O Futebesteirol não será mais atualizado. Este é o último post de um blog nascido quase que como uma brincadeira em 2007, mas que caminhou bem a ponto de gerar reportagens, viagens para testemunhar encontros improváveis e a produção de toneladas de material próprio. A antológica cobertura da Segundona Gaúcha em 2009, com retratos e textos incomuns para o certame, resume o espírito que nos norteou. Não queríamos noticiar. Não queríamos poetizar. Ao menos, não separadamente. Queríamos um pouco de tudo. Ir para cada cancha e voltar ILUSIONADOS, como dizem os hispânicos, fosse por um Milan de Júlio de Castilhos promovendo remontadas com três a menos, por um obscuro time da sexta divisão espanhola que vestia um uniforme semelhante ao do Peñarol, por um Liverpool e um Racing de Montevidéu se enfrentando num duelo em que os nomes dos times poderiam até figurar numa final de Mundial de Clubes. Os anseios grandes exigiram evolução, mudança de PLATAFORMA (?), e o fechamento deste endereço. Não, o mundo ainda não se livrou de nós. A partir de hoje, a DOUTRINA defendida nos últimos anos aqui no Futebesteirol existirá em novo endereço, o ilusionando.net, fincado nas vísceras do WordPress. Os delírios seguem.
sexta-feira, 8 de janeiro de 2010
sexta-feira, 1 de janeiro de 2010
Retrospectiva da década: futebol do interior gaúcho (2005-2009)
Segue a mais relevante retrospectiva feita sobre a década de 00.
2005
Depois de ser vice-campeão gaúcho em 2002 e 2003, e de chegar às semifinais da Copa do Brasil em 2004, o 15 de Novembro de Campo Bom começou 2005 indo por mais uma tentativa de subir ao trono estadual. Com o Grêmio cada vez mais enfraquecido e jogado na Série B nacional, teve seu caminho facilitado – na última rodada da fase semifinal empatou em casa com o Brasil de Pelotas, e seria eliminado em caso de vitória gremista, mas os tricolores perderam para um Caxias sem aspirações –, e novamente encontrou o Internacional numa decisão. Enquanto isso, o outro destaque do ano anterior, o São Gabriel, entrou numa rota totalmente inversa e caiu para a Segundona.
Ao contrário dos anos anteriores, quando perdera na ida e na volta, o 15 finalmente fez oposição SÉRIA aos colorados. Levou 2 a 0 no Beira-Rio, mas, em casa, devolveu o placar depois que o goleiro alvirrubro André fraturou o braço numa dividida e precisou ser substituído pelo júnior MARCELO BOECK. Não precisaria repetir os 2 a 0, pois naquele ano não havia saldo de gols na decisão, mas foi o que fez. Igualados os pontos, a disputa da prorrogação foi consequência. Por ter a melhor campanha, o quadro de Campo Bom jogou pelo empate. Levava 1 a 2 no tempo extra, os dois gols do Inter marcados pelo centroavante Souza (que a seguir seria mandado embora), quando Carlos Eugênio Simon cometeu um erro VARZEANO e encerrou a partida aos 13:45 do segundo tempo de prolongamento, com mais de um minuto pela frente. Talvez INEBRIADOS, os jogadores da equipe amarela nem reclamaram, saindo do gramado com mais um vice-campeonato.
Nacionalmente, ninguém foi capaz de repetir os feitos do ano anterior na Copa do Brasil – e a Ulbra até fez fiasco, metendo 3 a 0 no Treze da Paraíba em Canoas para, na partida de volta, levar 5 a 0 na cola e cair. O ano ainda serviu para o Caxias dar adeus à Série B. Numa temporada que rebaixou SEIS equipes à terceira divisão do país, os grenás evitaram que sua torcida perdesse tempo reclamando pelo excessivo número de descendidos, e foram logo acabando em último lugar. Na Série C, o Novo Hamburgo inaugurou uma sina que seus conterrâneos transformariam em tabu: o de times do interior do Estado chegarem à fase decisiva do certame e começarem a perder, perder e perder de um jeito que não pareciam capazes nas etapas anteriores. O Noia, que ainda tinha acento e era Nóia, jogou o quadrangular final da terceira divisão nacional ao lado do paraense Remo, do potiguar América e do mineiro Ipatinga. Acabou em último lugar.
Melhores times de fora de Porto Alegre no Gauchão:
1º 15 de Novembro de Campo Bom (vice-campeão)
2º Glória de Vacaria
3º Caxias
Rebaixados do Gauchão para a Segundona: Guarani de Venâncio Aires; São Gabriel
Promovidos da Segundona para o Gauchão: São Luiz de Ijuí (campeão); Gaúcho de Passo Fundo
2006
Saído das suas crises da primeira metade da década, o porto-alegrense Grêmio encerrou a sequência de finais disputadas por interioranos contra o Inter e enfiou-se na decisão do Gauchão para reconquistar o título num Gre-Nal. O 15 de Novembro, cansado dos vice-campeonatos, enfim ganhou uma taça – paradoxalmente, na sua pior temporada até ali. Porque o título ganho pelos de Campo Bom foi o da Copa Emídio Perondi, torneio disputado pelos eliminados na primeira fase do Gauchão e que, entre outras coisas, definia os rebaixados à Segundona.
A Segundona, aliás, foi vencida naquele ano pelo Guarany de Bagé. Além de ser o retorno do clube à divisão principal depois de vinte e cinco anos, o acesso significou que, pela primeira vez na década, uma equipe da fronteira jogaria na elite. O último da região havia sido o Grêmio Santanense, de Livramento, rebaixado em 1998. Em Bagé, a derradeira participação entre os grandes era a dos jalde-negros do Grêmio Esportivo Bagé, rival do Guarany, na edição de 1994.
O ano foi o primeiro sem participantes gaúchos na Série B do Brasil. O Caxias, rebaixado para a C em 2005, era o que provocava mais esperanças de retorno, mas frustrou toda a gente. Caiu na primeira fase do campeonato. Coube ao Brasil de Pelotas o papel que no ano anterior o Novo Hamburgo representara. Derrotados apenas quatro vezes nas dezoito partidas anteriores, os xavantes chegaram ao agora octogonal final repletos de sonhos e, do nada, perderam NOVE das catorze rodadas. Terminaram em sétimo lugar, a dez pontos do G4 do acesso. Parecem ter se afeiçoado tanto à desilusão que repetiram a trajetória de eliminação na fase final em anos seguintes.
