sábado, 2 de maio de 2009

O clássico extemporâneo

IJUHY - Desde os primeiros anos da década de 1970 não há clássicos entre times ijuienses por competições oficiais não-municipais. Esporte Clube São Luiz e Grêmio Esportivo Gaúcho, que por décadas duelaram pelo título de Ijuí, enfrentavam-se em partidas de torneios da região ou divisões inferiores do Estado. Mas o Gaúcho se licenciou em 1971. O São Luiz durou algumas temporadas mais, também abandonou o futebol e, quando voltou para ser profissional, em meados dos anos 1980, já era o único clube de ponta da cidade. Pois o deste primeiro dia de maio de 2009, valendo pelo Campeonato Estadual de Juvenis, era um clássico ijuiense.

No cenário perfeito, opondo não o São Luiz e o Gaúcho, e não os times principais, mas talvez sendo mais simbólico pela ausência de uma equipe que representasse os últimos: se não havia o time do Gaúcho para enfrentar o São Luiz, havia o estádio do Gaúcho para sediar a partida. Porque o mando era da outra equipe da tarde, o Ouro Verde do Bairro Assis Brasil, certamente o clube mais destacado da VÁRZEA de Ijuí em todos os tempos. Nada melhor que botar frente a frente os juvenis do quadro profissional mais bem-sucedido do município e os do varzeano mais glorioso. Passando rapidamente pelo currículo do Ouro Verde, encontramos larguíssimas sequências de títulos varzeanos ijuienses, no que é a lista de conquistas mais gorda da cidade, três taças de nível estadual, erguidas nos tempos de Copa Arizona e Copa Dreher, e o direito de se gabar por ter sido um dos primeiros times a acolher Dunga – ainda que posterior ao Ipiranga de Coronel Barros, como descobrimos.

Como nem tudo são marias-moles, o Ouro Verde vem sumido já há alguns anos e não impõe o mesmo respeito de antes. Um observador desinformado interpretaria como indício de projetos para o futuro ver o clube com uma equipe de juvenis no estadual, mas o equívoco começa a ser desmentido na primeira olhada nas tabelas da competição: o nome da equipe está como GBM/Ouro Verde, e as três letrinhas antes da barra não são decorativas. GBM é a escolinha administrada pelo treinador Jair Galvão, campeão da Segundona Gaúcha de 2005 pelo São Luiz, que pretendia entrar no campeonato sozinha. Impossibilitada pela burocracia – era necessário um nome associado à FGF –, a escolinha foi atrás de uma parceria com algum clube local nessas condições, e só então apareceu o Ouro Verde. O clube é um mero acessório, entra com o nome, o símbolo e o uniforme, mas os jogadores, estes foram TODOS formados pela GBM.
Enfim, fica a mística. Era o Ouro Verde contra o São Luiz. E jogando no estádio do Gaúcho, o Bertholdo Christmann. Chamemos de ESTÁDIO DA MONTANHA, como a história popularizou romanticamente para, nos tempos em que clássicos eram comuns, fazer contraste com a BAIXADA, segundo nome do 19 de Outubro, estádio do São Luiz. Azar se topograficamente o nome dos campos ijuienses beira o insólito. Uma pesquisa nas altitudes do Google Earth indica que o campo da Baixada está 301 metros acima do nível do mar, enquanto o gramado da Montanha fica a uns 322. Diferença irrelevante. Mas quem somos nós para questionar essas coisas? Nas lendas, haveria uma grande variação entre um jogo na Baixada e na Montanha. Mudaria a forma como o vento bate, mudaria a incidência de luz, e o ar, quem sabe, ficaria rarefeito. Nas lendas, haveria uma diferença de altitude equivalente à que existe entre o Rio de Janeiro e Potosí.

Eu prefiro as lendas, mas às vezes a realidade brinca de destruir imaginários e o faz sem piedade. A Montanha está longe de ser um estádio comparável ao 19 de Outubro, escancarando as diferenças de um Gaúcho que parou no tempo e um São Luiz que buscou a estruturação profissional. Com o seu gramado seco, suas áreas cobertas de terra, seu solitário lance de arquibancadas situado de frente para o sol e os barrancos como única separação entre os alambrados que cercam o terreno de jogo e as ruas, o estádio Bertholdo Christmann não é mais que uma arena de amadores. Está obrigado ao conformismo de ser um monumento ao passado, à grandeza temporária que ele próprio representou e hoje não faz mais sentido: os primeiros jogos de Campeonato Ijuienses disputados na Montanha remontam a 1956, quando o São Luiz mandava na cidade; entre 1957 e 1960, o Gaúcho emendaria um tetracampeonato.

