quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O uivo mais alto da Segundona

Eu estava lá. Desde o começo do ano, tinha-se certeza que o time do Pelotas era capaz de subir para a primeira divisão. Sobre eles, dizia-se que eram dos mais estruturados, dos mais ricos e, se não fossem o melhor plantel, estavam entre os três mais qualificados – e a tradição daria conta do resto. Os resultados não desmentiam. Com uma facilidade de envergonhar os concorrentes, o Pelotas fez séries invictas acontecerem de forma repetitiva. E ocupar a liderança virava, além de obviedade, um HÁBITO. Pouquíssimos conseguiam conter os áureo-cerúleos. Quando o faziam, não queria dizer muita coisa: acabavam derrotados no confronto seguinte.

Eu estava lá quando o Pelotas, no CUME do favoritismo, foi eliminado da Segundona.

Era 2005. O ano de estreia do Lobo na segunda divisão. O consenso era de que o time voltaria logo, com relativa facilidade. Não foi assim. Nunca foi. Naquela temporada, em que eu acompanhei a primeira das muitas desolações áureo-cerúleas, o Pelotas foi derrubado por um adversário que botou os colhões a jogar futebol. E por uma marmelada no outro jogo. Tratava-se da sexta e decisiva rodada de um dos quadrangulares semifinais da Segundona. Em Ijuí, o local São Luiz e o Gaúcho de Passo Fundo trocavam socos num duelo direto. Em Sapucaia do Sul, o lanterna Sapucaiense recebia o MEIO QUE imbatível Pelotas.

O Sapucaiense de 2005 não era essa coisa quase forte que as CRIANÇAS viram jogando na elite do Gauchão nos últimos anos (e neste ano foi rebaixado, pois a vida se REPETE). O Sapucaiense, em 2005, foi o time que entrou na fase semifinal graças à famigerada repescagem – um artifício hoje extinto do regulamento, usado na época para manter em atividade os times desclassificados ainda na primeira fase. Quem vencia a repescagem entrava nas etapas adiantadas do certame, para alegria dos times que caíssem na sua chave, já que o REPESCADO quase sempre ficava como saco-de-pancadas.

Pois aconteceu com o rubro-negro de Sapucaia. Em cinco rodadas da fase semifinal, o time havia perdido todos os jogos. Seu saldo era de treze gols negativos: nem um feito, treze sofridos. Embora o jogo fosse fora de casa, era natural a vitória do Pelotas naquela última rodada. O Lobo recortaria as distâncias impostas pela classificação (antes da rodada, o São Luiz tinha dez pontos, o Gaúcho, nove, e o Pelotas, oito) e obrigaria ijuienses e passo-fundenses a se matarem pela outra vaga. Por isso o jogo de Ijuí começou mais de vinte minutos atrasado em relação ao de Sapucaia do Sul. Autênticos BISBILHOTEIROS, os times que entrariam no campo do 19 de Outubro tinham necessidade de saber o que acontecia na vida alheia.

O Sapucaiense prometera arrancar as ENTRANHAS do Pelotas naquela noite. Dizia ter sido tratado, na Boca do Lobo, de forma desumana. Eliminado, queria vingar-se puxando os pelotenses para a tumba ao lado. Além disso, motivava-se com as malas brancas vindas tanto de Ijuí quanto de Passo Fundo. Permanece incerto o que realmente aconteceu lá na terra do ZOOLÓGICO naquele 3 de julho de 2005. À frieza dos fatos: o Pelotas saiu perdendo e só pôde buscar o empate. Quando o jogo de Sapucaia do Sul terminou, com a contagem de 1 a 1, restavam vinte e cinco minutos em Ijuí – onde as equipes também se igualavam em um tento. O Pelotas estava nas mãos do São Luiz: só uma derrota do Gaúcho servia, classificando assim o Lobo pelo saldo de gols.

Mas o São Luiz não queria vencer. Aqueles vinte e cinco minutos foram de SURREALISMO, com todos os jogadores tocando a bola de um lado para o outro. Os são-luizenses passavam a bola para os de Passo Fundo, que a tocavam entre si e devolviam para os atletas locais. Ninguém pensava em DISSIMULAR. Deixavam claro que estavam, sim, CONSPIRANDO para tirar o Pelotas da competição. Anedoticamente, alguns jogadores de ambos os times circulavam pelo campo CONVERSANDO. E a bola ali, rolando no meio. O juiz ria constrangido, só esperando o momento de finalizar o encontro. Das arquibancadas, contrariando o que se espera, vinham aplausos. E gritos louvando a ATITUDE dos dois times.