Melhores times de fora de Porto Alegre no Gauchão:
1º Juventude de Caxias do Sul
2º Caxias
3º Novo Hamburgo
Rebaixados do Gauchão para a Segundona: Farroupilha de Pelotas; Passo Fundo
Promovidos da Segundona para o Gauchão: Guarany de Bagé (campeão); Guarani de Venâncio Aires
2007
Uma sucessão aparentemente interminável de quases chegou ao fim na Segundona Gaúcha de 2007. O Internacional de Santa Maria convivia com uma maldição desde o rebaixamento: nas sete temporadas entre 2000, quando caiu, e 2006, o alvirrubro santa-mariense chegou cinco vezes às fases finais da Segundona. Quando subiu um, ficou em segundo lugar. Quando subiam dois, costumava acabar em terceiro. Em 2007, finalmente não fraquejou. Brigando pelo acesso contra o Sapucaiense, o Santo Ângelo e o Pelotas, o Inter-SM colocou-se em condições de subir ao triunfar na enlameada peleja da penúltima rodada, contra o Ipiranga de Sarandi, ao mesmo tempo em que pelotenses e santo-angelenses empatavam entre si. Na última rodada, o quadro de Santa Maria bateu o adversário direto Pelotas por 2 a 1, em casa, e subiu como vice-campeão do Sapucaiense.
Na divisão de cima, outro Inter foi mal. O de Porto Alegre, ainda saboreando os REFLEXOS do título mundial ganho em dezembro do ano anterior, fez seu pior Gauchão na história e caiu na primeira fase - graças a um gol sofrido diante do Veranópolis no último segundo da última rodada. Os mata-matas criaram uma possibilidade mágica: uma final de campeonato totalmente interiorana, algo que não acontecia desde 1939, quando o Rio-Grandense de Rio Grande e o Grêmio Santanense decidiram o estadual – mas naquela edição os times de Porto Alegre não estavam presentes, pois o Gauchão permanecia amador e os capitalinos já haviam se profissionalizado. Nas semifinais, o Juventude se opôs ao Veranópolis; o Grêmio de Porto Alegre, dividindo as atenções de suas noites com a Copa Libertadores da qual seria vice-campeão, mediria forças com o Caxias.
A primeira final interiorana num Campeonato Gaúcho que contava com porto-alegrenses estava praticamente assegurada ao fim do domingo 15 de abril, quando o Caxias abateu o Grêmio por 3 a 0, em casa, no duelo de ida. Como do outro lado o Ju havia feito 0 a 2 no VEC atuando de visitante, prometia-se uma decisão num ELÉTRICO clássico Ca-Ju. Mas, na volta, em Porto Alegre, o Caxias levou 4 a 0. Meio desanimado, o Juventude também quase cedeu ao Veranópolis e perdeu o segundo embate por 1 a 2. Passou à final, mas já sem forças para encarar um Grêmio cheio de vigor depois de uma remontada. Tornou a ser vice-campeão, levando um agregado de 7 a 4.
A continuidade de 2007 revelou-se mais e mais inglória ao Juventude, que frequentou a zona de rebaixamento no Campeonato Brasileiro e só achou forças para se debater no fim da competição, tarde demais. A quatro rodadas do fim, bateu o Palmeiras fora de casa. No jogo seguinte, venceu o bicampeão antecipado (tri em 2008) São Paulo, mas nada disso o salvaria da queda. Na Série C, o Caxias foi novamente eliminado na primeira fase, dessa vez sem vencer um bendito jogo. O Esportivo de Bento Gonçalves e a Ulbra de Canoas foram mais longe na terceira divisão, chegando ambos à penúltima fase do torneio – os canoenses não entraram no octogonal final por questão de dois gols de saldo. Perderam a vaga para o Bragantino, que depois saiu campeão.
Ninguém, porém, foi mais infeliz no interior em 2007 do que o Gaúcho de Passo Fundo. Rebaixado à Segundona Gaúcha no primeiro semestre, o time teve como poucos a certeza da MORTE na metade final do ano, ao perder seu estádio na Justiça. As imagens dos meses seguintes eram fotografias da tristeza de cada torcedor, com a cancha do Wolmar Salton tomada por mato e as arquibancadas avançando para uma lenta ruína. Há clubes fechados e campos abandonados por toda a parte no Rio Grande, mas em Passo Fundo houve o choque do imediatismo. Só uns meses antes o time estava lá, jogando no Beira-Rio contra o Inter (e levando só 1 a 0 apesar de já ter caído matematicamente), e agora nem sabia se sobreviveria. O Gaúcho não retornaria ao futebol profissional antes do fim da década, mas está inscrito para a Segundona de 2010 – ainda sem estádio.
Melhores times de fora de Porto Alegre no Gauchão:
1º Juventude de Caxias do Sul (vice-campeão)
2º Veranópolis
3º Caxias
Rebaixados do Gauchão para a Segundona: Guarani de Venâncio Aires; São José de Cachoeira do Sul; Glória de Vacaria; Gaúcho de Passo Fundo
Promovidos da Segundona para o Gauchão: Sapucaiense de Sapucaia do Sul (campeão); Internacional de Santa Maria
2008
O Juventude do Gauchão de 2008 era um fenômeno. A pior equipe já montada no Jaconi desde o princípio da década e que, ainda assim, fazia absurdos. Único time a vencer o Internacional no campeonato – duas vezes na primeira fase, e mais uma na final – e o Grêmio – eliminando os invictos tricolores nas quartas-de-final do Gauchão ao triunfar por 2 a 3 no Olímpico, saindo ganhando de 0 a 3 –, o Ju também foi a pior campanha entre os classificados da primeira fase (somou menos pontos que os outros sete, e ainda perdeu seis jogos, mais do que qualquer um) e conseguiu perder para o Guarany de Bagé – que voltaria à Segundona com 13 derrotas em 14 rodadas, sendo seus três solitários pontos os da vitória sobre os caxienses em 8 de fevereiro, por 1 a 0. Junto com o Guarany, descenderia o 15 de Novembro de Campo Bom, que chegou ao outono dos seus dias.
O melhor time interiorano daquele Gauchão foi o Inter de Santa Maria. Recém-ascendido à elite do Estado e atropelando quem viesse pelo caminho na elite, o alvirrubro fez o apelido do seu estádio – a Baixada Melancólica – não merecer o adjetivo que carrega, ao menos em relação aos resultados. Mas o Inter-SM também encontrou obstáculo naquele bizarro Juventude. Nas semifinais do campeonato, após vencer por 0 a 1 em Caxias, o Coloradinho caiu por 2 a 4 em Santa Maria. O Ju passou para uma final contra o Inter porto-alegrense e, no jogo de ida, venceu os da capital pela terceira vez. Não se podia crer em tamanha touca, e a raiva acumulada nas orilhas do Guaíba fez transparecer toda a falta de qualidade daquele Juventude na segunda partida da final: o Internacional aplicou 8 a 1 nos serranos. O Juventude foi vice-campeão com dois empates, nove vitórias e nove derrotas em 20 partidas. Ao lado do antepenúltimo colocado Santa Cruz, foi o time que mais perdeu no campeonato entre os não-rebaixados.
