Su cara era un poema. Outro termo espanhol que nos falta em português, usado para definir aqueles momentos em que a expressão facial de uma pessoa explicita os seus sentimentos. Um campeonato de pontos corridos como o Brasileirão tem muitos aspectos negativos e criticáveis, a inexistência de uma final sendo o principal deles, mas há os domingos de futebol em que as emoções vêm à tona como nas grandes decisões. Domingos como o último, possíveis apenas porque todos os jogos aconteciam simultaneamente. Conforme andava a jornada, a cara dos torcedores dos vinte clubes da Série A foi ditando os seus poemas, alterados a cada gol nos seus jogos – ou nos paralelos que interessavam.
Em Ipatinga, dois times precisando do milagre. O da casa, lanterna, querendo recuperar seis pontos em seis por disputar, torcendo ainda contra no mínimo quatro concorrentes para evitar o rebaixamento. O Grêmio, visitante, tendo que buscar cinco unidades e precisando de dois tropeços do São Paulo para ficar com o troféu. Vice-líder, o Grêmio. E foi o lanterna quem fez 1 a 0 com cinco minutos.
No Morumbi, a festa pronta para o título certo. Ao tricolor paulista, um simples triunfo sobre o tricolor carioca garantiria o inédito tricampeonato consecutivo do Brasileirão – e o igualmente inédito sexto título nacional. O Fluminense, praticamente salvo do rebaixamento, não deveria fazer grande oposição. Mas fez. No primeiro tempo, até bola na trave acertou.
Ali mesmo em São Paulo, no Canindé, a Portuguesa jogava sua permanência na elite. Contra um time, a exemplo do Fluminense, que entrava em campo pela honra e não muito mais. O Sport, porém, levou tão a sério a sua honra quanto o Fluminense e saiu vencendo. Um triunfo parcial que não pôde resistir ao desespero lusitano: antes do intervalo, remontada e 2 a 1 para a Portuguesa.
Remontada também em Ipatinga. Embora os resultados de momento àquela altura já incluíssem a derrota parcial do Náutico, um 0 a 1 nos Aflitos para o Atlético Paranaense que interessava aos mineiros, o fraco time do Vale do Aço não foi páreo para o Grêmio que, nem tendo grande inspiração, empilhou três gols para ir ao meio-tempo vencendo por 1 a 3.
Dos milagres necessários, o mais plausível ainda era o gremista. A não-vitória são-paulina mantinha as esperanças vivas. E a não-vitória dos demais concorrentes tornava a Libertadores uma realidade. O Palmeiras não conseguia superar o Vitória em Salvador, num 0 a 0 que se estenderia até o apito final, e o Cruzeiro levava 1 a 0 de um Inter composto por reservas mais Guiñazu, mandado a campo por estar fora da final da Copa Sul-Americana.
Na verdade, o único resultado que não ajudava o Grêmio era o do Maracanã. Uma máquina vermelha e preta destruía o Goiás. Em 35 minutos, 3 a 0 para o Flamengo. Talvez tenha faltado óleo nas engrenagens a partir daí. Os cariocas simplesmente pararam depois disso, iniciando um perigoso declínio, traduzido no intervalo pelo placar de 3 a 2.
A parte baixa da tabela convulsionava. O Náutico, com a sua derrota parcial, somada ao 0 a 1 do Vasco sobre um Coritiba anêmico e à vitória da Portuguesa, era empurrado para a zona de rebaixamento, nas proximidades da qual orbitava o Santos, àquela altura salvo com o 0 a 0 diante do Atlético Mineiro em Belo Horizonte.
O 0 a 0 santista contrariou a tônica dos outros jogos ao se manter inalterado no segundo tempo. Gols continuaram saindo por todas as partes, configurando a dança na tabela. No Rio, o até ali nulo Botafogo e Figueirense teve as redes balançadas quatro vezes para fazer a vitória catarinense por 1 a 3, mantendo as esperanças de salvação do quadro de Florianópolis, agora 17º colocado. O outro jogo em solo carioca teve mais um gol, encerrando a imperdoável entregada do Flamengo: dos pés de Thiago Feltri saía o terceiro do Goiás, encerrando os 3 a 3 que distanciaram da Gávea a vaga na Libertadores.
