Meu amigo Zeca nutre uma paixão feroz pelo Inter. Talvez seja por tudo o que passou na sua vida de colorado. Cresceu numa época difícil para os do lado vermelho do Rio Grande. Na escola, os colegas da sua idade, da idade em que não se tem um time definido, até podiam cogitar torcer pelo Inter, mas, com as muitas vitórias do Grêmio por aqueles anos noventa, terminavam, na maioria, como tricolores. O Zeca não.
A cada novo título do rival, e eram muitos os títulos do rival naquela triste década, ele ostentava orgulhoso a sua camisa vermelha. Agüentava a flauta, ia em frente. Virou uma espécie de símbolo nas rodas coloradas da cidade, e mesmo os gremistas o respeitavam. Ali estava um fiel, diziam. Ele secava o Grêmio, claro, mas o que lhe interessava era o seu Inter. Para o inferno com os títulos azuis, que logo logo eles começam a perder.
Um pouco depois da virada dos anos dois mil eles começaram a perder. E vergonhosamente. Nem em Gauchão mais o Grêmio conseguia se impor. E o Inter, o Inter começou a vencer. A coisa inverteu de vez em 2003. Quem ia para a parte baixa da tabela de classificação no nacional era o Grêmio. Quem tentava a Libertadores era o Inter. Mas ainda não estava num cien por cien. Veio a decepção de perder a vaga na América na última rodada de 2003, vieram as desalentadoras eliminações nas Sul-Americanas de 2004 e 2005, aquele mesmo ano em que o Campeonato Brasileiro foi perdido pelo canetaço do Zveiter. O Grêmio caiu para a Série B nesse intervalo, é verdade, mas voltou a seguir e, no início de 2006, foi lá no Beira-Rio com seu timezinho ganhar o estadual. O Zeca seguiu firme.
Foi premiado. A gradual escalada vivida pelo Inter ao longo desta década, as sucessões de boas campanhas, ainda que encerradas sem taça, elas tinham uma razão de ser. Havia ali um planejamento, uma idéia concreta do que se fazia. Naquele próprio 2006, das cinzas dos papéis queimados nas arquibancadas do Gigante no fim da tarde do domingo decisivo do Gauchão, foram retiradas soluções, voltou o foco real da temporada – conquistar a maior competição do continente, para a qual o clube havia retornado após treze anos. O Inter do Zeca transformou-se numa força incontrolável, numa ira de cataclismo condensada em time de futebol, destroçando quem aparecesse pelo caminho.
E ganhou a Libertadores. E depois o mundo. E em 2007 ergueu a Recopa, o terceiro diamante da coroa. Mas o Zeca, como que nascido amaldiçoado, pouco pôde ver disso tudo. As datas dos jogos, os malditos calendários, uma eterna conspiração que botava suas provas e exames inadiáveis nos dias seguintes aos das partidas – ele podia ver os jogos pela TV, mas com as preocupações divididas; não era a mesma coisa. Assim foi na Libertadores e na Recopa. No Mundial não, porque no Mundial foi pior. Sua avaliação final marcada para a mesma manhã do jogo. A concentração desfeita a cada foguete que estourava no céu. Seriam alarmes falsos? Seria um gol nosso? Seriam secadores? Nas ruas, gritos, comemorações. De quem? De quem? Seus ‘x’ marcados de forma cada vez mais trêmula num interminável questionário com sessenta perguntas. Aí entrou na sala um professor trajando o manto que ele também vestia e berrou: Campeão! Campeão! O Inter é campeão, gente! O Zeca entregou a prova com metade das questões em branco, levando uma nota miserável, mas mais feliz que qualquer gremista que tivesse gabaritado.
Agora o Zeca está lá em Porto Alegre. Estudando, de novo. Cursinho. Pré-vestibular, que passar em medicina na úrguis exige isso. O Zeca bebendo as suas Brahmas, causadoras do seu apelido por conta do Zeca Pagodinho, certamente matando uma aula do intensivo na noite de quarta-feira para assistir ao seu Inter em La Plata pela RBS. Assistir ao seu Inter, com dez em campo desde os vinte minutos, botar abaixo o Estudiantes de Verón, invicto em casa havia 43 encontros, e triunfar por 0 a 1. O Zeca terá a sua desforra de todas as decisões que não pôde viver sem distrações. Ele estará no Beira-Rio para ver o Inter campeão. Mais uma vez nesses anos maravilhosos. Mas pela primeira vez in loco, pensando exclusivamente no jogo. E sairá de lá para as ruas da capital gaúcha vibrando, pois depois do que o Inter fez na Argentina a Copa Sul-Americana não pode ter outro destino que não o gigante estádio da orilha do Guaíba.
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