Como prêmio pela campanha, o Inter-SM ganhou vaga na Série C nacional. Apesar de eliminado na primeira fase – no famoso grupo em que o paranaense Toledo e o catarinense Marcílio Dias comprovadamente acertaram um empate que classificaria ambos, e voltaram a empatar no jogo que a CBF mandou repetir –, a gana por fazer episódios históricos reapareceu na Baixada: na última rodada, precisando de um gol de saldo para passar de fase caso os COMPADRES da outra partida resolvessem jogar bola e não empatar, o arqueiro Goico foi à área adversária e anotou um tento de BICICLETA. Na mesma Série C, o Caxias enfim passou da primeira fase, mas caiu na segunda. O Brasil de Pelotas reeditou a desilusão dos outros anos, atingindo o octogonal final e sendo eliminado ao levar 4 a 1 do já desclassificado Rio Branco, do Acre, na última rodada – pelos resultados paralelos, teria subido com um mísero empate.
Melhores times de fora de Porto Alegre no Gauchão:
1º Juventude de Caxias do Sul (vice-campeão)
2º Internacional de Santa Maria
3º Caxias
Rebaixados do Gauchão para a Segundona: 15 de Novembro de Campo Bom; Guarany de Bagé
Promovidos da Segundona para o Gauchão: Ypiranga de Erechim (campeão); Avenida de Santa Cruz do Sul
2009
A imitação do formato carioca, de turno e returno, com o título definido entre os vencedores deles, não só tirou metade da glória de passar de fase no Gauchão como privou muitos interioranos de verem seus times nos mata-matas – já que as eliminatórias dos turnos ocorrem em partida única na casa da equipe com melhor campanha. Por outro lado, 2009 veio com a recriação do Campeonato do Interior, agora oficial, a ser disputado pelos alheios a Porto Alegre donos dos melhores resultados em cada turno. Qual o Inter-SM do ano anterior, o Ypiranga de Erechim mostrou poder na sua temporada de reestreia na elite: campeão da Segundona em 2008, sagrou-se também o campeão do Interior no Gauchão de 2009, e no segundo semestre quase emendou uma TRÍPLICE COROA (?) com a conquista da Copa FGF, mas nela perdeu a decisão para o time B do Internacional de Porto Alegre.
Foi Erechim também a sede de um atípico Gre-Nal em solo interiorano, outra característica desse regulamento CHUPADO do Rio de Janeiro, que obriga todos os times a se enfrentarem uma vez na primeira fase. No Rio há um Maracanã. Sem estádios neutros na capital daqui, escolheram o Colosso da Lagoa, o maior de fora de Porto Alegre, para receber o combate. O Inter venceu o jogo em Erechim, como venceria todos os outros Clássicos do Gauchão para se sagrar campeão sem necessidade de final, já que triunfante nos dois turnos. Na decisão do segundo, inclusive, mostrou ser um clube IGUALITÁRIO, e deu ao Caxias o mesmo tratamento dispensado ao rival Juventude em 2008: socou-lhes oito gols nas redes, e venceu por PIEDOSOS 8 a 1 – forçando o ritmo, caberia uma goleada de dois dígitos; no intervalo já luzia no marcador um 7 a 0.
Mas as tragédias metafóricas traduzidas pelas derrotas e goleadas soaram irrelevantes desde o primeiro mês do ano. Em janeiro, uma curva desacorçoou os sonhos de um Brasil de Pelotas que se preparava bem para o Gauchão, e na volta dum amistoso o ônibus da equipe tombou. Entre as três mortes, a do ídolo e artilheiro Milar. Na Segundona Gaúcha, quando o rival Esporte Clube Pelotas garantiu o acesso ao lado do Porto Alegre, uns poucos torcedores áureo-cerúleos despidos de HONRA ousaram cantar pela Boca do Lobo: “Milar não existe mais”. Faltou eco para a estupidez. O acesso do Pelotas não ocasionará um clássico Bra-Pel em 2010 porque, muito antes disso, o Xavante não aceitou a opção de se licenciar do estadual sem ser rebaixado – entrou no campeonato com o time esfacelado e caiu.
A força do Brasil foi recobrada no seguir do ano, reaparecendo na Série C, mas a sina de toda a década pesou novamente sobre o futebol interiorano gaúcho na terceira divisão nacional: além dos pelotenses, o Caxias também chegou às quartas-de-final do torneio, ficando a dois jogos da Série B – como de costume, nenhum dos dois subiu. O Brasil perdeu para o futuro campeão América, de Minas. O Caxias teve sua caminhada interrompida pelo Guaratinguetá, que já o havia eliminado na Copa do Brasil, no início do ano. Caxienses e pelotenses acabaram, respectivamente, em quinto e sexto lugar na classificação geral da C – subiam quatro equipes. Com o rebaixamento do Juventude na Série B, a segunda divisão do país iniciará o novo decênio órfã de clubes gaúchos.
Dez anos antes, o interior do Estado tinha um time na primeira e outro na segunda divisão brasileira. Os times pequenos perderam muito na década. Cidades tradicionais chegaram ao fim dos anos “00” sem equipes profissionais. Casos, por exemplo, de Cachoeira do Sul, Estrela, Campo Bom, Cruz Alta, Uruguaiana, Passo Fundo e Santa Rosa – ainda que as duas últimas tenham a volta prevista para 2010. Mesmo cidades onde o futebol se mantém, como Livramento e Rio Grande, perderam clubes tradicionais – na primeira, o Grêmio Santanense sumiu; na segunda, o Rio-Grandense. Ambos velhos campeões da elite gaúcha. Para medir os problemas do interior, basta notar que o último campeão de Segundona da década foi o Porto Alegre Futebol Clube, um time de empresários e da capital. O futuro, com vozes cada vez mais fortes clamando pelo fim dos estaduais, não se apresenta animador.
