundo tempo, Gavião marca para o time visitante, levando o narrador da rádio farroupilhense atrás de mim ao delírio e a torcida flamenguista a muitas reclamações. Depois, o jogo começa a esfriar novamente: mais uma vez, as melhores chances vieram de bola parada – Fábio chuta com força no meio do gol do Brasil; sem impedir, no entanto, que Marco espalme para fora. Alisson Baiano cobra uma na barreira. Após escanteio cobrado pelo mesmo Alisson Baiano, Fábio chuta pra fora.

Assim, após um jogo repleto de passes errados e de poucos lances realmente perigosos, o Brasil comemora o empate fora de casa; já o Flamengo amarga seu segundo empate na segunda fase, sua ausência de vitórias e a desesperança quanto à classificação à próxima fase. A torcida flamenguista busca explicações – que, dessa vez, não podem passar sequer perto do terreno da arbitragem.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Lami, a fronteira final

PORTO ALEGRE - Do Centro da capital gaúcha até Lami, bem ao sul, são quase trinta quilômetros. Cruzam-se morros, vê-se os prédios minguarem até a inexistência. As características de um BURGO de mais de 1 milhão de habitantes somem e deixam o horizonte livre para ganhar um aspecto COLONIAL. Talvez não suficientemente interiorano, mas o contraste com a maior aglomeração urbana do Rio Grande faz com que se diga que aquilo é um fim de mundo. Nos tempos de Lami Futebol Clube, o estádio deveria COMPACTUAR com a situação. Mas hoje há dinheiro.

Assis e os TROCADOS de Ronaldinho emergiram e os POLPUDOS investimentos cambiaram o time. Primeiro, o nome – para Porto Alegre Futebol Clube. No escudo, como que para dizer que ali começava uma nova história, o ano escrito não é o 2003 de fundação do Lami, mas o 2006 que marcou todas as alterações. Depois, as verbas se destinaram à estruturação do clube, objetivando formar e vender promessas. O Parque Lami, separado da URBE por estradas SINUOSAS, nem está concluído e já tem condições de ser tido como o melhor estádio da Segundona. Organizado, bem pintado e confortável, com raridades extremas como banheiros limpos, é quase uma miragem além das COLINAS que separam Porto Alegre do RESTO DO MUNDO.

Para se chegar lá, igualmente, parece que se está indo na direção de uma ilusão. Muitos porto-alegrenses jamais se dignaram a ir para o Lami. Questionados sobre o que há por lá, por vezes falam do bairro como se estivessem discorrendo sobre Vênus ou Saturno. O Lami: um planeta de poucas construções e muito mato, que cisma em contrariar certos professores de geografia DESPREPARADOS, que dizem que Porto Alegre é completamente urbanizada. O Lami: na maior parte do tempo, nada mais do que um nome numa placa. Geralmente ao lado de uma distância em quilômetros, dezenas de quilômetros. Como o seu bom estádio, não aparece no horizonte. Situado ao largo da interminável Rua Edgar Pires de Castro, o campo é distante mesmo para os que trabalham nos seus arredores:

– Ah, é bastante longe. Tem dois quebra-molas e mais um pouquinho pra frente – diz o frentista de um posto localizado na própria rua.

Passados os dois quebra-molas e o “pouquinho”, desponta o OÁSIS. Mais do que metáfora: o estádio fica ao lado de um parque aquático, o que talvez explique o emblema com jeito de logo de resort que o Lami F.C. possuía. Para zelar por um patrimônio desse nível num bairro do qual se ouvem coisas nem sempre aprazíveis, seguranças engravatados circulam por todo o complexo. O Porto Alegre F.C. sequer cobra ingressos, a entrada no jogo é franca, mas para acessar o estádio é preciso dizer, no pórtico, o nome e a equipe para que se torce. Os visitantes são encaminhados para o seu lugar, num canto de visão prejudicada atrás do gol. Possíveis mentirosos que tentassem armar confusão entre os locais são desanimados pela visão de SEIS VIATURAS, recorde de policiamento no certame.