Não era popular entre os seus adversários, o Pelotas.

São Luiz e Gaúcho passaram de fase e, no quadrangular final, terminaram subindo juntos. O Pelotas ficou. Como ficou em 2006, 2007 e 2008. Em cada verão de planejamento para a temporada seguinte, fazia por merecer os comentários de sempre. Era favorito. Tinha elenco para isso. Com o tempo, vinham também os bons resultados. Mas na hora de decidir, os VERGALHÕES que sustentavam a campanha derretiam feito MANTEIGA. Pode ser que pelo fato de o Pelotas ser considerado grande demais para estar na Segundona, a competição se voltasse contra aqueles que davam a situação por anômala. Cair para a divisão inferior é triste, mas geralmente só chega a esse ponto quem merece. O Pelotas estava ali porque não fora capaz de vencer sequer um jogo em 26 rodadas no Gauchão de 2004.

Tinha que voltar jogando bem até o fim, sem OPTAR por parar no meio do caminho e esperar que os resultados continuassem vindo por INÉRCIA. A Segundona é uma peleja que cobra a vida dos que almejam a glória. Para o jogador Tiago Duarte, o caso exemplar da dificuldade do campeonato foi o Pelotas do ano passado, que conquistou a Copa Lupi Martins e, meses antes, havia fracassado na segunda divisão. Em 2009, o Pelotas abriu mão de um campeonato supostamente maior pelo objetivo da Segundona. Desprezou a recém-criada Série D do Campeonato Brasileiro e alinhou seus principais ESPADACHINS para encarar os sabres do interior do Estado. Fez o de costume. Andou pelas fases iniciais com passadas largas, perigou no ENGROSSAR da briga, mas desta vez mostrou toda a raiva acumulada nesses anos de insucessos. E subiu.Eu estava lá. Na Boca do Lobo, ontem à tarde, éramos eu, milhares de torcedores áureo-cerúleos, e a chuva. Ou éramos um Rio Grande inteiro, pelo rádio, tevê e internet, ansiando por descobrir a sorte do Pelotas em 2009? Quando um CUSCO visivelmente ALCOOLIZADO invadiu o campo de jogo, aos 22 minutos do primeiro tempo, quiçá atirado lá por algum torcedor que queria matar tempo com o placar favorável – àquela altura, já 2 a 0 para o Pelotas sobre o Riograndense de Santa Maria –, as gargantas berravam para dizer: “ão, ão, ão, o cachorro é Lobão”. De certa forma, cachorros ou não, quase todos fomos Lobões durante esses anos. Como somos Riograndense. Como somos Rio Grande, Guarany, Farroupilha, Bagé, São Paulo e tantos outros. Como somos os sumidos Grêmio Santanense e Gaúcho de Passo Fundo (que após aquele acesso de 2005 só fez decair até finalmente FECHAR). Como fomos São Luiz, Inter-SM e Ypiranga. Como seremos, em 2010, o Brasil de Pelotas.

Porque a Segundona é apaixonante, mas só existe pela sua função: levar à elite. E os clubes de tradição, história e, mais que tudo, torcida, precisam voltar - por maiores que sejam as INIMIZADES entre eles. Se o interior gaúcho jamais pôde se comparar à dupla Gre-Nal em força – e o ESMAGADOR histórico de títulos do Gauchão deixa claro –, em termos de canchas colmadas o passado aponta noutro sentido. Antes da PREDILEÇÃO pelos quadros capitalinos nascer, houve futebol temível no interior. Grêmio e Inter saíam sempre campeões, é verdade, mas não sem arrebentar as canelas nos POTREIROS do pampa. Hoje, jogam em casa em praticamente qualquer campo do Rio Grande do Sul. As exceções são esses clubes que se identificam com um POVO. Mesmo que suas torcidas acabem como minoria em seu estádio, haverá ao seu lado quem realmente lute por aquelas cores – e não um gremista ou colorado TRAVESTIDO de amante do esporte local para, na realidade, secar o rival do time que torce em Porto Alegre.