Melhores times de fora de Porto Alegre no Gauchão:
1º Ypiranga de Erechim
2º Veranópolis
3º Santa Cruz
Campeão do Interior: Ypiranga de Erechim
Rebaixados do Gauchão para a Segundona: Sapucaiense de Sapucaia do Sul; Brasil de Pelotas
Promovidos da Segundona para o Gauchão: Porto Alegre (campeão); Pelotas
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Os 27 clubes do interior que jogaram na primeira divisão do Gauchão na década
10 participações (2000-2009): Caxias; Esportivo de Bento Gonçalves; Juventude de Caxias do Sul; Santa Cruz; Veranópolis
9 participações: 15 de Novembro de Campo Bom (2000-2008)
8 participações: São Luiz de Ijuí (2000-2003; 2006-2009)
7 participações: Guarani de Venâncio Aires (2000-2005; 2007); Novo Hamburgo (2001; 2004-2009); Passo Fundo (2000-2006)
6 participações: Ulbra de Canoas (2004-2009)
5 participações: Brasil de Pelotas (2005-2009); Glória de Vacaria (2003-2007); Pelotas (2000-2004); Santo Ângelo (2000-2004); São José de Cachoeira do Sul (2003-2007)
4 participações: São Gabriel (2002-2005)
3 participações: Avenida de Santa Cruz do Sul (2000-2001; 2009); Internacional de Santa Maria (2000; 2008-2009)
2 participações: Farroupilha de Pelotas (2005-2006); Gaúcho de Passo Fundo (2006-2007); Guarany de Bagé (2007-2008); Palmeirense de Palmeira das Missões (2002-2003); São Paulo de Rio Grande (2001-2002); Sapucaiense de Sapucaia do Sul (2008-2009)
1 participação: Rio Grande (2000); Ypiranga de Erechim (2009)
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quinta-feira, 31 de dezembro de 2009
Retrospectiva da década: futebol do interior gaúcho (2000-2004)
Todo mundo tem usado as horas TEDIOSAS do fim do ano para traçar retrospectivas sobre QUAISQUER coisas que tenham acontecido nesta década de 2000. Falaram de coisas desimportantes como a EVOLUÇÃO DO MUNDO e não se dedicaram à análise do que aconteceu no futebol interiorano gaúcho. Então, no último dia da década que se acaba, vem a primeira parte da retrospectiva das principais OCORRÊNCIAS de algo tão relevante para a HUMANIDADE neste período. Amanhã (se a internet permitir), já em 2010, os cinco anos finais da década.
2000
Dois mil foi um ano estranho. O excesso de zeros à direita do dois não causou o bug do milênio nos computadores, mas os zeros à esquerda nos quocientes de inteligência dos dirigentes provocaram anomalias nos campeonatos de futebol. Logo em janeiro, a FIFA criou um Mundial disputado no Brasil, decidido por dois times do Brasil e que, naturalmente, não vingou. Tardou a ser retomado. O Campeonato Brasileiro foi outro a sofrer com os ares do início da década (e de fim de século), e deixou de existir naquela temporada. Uma briga na Justiça tirou da CBF o direito de organizá-lo e os clubes, então, formularam um SUFLÊ chamado Copa João Havelange, no qual os times da primeira e da terceira divisão tinham, a rigor, chances iguais de título.
No Rio Grande do Sul, a moda nacional e internacional de entortar as VIGAS de sustentação das ideologias campeonateiras (???) foi representada pela concessão de uma vaga na elite a um time que não a havia conquistado. Afastado da primeira divisão gaúcha desde 1975 e sem conseguir retornar para lá dentro de campo, o Sport Club Rio Grande recebeu um convite da FGF para celebrar seu centenário entre os grandes, por ser o time de futebol mais antigo do país. A condição para a homenagem: os rio-grandinos voltariam à Segundona no ano seguinte, mesmo se, por VONTADE DIVINA, acabassem campeões da primeira.
Para sorte da Federação, o Rio Grande não CORREU RISCOS de conquistar o título. Tampouco fez campanha de rebaixado. Ficou no meio da tabela e até incomodou alguns, roubando pontos necessários de adversários desesperados – na última rodada, empatou por 0-0 com um Inter-SM que só precisava da vitória para escapar da queda, e baixou ao segundo escalão estadual de mãos dadas com os santa-marienses. O formulismo era tamanho que os rebaixados jogariam a Segundona no mesmo ano – o Avenida, que caiu, subiria de volta. O estranho ano 2000 ainda consagrou o único interiorano campeão gaúcho da década, o Caxias (3 a 0 no Grêmio de Ronaldinho, que errou pênalti na decisão), e viu uma irrepetida participação de time de fora de Porto Alegre na LIBERTADORES.
Campeão da Copa do Brasil no ano anterior, o Juventude troteou pelas campinas sul-americanas sem grande êxito. Ficou no mesmo grupo do então campeão Palmeiras, de Scolari, e perdeu nas três vezes que viajou para jogar. Caiu na primeira fase, mas preencheu sua mala de garupa com o consolo de não ter sido derrotado em casa. No dia 16 de fevereiro, o Ju venceu os equatorianos do El Nacional por 1 a 0, gol de MABÍLIA; em 12 de abril fez 4 a 0 no The Strongest boliviano, e oito dias mais tarde se despediu do maior torneio do Ocidente buscando um empate por dois gols num jogo que perdia de 0 a 2 para o Palmeiras até os 60 minutos.
Melhores times de fora de Porto Alegre no Gauchão:
1º Caxias (campeão)
2º Juventude de Caxias do Sul
3º 15 de Novembro de Campo Bom
Rebaixados do Gauchão para a Segundona: Avenida de Santa Cruz do Sul; Internacional de Santa Maria; Rio Grande
Promovidos da Segundona para o Gauchão: Novo Hamburgo (campeão); São Paulo de Rio Grande; Avenida de Santa Cruz do Sul*
Rebaixados da Segundona para a Terceirona**: -
Promovidos da Terceirona para a Segundona: Gaúcho de Passo Fundo (campeão); Grêmio Santanense
* Os times rebaixados do Gauchão jogaram a segundona no mesmo ano.
** O rebaixamento à Terceirona Gaúcha não foi respeitado nesta década.
2001
A LUMINESCÊNCIA dos dias em Caxias do Sul prosseguiu em 2001. O Juventude chegou ao vice-campeonato gaúcho, embora tenha passado o ano inteiro brigando para não cair na Série A do Brasileiro (que voltou a ser ditado pela CBF), e o Caxias esteve a ponto de fazer companhia aos rivais na elite nacional. A segunda divisão do país era dividida por regiões, e o Caxias atropelou na fase inicial: acabou em primeiro entre os 14 do Grupo Sul-Sudeste. Deixou para trás o próprio Figueirense, de Santa Catarina, que meses depois seria seu ALGOZ. Os dois quadros avançaram até o quadrangular final da Série B, junto com o também catarinense Avaí e o paraense Paysandu. Na última rodada, uma definição de loucura: os quatro times tinham 6 pontos. Quem vencesse, subia.
