No dia 27 de dezembro de 2001, o Racing Club conquistou um título nacional depois de trinta e cinco anos. O time de Reinaldo Merlo, que ostentava destaques individuais como Diego Milito, Chatruc, Bedoya e Campagnuolo, derrubou um a um os adversários e alcançou a ponta do Apertura, triunfando em doze das dezenove partidas. A multidão racinguista fez uma enorme festa no dia 27, data em que o time empatou com o Vélez e garantiu a taça. Foram três grandes pontos tomados pela torcida: o estádio do Vélez, onde a equipe jogava, a própria cancha do Racing, onde um enorme telão abrigou os milhares que não conseguiram ingresso e o Obelisco, no coração de Buenos Aires, local em que os apaixonados já comemoravam antes mesmo do fim da partida e da garantia do campeonato.
Efêmero festejo. As mais de três décadas de seca do Racing não foram suficientes para que o futebol fosse prioridade naqueles dias. A comemoração não pôde passar das primeiras horas seguintes ao 1-1. A Argentina atravessava uma das piores crises de sua história, política e economicamente. O caos teve início no mês de novembro, quando as medidas econômicas do presidente Fernando de La Rúa geraram uma impactante dívida externa e distúrbios no sistema bancário. O mês de dezembro foi marcado por protestos, sendo que os do dia 19 e 20 - uma semana antes da consagração de La Academia - foram os mais violentos. Dezenas foram mortos em confrontos com a polícia local, no auge das manifestações. Nesse dia, de La Rúa renunciou. O Racing, em seu júbilo futebolístico, não pôde sorrir por muito tempo.
A crise, aos poucos, passou, mas ficará marcada por um longo período nos que a vivenciaram. E o Racing foi apenas um dos que a sentiram na pele. Não como o operário que perdeu o emprego, como a mãe que viu o filho morto nas manifestações ou como sofreu a população como um todo ao ver o país passar pela mão de cinco presidentes em pouco mais de uma semana. Falamos de um clube que, por azar e casualidade, viu a sua maior glória recente ser ofuscada por um desastre de nível nacional. O "Dezembro Trágico" passou como um aluvião que arrastou tudo em Buenos Aires: inclusive o título do Apertura da memória de muitos.
O Racing, quase oito anos depois, viveu temporadas para o esquecimento. Entre elas, um flerte arriscadíssimo com a segunda divisão argentina, no ano passado. Em Avellaneda, com estádio cheio e apoio incondicional, o campeão mundial de 1967 venceu o Belgrano, de Córdoba, e escapou do rebaixamento. O Clausura de 2009 começou com a triste rotina de apresentações pífias e resultados assustadores. Até a chegada do técnico Caruso Lombardi. Ele revolucionou o ambiente. Sorteia TV's de plasma no vestiário para motivar os jogadores, arma um ferrolho defensivo para pontuar fora de casa, e, no Cilindro, joga, ataca e vence. Há muito a fiel torcida racinguista não prestigiava La Academia como tem sido nos domingos porteños deste início de ano.
Com Caruso na casamata, apenas o Vélez Sarsfield, o líder do campeonato, tem melhor campanha que o Racing. As primeiras rodadas trataram de destruir um sonho que já era muito distante: sair novamente campeão. Com a notável evolução, porém, a distância para o líder caiu para oito pontos. O Vélez, aliás, é o adversário no próximo fim de semana. Uma nova vitória incendiaria o campeonato. Caruso pede calma, mas após infindos fracassos em campo, uma trajetória como a de agora anima o mais cético dos torcedores. O problema é que fatores extra-campo também preocupam. Uma nova crise no país incomoda tanto quanto os destemidos atacantes do Vélez, que não param de marcar gols.
O governo de Cristina Kichner é claramente impopular. A crise econômica mundial repercutiu mais na Argentina do que no restante da América do Sul. As constantes demissões nas grandes fábricas da Capital e do Interior alimentaram a fúria do operariado. Outras empresas, em situação ainda mais crítica, fecharam as portas. Trabalhadores exaltados buscaram, nesse mês, ocupar fábricas e protestar com vigor reinvindicando aumento de salário e exigindo o fim das demissões. Greves e protestos tomaram as ruas de Buenos Aires. O 1° de Maio foi a data simbólica escolhida por uma grande movimentação de esquerda no centro da Capital. Bradaram em defesa dos operários e indignados com o grave aumento do desemprego. Néstor Kirchner ameaçou: se a situação perder as próximas eleições, não está descartada uma volta ao "caos de 2001".
Dividido entre as idas entusiasmadas ao estádio e a desconfiança quanto aos rumos econômicos argentinos, o racinguista espera que, se a arrancada de La Academia na tabela seguir, o novo e improvável título possa ser comemorado com toda a empolgação guardada por anos na garganta. Como a realidade de 2001 é incomparável com a atual e a escalada na classificação ainda precisa concretizar-se, só o tempo dirá se uma nova contradição espera o Racing e a Argentina.
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