quinta-feira, 18 de junho de 2009

Nossos corações divididos

Quarenta mil almas no Olímpico. Quarenta mil corações. Oitenta mil átrios e oitenta mil ventrículos, dilatados e contraídos em diástoles e sístoles DESCOMPASSADAS. Nos livros escolares de biologia, aprende-se que há dois tipos de sangue circulando pelo coração. Para se diferenciarem de forma LÚDICA, costumam ser representados com cores ANTAGÔNICAS: o arterial, rico em oxigênio, é sempre vermelho; o venoso, AFOGADO em gás carbônico e que se encaminha de volta ao pulmão, é azul. O sangue não deixa de ter tonalidade rubra por mudar o tipo de gás que carrega, mas, se as cores fizessem sentido, não haveria explicação melhor para o que se passou com os corações gremistas na noite da quarta-feira.

Na mesma hora, Grêmio e Caracas pelas quartas-de-final da Libertadores, jogo de volta, e Corinthians e Internacional pela decisão da Copa do Brasil, ida. O estádio quase cheio em Porto Alegre, que minutos antes vibrara com a eliminação do Palmeiras diante do Nacional, na primeira passagem de um uruguaio às semifinais em VINTE ANOS, iniciou seu jogo acreditando na máxima do Arquivo X, de que a verdade estava lá fora. A preocupação de verdade, ao menos. No Olímpico os adversários eram apenas venezuelanos, com um 0 a 0 valendo para o Grêmio passar. Enganaram-se. Os venezuelanos, que por sinal não eram apenas venezuelanos, mas os melhores venezuelanos da história da Copa, seja lá o que isso signifique, TURVARAM mais o futuro tricolor do que a fumaça dos sinalizadores fez com a visibilidade do campo ao PRINCIPIAR da partida.

Pela frieza dos lances, o Grêmio criou um pouco mais durante o transcorrer do embate. Comparando expectativas geradas, porém, o Caracas fez muito mais. Se antes dos doze minutos Maxi López já havia perdido duas boas chances, antes dos quinze os da Venezuela demonstravam que não seriam uns defensores passivos, como os porto-alegrenses se habituaram a ver nesse seu andar MACIO pelas fases da Libertadores. Iam ao ataque com GARBO, rondando o arco defendido pelo reserva Marcelo Grohe. E não descuidavam a retaguarda. Montaram duas invencíveis linhas de quatro que mais pareciam as MURALHAS DE JERUSALÉM, e fizeram todas as reclamações gremistas do jogo anterior, as de que o gramado de Caracas era um potreiro, resultarem ridículas – no TAPETE do Olímpico os onze tricolores voltavam a ser incapazes de tocar a pelota no chão, condenados a ESTÉREIS ligações diretas.

O juiz Carlos Torres também contribuía para aumentar a INQUIETUDE sobre os degraus de concreto da Azenha. Mostrando novamente que não se encontram mais arbitragens típicas de Libertadores numa Libertadores, o paraguaio via infrações em cutucões inocentes que qualquer apitador de Segundona Gaúcha ignoraria e, sem deixar as MAÇÃS DO ROSTO mais ruborizadas por isso, marcava faltas até onde não havia contato. Deve ter estranhado que uma dessas faltas inexistentes, supostamente cometida por Maxi no meio de campo, gerou reações acaloradas da torcida local. Se soubesse o que acontecia fora do Olímpico, só poderia intuir que aquelas reclamações convertidas em vibração generalizada nasciam de um gol a milhares de quilômetros dali. Quando os cronômetros de Porto Alegre corriam no 25º minuto, o Corinthians fazia 1 a 0 em São Paulo.

Alguns torcedores, suficientemente AQUECIDOS A ÁCOOL para tirar a camisa e ignorar os cerca de dez graus da noite, estenderam seus berros além do resto, felizes. Que importava se o Grêmio continuava lamentável? O Inter perdendo uma final é coisa que só aconteceu uma vez na década – e naquele Gauchão de 2006 nem houve derrota, já que o título gremista foi conquistado com dois empates. A parte do coração que batia interessada no vermelho era a única que ganhara algum alento quando o jogo do Olímpico atingiu o intervalo. No meio-tempo, das cadeiras cativas, despencavam papeizinhos clamando por acessos a um vídeo sobre um certo “Impostor no Olímpico”. O nome que mais parecia ser de uma CONSPIRAÇÃO OPOSICIONISTA revelou-se uma mera campanha de associação. Mas quem quisesse ver impostores não precisava achar um computador e catar o YouTube. Estavam todos ali em campo, e vestiam azul, negro e branco.