O Paysandu fez 4 a 0 no Avaí. O Figueirense fazia 1 a 0 no Caxias. Mas em Florianópolis o jogo não acabou. A torcida invadiu o campo quando ainda havia os acréscimos por disputar. O impasse se estendeu aos tribunais, surgiu uma súmula adulterada e, para variar, as gavetas poeirentas apareceram como destino final de polêmicas que movimentaram paixões. Numa medida ENROLADORA, decidiu-se por manter o resultado, sem dar os pontos para o Figueirense – o que, na prática, não mudou a situação que se determinaria caso o jogo acabasse mesmo em 1 a 0. Permaneceu o acesso dos alvinegros de Santa Catarina. Os grenás da Serra Gaúcha jamais chegariam tão perto da primeira divisão outra vez.
Melhores times de fora de Porto Alegre no Gauchão:
1º Juventude de Caxias do Sul (vice-campeão)
2º Pelotas
3º Caxias
Rebaixados do Gauchão para a Segundona: Avenida de Santa Cruz do Sul; Novo Hamburgo
Promovidos da Segundona para o Gauchão: Palmeirense de Palmeira das Missões (campeão); São Gabriel
Rebaixados da Segundona para a Terceirona: -
Promovidos da Terceirona para a Segundona: Cachoeira (campeão); Farroupilha de Pelotas
2002
Os anos iniciais da década foram marcados pela tentativa de implantar ligas regionais, relegando os estaduais. Curiosamente, a temporada em que isso esteve mais acentuado também foi a última em que se disputaram os torneios interestaduais – 2002. Pelo Brasil, os principais campeonatos estaduais ficaram órfãos dos grandes clubes. Para evitar que o ano acabasse assim, pariu-se um sistema de dois campeões. Os times pequenos jogariam o Campeonato estadual, e os melhores entre eles se uniriam aos grandes para a disputa do Supercampeonato. Em São Paulo, por exemplo, o Campeonato foi do Ituano, e o Supercampeonato, do São Paulo Futebol Clube.
No Rio Grande do Sul, nunca oficializaram essa situação. O Guarani de Venâncio Aires ganhou o que noutros estados seria o Campeonato, e até hoje pinta em seu estádio que é o legítimo campeão gaúcho de 2002, mas a situação é comparável ao título brasileiro do Flamengo em 1987 – nenhum dos dois é considerado oficial pela entidade competente, e ambos dependem do reconhecimento popular. O Flamengo tem a mídia ao seu lado, propagando que ganhou naquele ano. O Guarani, não. E assim, só o povo de Venâncio Aires lembra de dizer que seu time foi, um dia, campeão. No Supercampeonato, que por aqui valeu como Campeonato mesmo, o Inter ergueu a taça. Derrotou na final um outro interiorano que começava a ganhar os holofotes: o 15 de Novembro de Campo Bom.
Velho campeão dos estaduais de amadores, o 15 lançou-se à profissionalização com uma força incomum. Em curtos anos, obteve mais sucesso do que qualquer time de fora do eixo Porto Alegre-Caxias do Sul havia conseguido em toda a década anterior, beliscou um título nacional e emendou finais gaúchas. Fez milagres até o dinheiro faltar e o time ser rebaixado em 2008. Como se tudo não tivesse passado de um devaneio, os amarelos de Campo Bom fecharam o departamento profissional e nem mesmo se inscreveram para a Segundona do ano seguinte à queda. Tido a seu tempo como o melhor gramado do interior gaúcho, o do Estádio Sady Arnildo Schmidt seguia em ótimas condições até o fim deste ano, em interminável cuidado para o dia em que se resolva voltar com o futebol em Campo Bom.
Mas em 2002 toda a epopeia do 15 de Novembro apenas se iniciava. No mesmo ano, o Juventude fez sua melhor participação no Campeonato Brasileiro. Terminou em 4º lugar na primeira fase da competição, a última antes da adoção dos pontos corridos, sendo o melhor time de fora de São Paulo – acima dele, o próprio São Paulo, o São Caetano e o Corinthians. Nos mata-matas, porém, o quinto colocado Grêmio fez o que se acostumou a fazer ao longo dos anos, e triunfou sobre os caxienses. Empatou por 0 a 0 no Olímpico e sacou o quadro serrano da competição com um 0 a 1 na partida de volta, fora de casa.
Melhores times de fora de Porto Alegre no Gauchão:
1º 15 de Novembro de Campo Bom (vice-campeão)
2º Juventude de Caxias do Sul
3º Pelotas
Rebaixado do Gauchão para a Segundona: São Paulo de Rio Grande
Promovidos da Segundona para o Gauchão: São José de Cachoeira do Sul (campeão); Glória de Vacaria
Rebaixados da Segundona para a Terceirona: -
Promovidos da Terceirona para a Segundona: Ulbra de Canoas (campeão); RS Futebol de Alvorada
2003
Um ano depois, os juventudistas teriam pouco a se orgulhar da campanha nacional do seu time. Na Copa do Brasil de 2003, o Ju caiu dentro de casa, nos pênaltis, para a Caldense de Minas Gerais. Pelo Brasileirão, só não brigou contra o rebaixamento até o fim porque ganhou três pontos de bandeja de um jogo perdido para a Ponte Preta – os de Campinas escalaram um atleta irregularmente e a pontuação foi invertida pelos tribunais. O grande momento dos caxienses naquele campeonato infeliz veio na 37ª rodada, com uma vitória em pleno Mineirão diante do campeão Cruzeiro – o time de Alex, de Luxemburgo, dos 100 pontos, dos 102 gols, e do melhor futebol jogado num Brasileiro de pontos corridos até hoje. No mesmo ritmo, mas na Série B, o rival Caxias acabaria apenas duas posições acima da zona de rebaixamento para a terceira divisão.
Longe das tormentas que se abatiam sobre a Serra, em Campo Bom o 15 repetiria o feito de um ano antes, voltando à final do Gauchão – e sendo outra vez vencido pelo Inter. O São Gabriel, por sua vez, apareceria como surpresa do estadual, sendo o time interiorano que mais venceu jogos naquela edição do campeonato (treze, ao lado do Santa Cruz) e avançando até as semifinais. Outro time quase desconhecido e que nem por isso se tornou mais falado, o RS Futebol de Alvorada, da Segundona Gaúcha, militou com relativo sucesso pela Série C do Brasileiro em 2003. Percorreu os caminhos do certame até a quinta e penúltima fase, sendo eliminado DUAS VEZES pelo Ituano, futuro campeão – na quarta fase, o RS caiu nos pênaltis frente ao quadro de Itu, mas passou como um dos melhores perdedores; na quinta, voltou a cruzar com os paulistas e perdeu por um placar agregado de 4 a 3.