Dos que já estavam bem estabelecidos, Grêmio e Vasco foram os que ampliaram suas vantagens – respectivamente para 1 a 4 e 0 a 2. Muitos gremistas pararam de assistir ao jogo do próprio time e foram secar o São Paulo. Um golzinho do Fluminense, um golzinho... veio o golzinho, com Tartá. Em pleno Morumbi, 0 a 1 Flu. O Grêmio punha-se a dois pontos dos líderes. O 1 a 1 que o São Paulo conseguiu pouco depois não era suficiente para garantir o sexto troféu nacional. Ainda era bom para os gremistas – e, agora, a inversão de ânimo vivida na semana passada não se repetiu. Todos os esforços são-paulinos resultaram inúteis para tirar o empate do placar.
A loucura continuava na zona de baixo. Dois empates pernambucanos quase ao mesmo tempo: o 2 a 2 do Sport no Canindé, fechando o caixão da Portuguesa, com Fumagalli anotando o milésimo tento do Brasileirão 2008, e o 1 a 1 do Náutico no Recife, com Clodoaldo. O gol foi duplamente importante – além da ânsia alvirrubra de permanência, era uma espécie de adeus ao trauma representado pelo goleiro do Atlético-PR, Galatto, algoz do Timbu na Série B 2005. Ontem Galatto não pôde exercer o papel de herói, cujo ator escolhido seria o próprio Clodoaldo, responsável também pelo gol da virada aos 80 minutos, o último gol que alterou algo na classificação do dia, finalizando o Náutico 2 a 1 Atlético.
O poema dominical dos atleticanos foi um prenúncio de tragédia, um amargo triunfo salvador convertido em derrota de desespero, num 16º lugar com 42 pontos, que o torna alvo das esperanças de quem vem abaixo. Esperanças que o 20º colocado Ipatinga, 34 unidades, e a 19ª Portuguesa, 38, não mais têm, já confirmados na Série B 2009, mas ainda acalentadas pelo 18º Vasco, com seus 40 pontos, e muito fortemente pelo 17º Figueirense, dono de 41. O Náutico, 15º com 43, saiu tranqüilizado, ainda não totalmente salvo, porém com boas perspectivas para a semana que vem, precisando somente empatar com o 14º Santos, este salvo da queda pelos 44 pontos e por um saldo irrecuperável pelo Figueirense (-9 a -26).
Com a sua poesia épica e um resultado em que poucos ousavam apostar, o Fluminense, 13º com 44, também garantiu presença na elite pelo saldo (positivo de 1 gol), e aproximou-se do consolo de uma vaga na Copa Sul-Americana. Acima dele, com a vaga no segundo torneio da América nas mãos, estão Atlético Mineiro, 48 pontos, Sport, 49 (que, pelo título da Copa do Brasil, jogará a Libertadores), Vitória, 49, Botafogo, 50, Coritiba, 53, Goiás, 53 e Internacional, 54.
Mantendo a escalada na tabela, seguem então os outros, os que mesmo no topo são adeptos às elegias lamuriantes, contando chances desperdiçadas e vagas não asseguradas. Vêm o Flamengo, com seu 5º lugar e seus 64 pontinhos, fora da zona da Libertadores, o Cruzeiro, time que mais vezes apareceu no G4, agora tão ameaçado na 4ª posição, empatado com o Fla, e o Palmeiras, que sonhou com o título mas não poderá ir além do seu atual 3º lugar, no qual se sustenta com 65 pontos.
Lamúrias quase estendidas ao Grêmio, que tantas oportunidades teve para se distanciar na briga pelo título e deixou escapar. Ontem era o dia para as ilusões de sair campeão serem definitivamente esfarrapadas. Mas, graças ao Fluminense, o 2º colocado com 69 pontos ainda pode alcançar as 72 unidades do líder São Paulo – e uma vitória sua somada a derrota são-paulina significaria título pelo número de vitórias. Continua sendo necessário um milagre; o Grêmio precisa, além do próprio triunfo, que os paulistas percam para o Goiás e encerrem uma invencibilidade de 17 rodadas. No entanto, ao final do domingo, o poema estampado na cara dos gremistas era uma música, e dizia que, apesar de tudo, o pulso ainda pulsa.
2 comentários:
Um final de campeonato que condiz com toda a sua trajetória até aqui.
Simplesmente sensacional
O melhor post que eu li neste blog ate entao, retrata bem o que foi a rodada! Talento na escrita nao tem muita gente que tem que nem voces!
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