sexta-feira, 12 de junho de 2009

Lami, a fronteira final

PORTO ALEGRE - Do Centro da capital gaúcha até Lami, bem ao sul, são quase trinta quilômetros. Cruzam-se morros, vê-se os prédios minguarem até a inexistência. As características de um BURGO de mais de 1 milhão de habitantes somem e deixam o horizonte livre para ganhar um aspecto COLONIAL. Talvez não suficientemente interiorano, mas o contraste com a maior aglomeração urbana do Rio Grande faz com que se diga que aquilo é um fim de mundo. Nos tempos de Lami Futebol Clube, o estádio deveria COMPACTUAR com a situação. Mas hoje há dinheiro.

Assis e os TROCADOS de Ronaldinho emergiram e os POLPUDOS investimentos cambiaram o time. Primeiro, o nome – para Porto Alegre Futebol Clube. No escudo, como que para dizer que ali começava uma nova história, o ano escrito não é o 2003 de fundação do Lami, mas o 2006 que marcou todas as alterações. Depois, as verbas se destinaram à estruturação do clube, objetivando formar e vender promessas. O Parque Lami, separado da URBE por estradas SINUOSAS, nem está concluído e já tem condições de ser tido como o melhor estádio da Segundona. Organizado, bem pintado e confortável, com raridades extremas como banheiros limpos, é quase uma miragem além das COLINAS que separam Porto Alegre do RESTO DO MUNDO.

Para se chegar lá, igualmente, parece que se está indo na direção de uma ilusão. Muitos porto-alegrenses jamais se dignaram a ir para o Lami. Questionados sobre o que há por lá, por vezes falam do bairro como se estivessem discorrendo sobre Vênus ou Saturno. O Lami: um planeta de poucas construções e muito mato, que cisma em contrariar certos professores de geografia DESPREPARADOS, que dizem que Porto Alegre é completamente urbanizada. O Lami: na maior parte do tempo, nada mais do que um nome numa placa. Geralmente ao lado de uma distância em quilômetros, dezenas de quilômetros. Como o seu bom estádio, não aparece no horizonte. Situado ao largo da interminável Rua Edgar Pires de Castro, o campo é distante mesmo para os que trabalham nos seus arredores:

– Ah, é bastante longe. Tem dois quebra-molas e mais um pouquinho pra frente – diz o frentista de um posto localizado na própria rua.

Passados os dois quebra-molas e o “pouquinho”, desponta o OÁSIS. Mais do que metáfora: o estádio fica ao lado de um parque aquático, o que talvez explique o emblema com jeito de logo de resort que o Lami F.C. possuía. Para zelar por um patrimônio desse nível num bairro do qual se ouvem coisas nem sempre aprazíveis, seguranças engravatados circulam por todo o complexo. O Porto Alegre F.C. sequer cobra ingressos, a entrada no jogo é franca, mas para acessar o estádio é preciso dizer, no pórtico, o nome e a equipe para que se torce. Os visitantes são encaminhados para o seu lugar, num canto de visão prejudicada atrás do gol. Possíveis mentirosos que tentassem armar confusão entre os locais são desanimados pela visão de SEIS VIATURAS, recorde de policiamento no certame.

Confusão com os locais, sim, pois a constatação RELEVANTE da tarde foi a de que o Porto Alegre possui torcedores. Não são mantenedores de projetos de grandeza absurda ou marqueteiros que tentam atribuir à equipe uma simpatia que não existe (como o São José, por exemplo): são apoiadores da equipe do bairro. Quem segue o Porto Alegre vive no Lami, pelo que o nome antigo do clube fazia muito mais sentido. Isolados no recanto mais sulino da capital, aceitaram bem a ideia de ter um quadro por perto para apoiar. Nunca consideraram a hipótese de abandonar seu fanatismo por Grêmio ou por Inter – como vários interioranos, simplesmente criaram um apreço pelo time regional. E justamente pelo isolamento conseguiram que os públicos do Lami fossem invejáveis pelos bem mais tradicionais Cruzeiro e Zequinha.

Pelas arquibancadas, além de detectar duas redes de internet sem fio dentro do estádio (uma delas exclusiva para os vestiários, na mais perfeita SÍNTESE da diferença da estrutura do Porto Alegre para a maioria das equipes do Estado), é possível ouvir histórias de quem acompanha o time desde o princípio. Contam que o campo não tinha indício algum do moderno pavilhão que se ergue atualmente, que as partidas eram vistas em pé, agarrados aos alambrados, e não havia separação entre os torcedores da casa e os de fora. Recordam também, para incredulidade dos desconhecedores, que o Lami F.C. possuía uma animada charanga, que se desfez quando das mudanças de 2006.

Uma espécie de “síndrome de Chelsea”. Assim como alguns dos velhos fãs do clube inglês se distanciaram da equipe quando as libras do russo Abramovich transfiguraram a sua alma (apesar de transformá-lo numa potência), parte dos que seguiam o Lami se desmobilizou com os investimentos de Assis. Os que restaram sentam-se no seu estádio moderno, veem seus jogadores razoáveis-para-bons no campo, e encaram as provocações que o dinheiro abundante causa – e que os visitantes nunca esquecem de fazer. Nesta quinta-feira, a torcida do Pelotas fazia ecoar: “vocês deram a bunda pro Ronaldinho!”