Melhores times de fora de Porto Alegre no Gauchão:
1º 15 de Novembro de Campo Bom (vice-campeão)
2º São Gabriel
3º Juventude de Caxias do Sul
Rebaixados do Gauchão para a Segundona: Palmeirense de Palmeira das Missões; São Luiz de Ijuí
Promovidos da Segundona para o Gauchão: Ulbra de Canoas (campeão); Novo Hamburgo
Rebaixados da Segundona para a Terceirona: Avenida de Santa Cruz do Sul; Ypiranga de Erechim*
Promovidos da Terceirona para a Segundona: Lami de Porto Alegre (campeão); Riograndense de Santa Maria
* O rebaixamento nunca valeu porque em 2004 a Terceirona deixou de existir.
2004
Com os dois times de Caxias investindo vorazes sobre o ostracismo nas Séries A e B, e sem um representante confiável do Estado na C, a viabilidade de um sucesso interiorano em nível nacional foi questionada em princípios de 2004. Na própria ALDEIA os velhos pendões iam mal: o tradicional Pelotas fazia um Gauchão para o olvido. Terminaria rebaixado em último lugar, sem vencer um jogo sequer em 26 rodadas. Para lágrimas sem fim dos áureo-cerúleos, no mesmo ano os dois rivais citadinos, o Brasil e o Farroupilha, seriam promovidos da Segundona para a elite. A própria fórmula do estadual fazia se perguntar se uma TERRA capaz de imaginar aquilo merecia sucesso nacional – o Gauchão foi dividido em um grupo exclusivo de interioranos e outro com times da Dupla Gre-Nal, Ca-Ju e alguns ELEITOS por critérios técnicos entre os do outro grupo, que disputariam ambas as chaves simultaneamente.
O formato abria a possibilidade, depois revista pela FGF, de que um time do interior que fosse bem dos dois lados jogasse contra si mesmo na finalíssima. O Glória de Vacaria quase causou esse CONSTRANGIMENTO ao criador do regulamento, mas no fim só se classificou numa ponta e tudo deu certo. Como também deu certo nacionalmente para o interior, apesar de tudo. A Copa do Brasil, torneio do qual o Rio Grande do Sul ainda é o maior campeão, revelou-se novamente um cenário propício ao heroísmo local. O São Gabriel eliminou o Figueirense na fase de abertura e, na etapa seguinte, proporcionou um épico contra o Palmeiras: em casa, venceu por 2 a 1, com o goleiro Altieri defendendo um pênalti aos cinquenta e tantos minutos do segundo tempo. Espaço de dois segundos entre o batedor cobrar, o Altieri espalmar, a bola bater na trave e o juiz apitar o fim da partida.
Não importa que o Palmeiras tenha vencido o confronto de volta por 4 a 0 – aquela do São Gabriel, pelo adversário e pelas circunstâncias, foi certamente a mais sensacional vitória do futebol do interior do Rio Grande na década. Mas o 15 de Novembro foi muito além. Dono de um elenco reduzido, sofrendo com o cansaço ao conciliar as datas do torneio copeiro com a tabela cruel do Gauchão, o time de Campo Bom não pôde voltar à final estadual – contra o Inter, quem decidiria (e perderia) o título seria a Ulbra de Canoas, cidade que está tão amarrada a Porto Alegre que o cidadão fica até em dúvida se considera interior. Em compensação, o 15 do treinador Mano Menezes construiu uma odisseia na Copa do Brasil: superou, invicto, a Portuguesa Santista, o Vasco da Gama (aplicando surra de 3 a 0), o Americano de Campos e o Palmas de Tocantins para chegar às semifinais do torneio.
A dois jogos da decisão, encontrou o Santo André, outro time que não se imaginava capaz de ir tão longe. Ali o calendário matou o 15 de Novembro. No jogo de ida, fora de casa, os comandados de Mano venciam por tranquilos 1 a 4 quando o fôlego zerou. Sofreram dois gols, ainda conseguiram voltar para a casa com a vantagem de um 3 a 4, e nas ruas de Campo Bom começaram a ser estendidas faixas prevendo “15 rumo a Tóquio”, mesmo que o Mundial de Clubes (ainda sem o selo da FIFA, sumido após a experiência ruim de 2000) já fosse disputado em Yokohama desde 2002. Mas aqueles gols e, principalmente, o desgaste físico que os permitiu, foram fatais. No retorno, jogado no Olímpico de Porto Alegre, a falta de pernas possibilitou uma vitória do Santo André, de virada, por 1 a 3. Os andreenses continuaram na Copa para erguer a taça contra o Flamengo, em mais uma versão de Maracanazo.
Melhores times de fora de Porto Alegre no Gauchão:
1º Ulbra de Canoas (vice-campeã)
2º Glória de Vacaria
3º Juventude de Caxias do Sul
Rebaixados do Gauchão para a Segundona: Santo Ângelo; Pelotas
Promovidos da Segundona para o Gauchão: Brasil de Pelotas (campeão); Farroupilha de Pelotas
* * *
Um 2010 cheio de carrinhos a todos. Saludos.
segunda-feira, 28 de dezembro de 2009
Perpétuo até o fim da semana (6): Roberto Mancini
O Manchester City é o Chelsea pálido. A história dos dois nesta década é parecida na essência: times de importância menor em suas respectivas cidades e de poucos títulos no cenário inglês, cada um foi convidado ao delírio das glórias infindas quando uns bilionários se COMPADECERAM (?) e resolveram encher os BARRIS dos clubes com essa pólvora a que se dá o nome de dinheiro. Os de Manchester começaram a ser recheados mais tardiamente, e é por isso que sua palidez em relação aos londrinos não se refere apenas ao tom de azul da camisa: também faltam resultados para que a equipe do interior repita o fenômeno do Chelsea, arrancado dos soporíferos meios de tabela para concorrer seriamente a todas as taças de cada temporada.
Mark Hughes, não o fundador da Herbalife, mas o galês homônimo que jogou bola e depois virou treinador, sentava-se na casamata do estádio City of Manchester para comandar os azuis desbotados nos dias em que a prata começou a correr nas calhas do clube. Mais precisamente, no início da temporada passada, segundo semestre de 2008. Trouxeram-lhe contratações estelares, plantaram na torcida esperanças, mas desde então o City não levou título algum. Chegou a flertar com o rebaixamento, e só acabou a Premier League 2008/09 num HONROSO décimo lugar. O Derby County, que parece sempre fazer menos que DEZ pontos cada vez que EXCURSIONA pela primeira divisão inglesa, se contentaria com a posição. O City de bolsos cheios, não.