Confusão com os locais, sim, pois a constatação RELEVANTE da tarde foi a de que o Porto Alegre possui torcedores. Não são mantenedores de projetos de grandeza absurda ou marqueteiros que tentam atribuir à equipe uma simpatia que não existe (como o São José, por exemplo): são apoiadores da equipe do bairro. Quem segue o Porto Alegre vive no Lami, pelo que o nome antigo do clube fazia muito mais sentido. Isolados no recanto mais sulino da capital, aceitaram bem a ideia de ter um quadro por perto para apoiar. Nunca consideraram a hipótese de abandonar seu fanatismo por Grêmio ou por Inter – como vários interioranos, simplesmente criaram um apreço pelo time regional. E justamente pelo isolamento conseguiram que os públicos do Lami fossem invejáveis pelos bem mais tradicionais Cruzeiro e Zequinha.

Pelas arquibancadas, além de detectar duas redes de internet sem fio dentro do estádio (uma delas exclusiva para os vestiários, na mais perfeita SÍNTESE da diferença da estrutura do Porto Alegre para a maioria das equipes do Estado), é possível ouvir histórias de quem acompanha o time desde o princípio. Contam que o campo não tinha indício algum do moderno pavilhão que se ergue atualmente, que as partidas eram vistas em pé, agarrados aos alambrados, e não havia separação entre os torcedores da casa e os de fora. Recordam também, para incredulidade dos desconhecedores, que o Lami F.C. possuía uma animada charanga, que se desfez quando das mudanças de 2006.

Uma espécie de “síndrome de Chelsea”. Assim como alguns dos velhos fãs do clube inglês se distanciaram da equipe quando as libras do russo Abramovich transfiguraram a sua alma (apesar de transformá-lo numa potência), parte dos que seguiam o Lami se desmobilizou com os investimentos de Assis. Os que restaram sentam-se no seu estádio moderno, veem seus jogadores razoáveis-para-bons no campo, e encaram as provocações que o dinheiro abundante causa – e que os visitantes nunca esquecem de fazer. Nesta quinta-feira, a torcida do Pelotas fazia ecoar: “vocês deram a bunda pro Ronaldinho!”

Estavam com moral, os pelotenses, por carregarem uma campanha perfeita nesta segunda fase (100% de aproveitamento) e uma invencibilidade que vem desde 15 de março. Enquanto aqueciam, alguns jogadores esbanjavam prepotência. Comentavam que, se não levassem gol, fariam – e fariam de quatro para mais. O experiente Sandro Sotilli, camisa 9 do Lobo, ouvia quieto. Um dos maiores artilheiros da história do futebol interiorano gaúcho, sabia que seus companheiros poderiam até estar brincando, mas na hora em que “fazer de quatro para mais” virasse uma vontade ou obrigação, a responsabilidade recairia sobre sua cabeça e seus pés. Sotilli, ademais, faria um interessante duelo de centroavantes MÍTICOS: a 9 do Porto Alegre sustenta-se nas ESPÁDUAS negras de Adão, ex-Caxias, ex-Grêmio, ex-Santa Cruz, ex-Avenida, ex-São Luiz, ex-Sapucaiense, ex-mais-um-monte-de-clubes.

A intenção pelotense de não levar gols morreu com 6 minutos. N’A arte da guerra, Sun Tzu ensina que “para se ter certeza de vitória”, deve-se atacar “um ponto que o inimigo não defende”. O time da capital buscou ataques pela sua esquerda, onde a subida do lateral visitante abria enormes ROMBOS que ninguém cobria, e logo num dos primeiros o atacante Bruno Farias pôde ser lançado para atirar cruzado da entrada da área e fazer 1 a 0. As estratégias de Tzu, porém, parecem ter sido digeridas também pelos comandantes áureo-cerúleos, e a certeza de vitória capitalina morreu quando aquele flanco foi coberto. Já não havia pontos sem defesa. E o Pelotas crescia. Aos 35 minutos, Sotilli perdeu um gol feito, livre na área, ao chutar em cima do goleiro; no rebote, o igualmente carimbado Dauri teve seu tiro salvo por um zagueiro sobre a linha.