Pelotas é assim. A cidade. E o clube de mesmo nome. Ontem, o clube não sofreu por mais que dezoito minutos para voltar. O Riograndense, que no último jogo entre os times em Santa Maria havia aberto 2 a 0 em oito minutos, experimentou o sabor da REALIDADE INVERTIDA. Aos três, Sandro Sotilli emendou um chutaço no ângulo de Douglas (foto), causando a primeira leva de guarda-chuvas PERDIDOS durante festejos de um gol. Mostrando ter sérios problemas com a presença de PARAGUAS, o mesmo Sotilli resolveu fazer os torcedores jogarem novamente para os céus os que restavam, na esperança de que agora não os recuperassem mais: aos treze, o loiro da dianteira áureo-cerúlea deu passe para Dauri meter o 2 a 0. Cinco minutos mais tarde, aos dezoito, a notícia do gol do Porto Alegre contra o Cerâmica, em Gravataí, botou o Pelotas na primeira divisão.

Os resultados, que não podiam ser outros além das vitórias porto-alegrense e pelotense para dar aquela garantia, mantiveram-se. Ampliaram-se. No LAMAÇAL que é o campo do Cerâmica, o Porto Alegre fez mais um e venceu por 0 a 2, gols, naturalmente, de Hyantony e Adão. O time do Lami na primeira divisão é como um DÍZIMO que temos que pagar para poder ver o Pelotas subindo junto. Na Boca do Lobo, um Riograndense sem o artilheiro Juninho Laguna, barrado pelo técnico Bebeto Rosa na escalação, não foi capaz de levar perigo. Durante o segundo tempo, o Pelotas que administrava o resultado voltou a criar boas chances. Primeiro, num pênalti – que Deivid bateu e o goleiro Douglas pegou. Pela terceira vez neste campeonato, o arqueiro do time santa-mariense parou uma penalidade máxima pelotense fora de casa. Pouco depois, contudo, aquele adiado terceiro gol veio pelos pés de Maicon Sapucaia.

O “Vamos subir, Lobo” transmutou-se em “O Lobão voltou” pela voz dos torcedores. Aguardavam o final da partida como escravos ansiosos pela libertação. Eu estava lá e, observando aquela torcida INCENDIADA, nem vi que o Riograndense chegou a marcar um gol no fim. Para mim, o jogo foi 3 a 0 e essa história de que Rafael Viana balançou as redes aos 87 minutos é uma FARSA arquitetada pela imprensa. É estranho ter uma verdade própria e dizerem que a realidade é outra. Você duvida. Talvez isso explique porque tantos alemães que apoiaram inocentemente o nazismo não acreditaram no Holocausto mesmo depois de as provas virem à tona. Talvez eu esteja envergonhado da desatenção e precise enrolar de alguma forma. Segundo dizem, então, o Pelotas venceu por 3 a 1.

Com o término da partida, os torcedores invadiram o campo. Histéricos, quebraram uma casamata, dando ao clube as primeiras dívidas depois do acesso. Nada de muito grave. Tudo era festa. Entocados no seu vestiário, alguns jogadores do Riograndense choraram o fim do sonho. O plano do clube, porém, é estar de volta à primeira divisão em 2012, no ano do centenário – subir antes disso é LUCRO. O Pelotas passou pelo centenário no ano passado. Não aguentava mais a Segundona. Os berros insanos de ontem tinham muito do que se quis gritar em anos anteriores, e os resultados não deixaram. Eu estava lá. Eu vi o Pelotas voltar. E vou contar para os meus descendentes que naquela quarta-feira o grande futebol do interior reviveu mais um pouco.
Fotos minhas. Todas as fotos do jogo aqui.

2 comentários:

Fernando Schultz Aldado disse...

Caralho, como eu queria estar lá!

É interessante que o ano do Pelotaqs já começou com um clima parecido com o de ontem, uma chuvarada inesperada naquela noite contra o Sindicato. E ao término do jogo a torcida que tava na chuva puxou e o pessoal do pavilhão acompanhou o: "Ôôôôô, vamo subi Lobooooo!" Dava para sentir a predestinação.

UIVA O LOBO DO EXTREMO SUL!

Gerson Sicca disse...

Legal o texto Maurício. E parabéns ao Pelotas,embora o azul e amarelo não seja minha predileção.
Também escrevi no meu blog sobre o Pelotas, "forçado" pela incomodação de um amigo áureo-cerúleo.
Pena que o Gauchão ainda não terá um bra-pel. Tá fazendo falta.