Então demitiram Hughes. Não imediatamente. Deram-lhe mais meio ano para mostrar serviço antes de desferirem-lhe uns chutes na RETAGUARDA, uns dias atrás. A notável evolução do time, de orgulhar qualquer Ipswich Town numa das suas raras passagens pela elite, continuou insuficiente para os anseios de quem deveria brigar por enormidades: os azulados de Manchester são os meninos que menos perderam na atual temporada da Premiership, duas vezes em 18 encontros, e mesmo assim precisam superar escarpas, rochedos e arroios para achar um vulto de troféu no meio do fog – a equipe é só a sexta colocada, com dez pontos a menos que o líder... Chelsea. Empates demais, eis o drama.
Com a saída de Hughes, entrou o italiano Roberto Mancini. Mancini ainda precisa se provar como treinador. Ganhou por três clubes diferentes a Copa Itália, um torneio desvalorizado, e foi tricampeão italiano tendo nas mãos uma Internazionale muito superior a qualquer adversário na Bota. No momento da dificuldade real, os torneios contra FORÂNEOS, não foi capaz de produzir ilusões na torcida da Inter. Eliminações nas copas europeias acumularam-se sem que a conquista de uma delas pudesse ser realmente sentida de forma próxima. A necessidade de se mostrar forte coincide com o que os azuis de Manchester precisam fazer, mas é o passado enquanto jogador que verdadeiramente aproxima o perfil de Mancini das intenções do clube.
Enquanto atleta, o hoje treinador se acostumou a ganhar títulos por quem é tão pouco habituado a eles quanto o City. Mancini alinhava pela Sampdoria quando o clube conquistou o único Scudetto da sua história, em 1991, e disputou suas únicas finais continentais. Estava na equipe vice-campeã da Recopa Europeia de 1989, campeã do mesmo torneio em 1990, e vice da Copa dos Campeões de 1992. Após, Mancini repetiu o caminho atuando pela Lazio: também venceu um Scudetto, raro para o clube (em 2000, vinte e seis anos depois da então última taça da liga italiana ganha pela Lazio), e participou das únicas decisões internacionais disputadas pela agremiação até o presente dia – da Copa da UEFA em 1998 (vice), e da Recopa e Supercopa Europeias em 1999 (campeão de ambas).
O italiano estreou sábado e venceu. Do outro lado, apenas o Stoke City. Dois a zero para os de Manchester, sem anomalias ou dificuldades. Não foi pela vitória que Mancini marcou a semana. Nem por seu cachecol alviceleste, minuciosamente escolhido para homenagear o clube em cuja casamata debutava. Sábado, Roberto Mancini pode ter começado a fazer um dos maiores favores possíveis à Seleção Brasileira para a Copa do Mundo de 2010, sacando Robinho da equipe sem piedade diante do seu mau futebol. Robinho, esse moço dotado de uma técnica fora do comum, capaz de lances de real genialidade, mas que tem passado a maior parte do tempo alternando entre sumir das partidas e forçar a saída dos clubes que defende, apresentou-se no Manchester City um ano e meio atrás como o líder natural da revolução do time. Transformar-se-ia, com mesóclise, no melhor do mundo, vestindo aquela camisa.
Transformar-se-á não, meu filho. Deu vertigem a rapidez com que despencou o futebol de Robinho. O brasileiro já passou do estágio em que não faz diferença em campo: agora, prejudica o time com a sua presença. Erra passes, chutes, dribles. Tropeça na bola, isso quando a domina. Seguindo assim, ganhará a vida como peso para papel dentro de dois meses. Ao substituí-lo, Mancini deu um alerta ambíguo, que ALGUÉM precisa aproveitar – ou Robinho, que terá que jogar mais se quiser ter espaço no clube e no mundo, ou Dunga, que não pode mais convocar o atacante desse jeito. Tirando o ex-santista da equipe, o treinador italiano ainda provocou o momento mais risível da semana. Causou aplausos instantâneos de todo o estádio, que Robinho encarou como sendo palmas para si e agradeceu. Mas não havia bom futebol para saudar. E tampouco eram aplausos para apoiar alguém num mau dia.
As palmas eram o murmúrio aliviado pelo fim da ruindade vigente no gramado. Eram a espontaneidade de torcedores que reconheceram em Mancini um igual, outro enfarado dos erros de Robinho.
Mark Hughes, não o fundador da Herbalife, mas o galês homônimo que jogou bola e depois virou treinador, sentava-se na casamata do estádio City of Manchester para comandar os azuis desbotados nos dias em que a prata começou a correr nas calhas do clube. Mais precisamente, no início da temporada passada, segundo semestre de 2008. Trouxeram-lhe contratações estelares, plantaram na torcida esperanças, mas desde então o City não levou título algum. Chegou a flertar com o rebaixamento, e só acabou a Premier League 2008/09 num HONROSO décimo lugar. O Derby County, que parece sempre fazer menos que DEZ pontos cada vez que EXCURSIONA pela primeira divisão inglesa, se contentaria com a posição. O City de bolsos cheios, não.
Então demitiram Hughes. Não imediatamente. Deram-lhe mais meio ano para mostrar serviço antes de desferirem-lhe uns chutes na RETAGUARDA, uns dias atrás. A notável evolução do time, de orgulhar qualquer Ipswich Town numa das suas raras passagens pela elite, continuou insuficiente para os anseios de quem deveria brigar por enormidades: os azulados de Manchester são os meninos que menos perderam na atual temporada da Premiership, duas vezes em 18 encontros, e mesmo assim precisam superar escarpas, rochedos e arroios para achar um vulto de troféu no meio do fog – a equipe é só a sexta colocada, com dez pontos a menos que o líder... Chelsea. Empates demais, eis o drama.
Com a saída de Hughes, entrou o italiano Roberto Mancini. Mancini ainda precisa se provar como treinador. Ganhou por três clubes diferentes a Copa Itália, um torneio desvalorizado, e foi tricampeão italiano tendo nas mãos uma Internazionale muito superior a qualquer adversário na Bota. No momento da dificuldade real, os torneios contra FORÂNEOS, não foi capaz de produzir ilusões na torcida da Inter. Eliminações nas copas europeias acumularam-se sem que a conquista de uma delas pudesse ser realmente sentida de forma próxima. A necessidade de se mostrar forte coincide com o que os azuis de Manchester precisam fazer, mas é o passado enquanto jogador que verdadeiramente aproxima o perfil de Mancini das intenções do clube.