O empate amadurecia como os BUTIÁS no verão, e antes do retorno aos vestiários o 1 a 1 era colhido. Goleador que não falha em dois lances claros consecutivos, Sotilli empurrou para as redes uma bola que viera da direita, em cobrança de falta, fora desviada por um companheiro no primeiro pau e sobrava limpa para ele, já na pequena área, voar e meter a pata para encher a goleira. Eram 43 minutos e o apito do descanso soou a seguir. Sedentos, tanto os gritões de Porto Alegre quanto os de Pelotas foram atrás de algo para beber. Quem sabe comprar algo COMÍVEL e enganar o estômago. Nada encontraram. Não há copas no Parque Lami. Um bagual da torcida da casa exclamou: “mas tem que ir no AÇUDE pra beber água?!”. Os pelotenses, sem a cerveja que tanto queriam, não tardaram a mudar o teor de seus comentários sobre o estádio, que até ali chegavam a ser elogiosos: “isso aqui é um chiqueiro!”.

Equilibrada, a etapa final apresentou hipóteses menos simpáticas ao Porto Alegre. O time atacava principalmente com chances de cruzar a bola, no que FALHAVA MISERAVELMENTE, e a ineficiência do poste Adão pesou para matar as jogadas ofensivas pelo chão. Triunfou o futebol superior do Pelotas. Na frente, Sotilli não se escondia, corria feito um guri apesar dos 35 anos nas costas (é verdade que chegou quase morto ao fim da partida), e via se lhe escaparem novas oportunidades. O lance que definiu o jogo foi menos de qualidade e mais de sorte, numa daquelas faltas que o atleta cobra de longe, tentando achar um desvio na área, e acaba comemorando ele próprio o gol, porque ninguém consegue tocar na redonda e o goleiro termina surpreendido. Deivid cobrou essa falta aos 74 minutos, remontando o jogo para o Pelotas.
Cheias, em parte por jogadores, em outra parcela por empresários, mas em bom número por aficionados mesmo, as tribunas do Parque Lami encerraram em silêncio o Porto Alegre 1-2 Pelotas. Só do outro lado, no espaço azul e amarelo, havia cânticos. Era o Lobo concluindo sua 16ª partida consecutiva sem perder nesta Segundona, praticamente assegurando seu lugar na terceira fase do campeonato, atiçando o fogo de uma esperança que os infortúnios vêm adiando nesta década: ascender à elite. Têm possivelmente o melhor time – e, com o empate do Glória na Chave 6 ontem, assumiram a melhor campanha geral. Para os torcedores do Porto Alegre, a derrota foi como a imposição de um limite. Como se da barreira da segunda fase não pudessem passar. E são obrigados a ver os pelotenses vibrando do outro lado da cerca.

sábado, 6 de junho de 2009

No frio e à meia-luz

Com fotos de Maurício Brum e meio título de Carlos Gardel

A campanha que classificou o Riograndense para a segunda fase da Segundona levou, aos fins de semana, um respeitável número de torcedores aos Eucaliptos. Nos domingos, principalmente, o pavilhão e as pequenas tribunas eram tomadas pela gente que trajava verde e vermelho. Público que garantia uma renda decente ao clube. Mas isso apenas em dias de descanso. Quando a rodada exigia partidas em dias úteis e à tarde, pois a cancha não conta com refletores, o acanhado estádio fincado no pé dos montes santa-marienses exibia imensos clarões em suas arquibancadas. Imaginando alguns trocados a mais nas rodadas até então desprestigiadas, a diretoria do Periquito alugou o Estádio Presidente Vargas, do rival Inter-SM, para disputar os jogos de quarta e quinta-feira à noite.