“Onde está a raça desse time?”, perguntou-se muito durante a partida inteira. Sumida. Resquícios dela apareciam em três jogadores: Adílson, implacável na marcação e de boas subidas, Tcheco, distribuindo passes como nenhum outro logrou, e Maxi, o que salvava o ataque tricolor da inação completa. O Caracas voltou dos vestiários acumulando chances e jogando melhor, preocupando uma torcida que, cansada, pediria um quarto pendão de raça, mas nem os seus mais promissores ataques eram salvos do DESPREZO ABSOLUTO diante de certas notícias do Pacaembu. Aos 51 minutos os venezuelanos tinham uma falta ao lado da área gremista, perigosa, e o Olímpico foi tomado pela segunda grande onda de cantorias entusiasmadas. Ronaldo, segundo gritavam os tricolores, fazia a parte do coração preocupada com o vermelho realizar suas funções com mais vigor, agora com a informação da derrota colorada por 2 a 0.

O lado azul do músculo cardíaco, no entanto, continuou doído. Herrera, o quarto RAÇUDO, pareceu o Herrera de 2006. Deu outra cara ao jogo. Um espírito copeiro, contrastando com a moleza da maior parte do time. Em seu primeiro toque na bola, GAMBETEOU um marcador e cruzou para a área, fazendo mais do que o Alex Mineiro que substituiu fizera até então. Verdadeiro PONTEIRO pela direita, daria outros bons passes e cruzamentos, incluindo um que deve ter feito Maxi López voltar para casa pasmo e, antes de se deitar, perguntar para a Wanda Nara como foi possível ter errado. Errando, e com isso sustentando o 0 a 0, o Grêmio permitiu aos caraqueños o sonho até o fim. Aos 84 minutos, num cruzamento à área, Barone e Castellín subiram para cabecear e, com Grohe batido, atrapalharam-se mutuamente, mandando para fora a melhor chance da partida. Um lance tão claro que o treinador Noel Sanvicente chegou a comemorar antes de ver que a bola tinha saído.

Quatro minutos mais tarde, brincando de fazer linha de impedimento na HORA CRÍTICA do jogo, os de Porto Alegre só faltaram gritar “toma, faz” para Cichero. Lançado livre na área gremista, o jogador do Caracas demorou MILÊNIOS para decidir o que fazia com a pelota e deixou que um carrinho desesperado de Réver evitasse a CATÁSTROFE. Seguia perigoso. Àquela altura o Grêmio era só defesa, onze atletas mantendo um 0 a 0 como time pequeno, contra venezuelanos, em casa, porque era isso que lhes bastava para ir às semifinais. A torcida tricolor está acostumada às Copas, a jogar pelo regulamento, e aceita. Mas não quer dizer que não fique TRÊMULA até o fim. Quando a Geral começou a anunciar pingos de amor, o grito do resto do estádio saiu fraco, ainda em dúvida se aquela chuva viria mesmo ou o desastre faria os corações azuis abandonarem o recinto com ódio.

Mas na hora do “Grêmio, Grêmio, seremos campeões da América”, o jogo do Inter já havia acabado, e o Olímpico inteiro cantou. Prenunciava o empate classificador, confirmado poucos minutos depois. A lógica agora diz que o Grêmio, tão mal ontem, perderá a sua invencibilidade na Libertadores na próxima partida, quando enfrentará algum brasileiro fora de casa – São Paulo ou Cruzeiro. A lógica também afirma que o Inter está perdido – ninguém, em vinte edições de Copa do Brasil, remontou um 2 a 0 em final. Mas a lógica é um LUXO dispensável quando corações se dividem, levam gremistas ao Olímpico carregando adereços corinthianos e fazem eles saírem de lá, após um empate nulo do seu time, dizendo que o resultado daquela noite foi “dois a zero pra nós”.

Todas as fotos são minhas.

3 comentários:

Anônimo disse...

sensacional a primeira foto, Brum

Unknown disse...

Time ruim, esse nosso.

Anônimo disse...

Um texto excelente, que retrata muito bem o que foi o jogo e o clima vivido durante o mesmo. Mais uma vez parabéns. E as fotos estão excelentes. Argemiro Luís