Estavam com moral, os pelotenses, por carregarem uma campanha perfeita nesta segunda fase (100% de aproveitamento) e uma invencibilidade que vem desde 15 de março. Enquanto aqueciam, alguns jogadores esbanjavam prepotência. Comentavam que, se não levassem gol, fariam – e fariam de quatro para mais. O experiente Sandro Sotilli, camisa 9 do Lobo, ouvia quieto. Um dos maiores artilheiros da história do futebol interiorano gaúcho, sabia que seus companheiros poderiam até estar brincando, mas na hora em que “fazer de quatro para mais” virasse uma vontade ou obrigação, a responsabilidade recairia sobre sua cabeça e seus pés. Sotilli, ademais, faria um interessante duelo de centroavantes MÍTICOS: a 9 do Porto Alegre sustenta-se nas ESPÁDUAS negras de Adão, ex-Caxias, ex-Grêmio, ex-Santa Cruz, ex-Avenida, ex-São Luiz, ex-Sapucaiense, ex-mais-um-monte-de-clubes.

A intenção pelotense de não levar gols morreu com 6 minutos. N’A arte da guerra, Sun Tzu ensina que “para se ter certeza de vitória”, deve-se atacar “um ponto que o inimigo não defende”. O time da capital buscou ataques pela sua esquerda, onde a subida do lateral visitante abria enormes ROMBOS que ninguém cobria, e logo num dos primeiros o atacante Bruno Farias pôde ser lançado para atirar cruzado da entrada da área e fazer 1 a 0. As estratégias de Tzu, porém, parecem ter sido digeridas também pelos comandantes áureo-cerúleos, e a certeza de vitória capitalina morreu quando aquele flanco foi coberto. Já não havia pontos sem defesa. E o Pelotas crescia. Aos 35 minutos, Sotilli perdeu um gol feito, livre na área, ao chutar em cima do goleiro; no rebote, o igualmente carimbado Dauri teve seu tiro salvo por um zagueiro sobre a linha.

O empate amadurecia como os BUTIÁS no verão, e antes do retorno aos vestiários o 1 a 1 era colhido. Goleador que não falha em dois lances claros consecutivos, Sotilli empurrou para as redes uma bola que viera da direita, em cobrança de falta, fora desviada por um companheiro no primeiro pau e sobrava limpa para ele, já na pequena área, voar e meter a pata para encher a goleira. Eram 43 minutos e o apito do descanso soou a seguir. Sedentos, tanto os gritões de Porto Alegre quanto os de Pelotas foram atrás de algo para beber. Quem sabe comprar algo COMÍVEL e enganar o estômago. Nada encontraram. Não há copas no Parque Lami. Um bagual da torcida da casa exclamou: “mas tem que ir no AÇUDE pra beber água?!”. Os pelotenses, sem a cerveja que tanto queriam, não tardaram a mudar o teor de seus comentários sobre o estádio, que até ali chegavam a ser elogiosos: “isso aqui é um chiqueiro!”.

Equilibrada, a etapa final apresentou hipóteses menos simpáticas ao Porto Alegre. O time atacava principalmente com chances de cruzar a bola, no que FALHAVA MISERAVELMENTE, e a ineficiência do poste Adão pesou para matar as jogadas ofensivas pelo chão. Triunfou o futebol superior do Pelotas. Na frente, Sotilli não se escondia, corria feito um guri apesar dos 35 anos nas costas (é verdade que chegou quase morto ao fim da partida), e via se lhe escaparem novas oportunidades. O lance que definiu o jogo foi menos de qualidade e mais de sorte, numa daquelas faltas que o atleta cobra de longe, tentando achar um desvio na área, e acaba comemorando ele próprio o gol, porque ninguém consegue tocar na redonda e o goleiro termina surpreendido. Deivid cobrou essa falta aos 74 minutos, remontando o jogo para o Pelotas.
Cheias, em parte por jogadores, em outra parcela por empresários, mas em bom número por aficionados mesmo, as tribunas do Parque Lami encerraram em silêncio o Porto Alegre 1-2 Pelotas. Só do outro lado, no espaço azul e amarelo, havia cânticos. Era o Lobo concluindo sua 16ª partida consecutiva sem perder nesta Segundona, praticamente assegurando seu lugar na terceira fase do campeonato, atiçando o fogo de uma esperança que os infortúnios vêm adiando nesta década: ascender à elite. Têm possivelmente o melhor time – e, com o empate do Glória na Chave 6 ontem, assumiram a melhor campanha geral. Para os torcedores do Porto Alegre, a derrota foi como a imposição de um limite. Como se da barreira da segunda fase não pudessem passar. E são obrigados a ver os pelotenses vibrando do outro lado da cerca.

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