O conflito escolhido para a experiência foi o de quinta, diante do Cruzeiro de Porto Alegre, válido pela segunda rodada da segunda fase da segunda divisão do Rio Grande do Sul. O horário escolhido foi o das 19 horas, o que possibilitaria ao público a posterior apreciação do match do Grêmio. E o uniforme escolhido para o Riograndense foi um inteiramente branco, muito possivelmente para evitar confusão com o do Cruzeiro, todo azul. Problema que apenas as meias-luzes da iluminação da Baixada poderiam oferecer ao espectador. O Riograndense entrou em campo pensando ter acertado em todas as suas escolhas. O que até pode ter ocorrido. Faltou apenas negociar com o frio da ventosa noite de Santa Maria.

Não mais que quinhentos aficionados sentaram no gelado concreto do Presidente Vargas. Eram torcedores fervorosos do rubro-esmeralda, que partiram das cercanias da Avenida Rio Branco e atravessaram a cidade para prestigiar o Periquito. Ou folclóricos torcedores do Inter-SM, que na ausência de confrontos do time do coração voltaram ao estádio de todos os dias para viver o futebol. Além dos desocupados, dos errantes, dos que estavam ali sem saber exatamente o real motivo. Mas estavam, e era o que bastava na quinta-feira: vender ingressos para custear as despesas da experiência de jogar fora de casa. Desafiando o frio, aplaudiram o Riograndense adentrar o campo com Douglas, Miro, Bonaldi, Moreli, Marquinhos, Rangel, Bi, Vainer, Giovani, Silvano e Juninho Laguna: os onze encarregados de vencer a primeira na segunda fase. Na rodada anterior, houve empate por 1-1 entre São Paulo e Riograndense, no Sul do Estado.

Do vestiário do quadro visitante surgiu o Cruzeiro, que como canta o seu hino, passados quase cem anos continua de pé. Veio de um triunfaço, o Cruzeiro: 3-2 diante do Bagé no Estrelão, com o mérito complementar de ter remontado um 0-2. Mas no gramado da Baixada, o Estrelado esteve perdido nos momentos iniciais. Com apenas seis minutos de partida, Marquinhos, o ala do Riograndense pela direita, buscou um cruzamento fechado para a conclusão do centroavante Laguna. Felizmente exagerou na força e o despretencioso centro indicou o 1-0 no placar. Laguna, o destino do passe que não foi, sofreu dois pênaltis ainda na primeira etapa, ignorados com solenidade pelo árbitro e seus bandeiras. Em chamas, o mesmo Juninho tratou de mover os cordões com bela finalização de canhota, aos vinte e oito do primeiro tempo. Estava morto, o Cruzeiro. Ou quase, já que comentários como “eles seriam capazes de remontar mais um 0-2?” pairavam em meio à névoa da cancha.

Apesar do palmarés copero do Cruzeiro, a improvável mas possível remontada não era o principal motivo das discussões de intervalo. Fazia demasiado frio para seguir absorto na partida sem que a bola rolasse no terreno quase verde: amenidades imperavam no ambiente, como de costume. Indignado com a despreocupação que seu inoperante futebol causou, o Estrelado voltou disposto a agoniar os partidários de Alfinete. Movendo suas tropas para a goleira próxima ao cemitério, maldita para os torcedores do Inter-SM, que conhecem os recantos mais secretos da Baixada desde a sua construção, em 1947, os de azul encontraram um gol aos vinte minutos, em potente chute de Ícaro, que não caiu no Mar Egeu e tampouco comemorou o seu gol batendo asas.

Manejar a pelota com mais destreza, inteligência e hierarquia não significou, desta vez, virar o placar. O Cruzeiro teve maior nível futebolístico nos últimos quarenta e cinco, mas não alcançou o tento da igualdade. Caiu por 1-2 e já viajou para Três Passos, onde amanhã enfrenta o líder da chave, o TAC. O Riograndense, por sua vez, pode ter realizado a sua última partida da temporada na Baixada. O público não foi superior ao que de costume ocupa os degraus dos Eucaliptos. Mas venceu dentro de campo – o que é imensamente mais importante na travessia pantanosa que é a Segundona.