quinta-feira, 12 de março de 2009

A última grande glória

"Treinta y cinco fueron los años/ De esperanza y sin fortuna
Pero llegó el dos mil uno/ Ganamos el Apertura."

Em Avellaneda, na Argentina, há dois gigantes separados por poucos metros. Um deles, o vermelho, que se chama Club Atlético Independiente, possui uma torcida que andou bradando que quem não canta em suas partidas "é da Bolívia ou do Paraguai". O rojo, inclusive, é heptacampeão da Libertadores da América. O outro, o azul e branco, chama-se Racing Club e suas maiores glórias remetem à década de 60, onde "el Equipo de José", formidável onze dirigido por Juan José Pizutti, conquistou a Argentina, a América e o mundo. E esse Racing, dono do quarto maior número de aficcionados do país, tem sua última importante conquista datada de 2001, há oito longos anos.

Para entender o tamanho do título do Apertura de 2001, é preciso voltar dois anos no tempo. Em 1999, com Héctor Lalín na presidência, o Racing alternou boas e más atuações no certame nacional. O clube, porém, padecia de uma dívida que só não o impediu de praticar o futebol profissional na temporada por causa de uma lei que possibilitou o pagamento a longo prazo. Lalín, para desespero dos azuis, pediu a falência do Racing Club. Devido às dúvidas burocráticas do caso, o Racing não foi autorizado a entrar em campo na primeira partida do Clausura. A sua torcida, em uma histórica demonstração de fidelidade nunca antes vista, ignorou a ausência do futebol para lotar o Cilindro de Avellaneda: o Racing, sem jogar, levou o maior público da rodada para a sua cancha.

O ano de 2001 chegou com campanhas cambaleantes do quadro nos últimos torneios. O Racing, que fora de campo era uma confusão sem fim com o comando da empresa Blanquiceleste, sofria com o risco do rebaixamento dentro dele. Naquele ano, porém, com Reinaldo Merlo como treinador, armou-se uma equipe competitiva e guerreira para os lados de Avellaneda. O início de tudo para La Academia foi uma vitória na base da transpiração e da garganta da sua torcida diante do Argentinos Juniors, por 2-1. A segunda rodada já reservava o primeiro grande teste: o clássico de sempre diante do Independiente. Jogando mal e correndo muito mais do que pensando, o Racing – que era visitante – conseguiu o agônico gol de empate nos minutos finais, com o zagueiro Loeschbor, de tentos marcantes no decorrer da campanha.

Vencido o derby local e com ilusões renovadas, La Academia partiu para três vitórias em sequência, contra Rosario Central, Talleres de Córdoba e Newell's Old Boys, encontro que teve o atacante Diego Milito – hoje um selecionável – como o grande nome. Um empate em casa com o Belgrano e um magro triunfo de 1-0 contra o Huracán levaram a imprensa argentina a duvidar da seriedade com que o Racing se apresentava como candidato ao título. Isso porque o River Plate, apesar de deixar pontos pelo caminho, demonstrava o futebol mais vistoso do torneio e o San Lorenzo, com quem dividia a ponta da tabela, era tido como detentor de um elenco muito superior.

Eis que, na oitava rodada, o Racing encontra o San Lorenzo em Avellaneda, numa daquelas partidas que caracterizam a arrancada rumo ao título. "El Cuervo" saiu na frente, com um golaço do meia Pusineri, sem qualquer chance para o arqueiro Campagnuolo. Contagiado pelo fervor que vinha das tribunas, o Racing propôs um ritmo avassalador de fútbol, marcando quatro gols. O do lateral colombiano Bedoya, antológico. Líder do Apertura, o próximo grande jogo foi em La Plata, na 11° rodada. Enlouquecidos com a possibilidade de gritar campeão após TRINTA E CINCO anos, milhares de torcedores rumaram ao modesto Jorge Luis Hirschi, o acanhado estádio do Estudiantes. Apesar do fiasco de ter a minoria nas arquibancadas estando em seu domínio, o leão platense abriu 2-0 no placar e obrigou o Racing Club a buscar o épico. E foi assim que, com a genialidade e a inspiração de Chatruc e Estévez, o 2-3 chegou ao placar, em um gramado que mais lembrava um potreiro. O Racing caminhava até a taça empilhando partidas que eternizariam a campanha.

Quatro rodadas depois, chegou enfim a primeira derrota. Liderado por um J. R. Riquelme brilhante, o Boca Juniors venceu por 3-1 em La Bombonera, dominando por completo os de Merlo. Assustador pois o River enconstava e seria o próximo adversário - uma nova derrota significaria simplesmente o início da ruína das pretensões. Com Cambiasso e D'Alessandro controlando com categoria a pelota, o River Plate abriu 1-0 em pleno El Cilindro. Foi Bedoya – novamente o colombiano – quem aos quarenta minutos do segundo tempo acertou um balaço imortalizado na retina de cada racinguista. O 1-1 garantiu a liderança e a tranquilidade para as últimas três rodadas. O empate diante do Belgrano e o 2-0 no Lanús permitiram que o Racing até empatasse na última rodada, contra o Vélez, como visitante, para voltar a dar uma volta olímpica após três décadas.

O grande jogo dos últimos anos estava marcado para o Fortín de Liniers, em Buenos Aires, inviabilizando a presença de muitos dos torcedores do Racing que viveram a campanha de corpo e alma. Honrando esses e dedicando a devida importância à final, um telão imenso foi instaldo no Cilindro para os que não conseguiram uma entrada assistissem ao jogo. No dia 27 de dezembro daquele ano, o Racing Club lotou duas canchas em um mesmo dia. Loeschbor, zagueiro de duas áreas, foi o escolhido para anotar no empate em 1-1 que proporcionou a última grande glória para os racinguistas. Nas sábias palavras do volante José Chatruc: "Es un título merecido, para llorarlo de la emoción. Si tuviera que destacar cuatro cosas del Racing campeón es: sacrificio, hambre, ganas de buscar la gloria y los huevos para conseguirla. Hemos quedado en la historia."

Um comentário:

Iuri Müller disse...

Todos sabemos que este Racing não existe mais. Mas havia a necessidade de escrever algo não melancólico sobre La Academia.