As pessoas que foram ao estádio ontem estiveram limitadas a se perguntar quando havia sido mesmo o último clássico ijuiense. Não repassaram a história dos confrontos da cidade e também não precisariam. A elas interessava que ali, naquele momento, jogavam o Ouro Verde, líder do grupo ao lado do Ypiranga de Erechim, e o São Luiz, que tentava buscar o primeiro posto. Vestindo o tradicional vermelho, mas provavelmente não por causa dele, o São Luiz ia mais para cima. Os de verde-com-verde-marca-texto tinham dificuldades para trocar passes, encontrar espaços e avançar até o fundo do campo. O primeiro tempo foi rubro, e dessa vermelhidão toda nasceria o gol de Maicon, aos 21 minutos. Foi com o 1 a 0 que o time do Assis Brasil iniciou um crescimento, mas só depois do intervalo as chances começaram a ser reais.

O São Luiz retornou irreconhecível dos vestiários. Aliás, dos vestiários não, pois passou o intervalo dentro de campo, com os jogadores sentados próximos à casamata. Corrigindo a frase: o Ouro Verde, que foi para os vestiários, retornou deles muito melhor. Seu volume agora era justificado por chances, e suas chances não eram chutes esporádicos que passavam longe. Duas vezes o São Luiz salvou bolas em cima da linha. Outras tantas o goleiro precisou se jogar ao chão para agarrar a bola nos pés dos atacantes ou saltar para, com um tapa, mandá-la em escanteio. O gol do Ouro Verde era questão de tempo e, só porque o futebol gosta de esmagar essas certezas, quem fez gol acabou sendo o São Luiz. No primeiro ataque vermelho da etapa complementar, uma cobrança de falta levantando a bola na área, Ricardo desviou de cabeça, encobriu o goleiro e fez 2 a 0.



Eram 57 minutos (no juvenil, vale lembrar, cada etapa tem apenas quarenta minutos, então eram 17 do segundo tempo). Em um momento de plena superioridade, o Ouro Verde sofria um gol. Essa seria a sua desgraça também na hora de levar o terceiro, mais adiante. Por enquanto, o fato de ter a desvantagem duplicada não destruíra tanto os ânimos do time: apenas três minutos depois seu atacante era lançado livre na área são-luizense, disputava uma bola alta com o goleiro e, no lance, sofria pênalti. Houve uma acirrada discussão sobre a agressão ou não do camisa 1 do São Luiz no ofensivo do Ouro Verde, mas o árbitro estava convicto: quando Jair Galvão berrou dizendo que era para dar cartão vermelho, o apitador o silenciou com um “EU SEI!”. Até a cobrança da penalidade houve mais trocas de empurrões, simulações de agressão e pedidos de novos cartões, mas só o goleiro do São Luiz saiu expulso. O reserva que entrou não foi capaz de parar a cobrança de Júnior e, aos 66, o empate voltava a ser possível.

Aí veio o novo infortúnio do Ouro Verde numa hora em que o jogo parecia estar na sua mão. Logo depois de descontar, no minuto 69, o time deu ao São Luiz a mesma chance que tivera pouco antes: também de pênalti, Lima marcou o 3 a 1 para os da Baixada, sentenciando o confronto. A equipe verde, com um a mais, só conseguiria golpear a meta são-luizense novamente dez minutos depois, no finzinho da partida (79 minutos de 80, afinal), quando Jaílson pôs o 3 a 2 na contagem. Era demasiado tarde. Apesar do muito tempo de acréscimo pedido pelo árbitro, a pressão derradeira não foi capaz de assustar. Como costumavam acabar a maioria dos clássicos ijuienses do passado, o primeiro clássico ijuiense oficial em muitos anos terminava com uma vitória do São Luiz. E o próximo, pelo returno, deverá ser na Baixada. Sem ALTITUDE, para regozijo maior dos rubros.

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