Enquanto atleta, o hoje treinador se acostumou a ganhar títulos por quem é tão pouco habituado a eles quanto o City. Mancini alinhava pela Sampdoria quando o clube conquistou o único Scudetto da sua história, em 1991, e disputou suas únicas finais continentais. Estava na equipe vice-campeã da Recopa Europeia de 1989, campeã do mesmo torneio em 1990, e vice da Copa dos Campeões de 1992. Após, Mancini repetiu o caminho atuando pela Lazio: também venceu um Scudetto, raro para o clube (em 2000, vinte e seis anos depois da então última taça da liga italiana ganha pela Lazio), e participou das únicas decisões internacionais disputadas pela agremiação até o presente dia – da Copa da UEFA em 1998 (vice), e da Recopa e Supercopa Europeias em 1999 (campeão de ambas).
O italiano estreou sábado e venceu. Do outro lado, apenas o Stoke City. Dois a zero para os de Manchester, sem anomalias ou dificuldades. Não foi pela vitória que Mancini marcou a semana. Nem por seu cachecol alviceleste, minuciosamente escolhido para homenagear o clube em cuja casamata debutava. Sábado, Roberto Mancini pode ter começado a fazer um dos maiores favores possíveis à Seleção Brasileira para a Copa do Mundo de 2010, sacando Robinho da equipe sem piedade diante do seu mau futebol. Robinho, esse moço dotado de uma técnica fora do comum, capaz de lances de real genialidade, mas que tem passado a maior parte do tempo alternando entre sumir das partidas e forçar a saída dos clubes que defende, apresentou-se no Manchester City um ano e meio atrás como o líder natural da revolução do time. Transformar-se-ia, com mesóclise, no melhor do mundo, vestindo aquela camisa.
Transformar-se-á não, meu filho. Deu vertigem a rapidez com que despencou o futebol de Robinho. O brasileiro já passou do estágio em que não faz diferença em campo: agora, prejudica o time com a sua presença. Erra passes, chutes, dribles. Tropeça na bola, isso quando a domina. Seguindo assim, ganhará a vida como peso para papel dentro de dois meses. Ao substituí-lo, Mancini deu um alerta ambíguo, que ALGUÉM precisa aproveitar – ou Robinho, que terá que jogar mais se quiser ter espaço no clube e no mundo, ou Dunga, que não pode mais convocar o atacante desse jeito. Tirando o ex-santista da equipe, o treinador italiano ainda provocou o momento mais risível da semana. Causou aplausos instantâneos de todo o estádio, que Robinho encarou como sendo palmas para si e agradeceu. Mas não havia bom futebol para saudar. E tampouco eram aplausos para apoiar alguém num mau dia.
As palmas eram o murmúrio aliviado pelo fim da ruindade vigente no gramado. Eram a espontaneidade de torcedores que reconheceram em Mancini um igual, outro enfarado dos erros de Robinho.
quinta-feira, 24 de dezembro de 2009
Fagulhas dezembrinas
Num bolicho na beira de uma estrada de terra, um menino duns onze anos tomava Coca-Cola no canudinho. Garrafa média, de vidro. Solito e entediado, mascava o plástico e se divertia em afinar os dutos inicialmente cilíndricos usando os dentes frontais de cima e de baixo.
Numa farmácia do centro da cidade, um Papai Noel de menos de trinta anos, barba branca postiça, empapava de suor as vestes rubras. Olhos escondidos atrás de óculos negros. Assustava as crianças com seu aspecto cansado, mas persistia em balançar um sino e oferecer-lhes balas.
Numa praia de mar achocolatado, meia dúzia de adolescentes revivia a infância na espuma. Corpos tostados de vento. Rolavam pelas ondas, iam das águas à areia, arranhados, queimados e felizes.
Numa avenida movimentada, um transeunte que acabara de se mudar se deliciava em descobrir os pormenores da nova paisagem. Faixas de segurança que não estão. Placas que avisam sobre o perigo de abrir buracos nas ruas, sob pena de explodir o quarteirão ao perfurar um cano de gás natural.
Num quarto do subúrbio, um jovem de dezessete anos revisava pela centésima nona vez na semana as fórmulas de circunferência. Quarto infernal, caldeira de Satã. Exausto, com as preocupações comprimindo-lhe o cérebro, maldizia outra vez o vestibular iminente.
Num improvável apartamento convertido em sala de aula, um professor de piano sessentão repassava metodicamente ao aluno as sequências da apresentação de Ano-Novo. Notas rabiscadas a lápis, ilegíveis. As mãos do aprendiz esmurravam o instrumento, incapazes de cumprir a partitura.
Numa loja do shopping, a tia retardatária procurava os melhores presentes pros sobrinhos e afilhados. Lista de compras escrita à mão, em longa bobina. Equilibrava duas sacolas gordas, uma caixa grande, três caixas pequenas, uma latinha de metal escovado. E a bobina.
Numa associação de bairro, cinco moços mal barbeados se indignavam com o sol inclemente e os ventiladores quebrados. Mentes ágeis, férteis. Planejavam montar uma dissidência em quinze minutos e atingir a primeira centena de apoiadores na hora seguinte.
Numa ruela vicinal, um funcionário de companhia elétrica com quase duas décadas de casa fazia uma inspeção de rotina nos fios. Chaves desligadas, lares às escuras. Virava o pulso a cada cinco minutos para conferir as horas que o separavam do fim do expediente, das férias e da praia.
Num carro que cruzava estradas sob chuva, um piazote de seis anos mirava as gotas espatifadas nas janelas. Precipitação VERANIEGA, rápida. Enquanto a água não evaporava, escolhia duas gotas a esmo e fazia delas bólidos imaginários a competir por um troféu.
Num aterro sanitário longe de tudo e todos, crianças mal vestidas catavam alimento no lixo. Resquícios orgânicos putrefeitos mais rapidamente pelo calor. Vasculhavam sacolas com indiferença e só mudavam de ânimo diante da chegada de novos caminhões.
Numa lan house mal iluminada, mal climatizada e mal equipada, um gordinho de óculos e vinte e cinco anos era explorado. Doze reais a hora, o único espaço com internet naquela maldita praia. Entrava no Tuíter para dizer que havia conseguido entrar no Tuíter.
Num supermercado desfalcado, uma dona de casa de trinta e pico anos acumulava no carrinho um chester, um tender e ia atrás de espumantes. Gôndolas esvaziadas, estoques sumidos. Chegava ao ponto em que a pessoa se contenta até com cidra.
Numa escola que adiou aulas pela gripe suína, um estudante de quinze brigava com a prova de inglês que afastava a liberdade do verão. Verbo to be era o quê mesmo? Marcava ‘A’ em todas as questões objetivas e cogitava entregar a avaliação pela metade. Azar se ficasse em dependência.
Num balcão de bar, uns homens dividiam as atenções entre a tevê e os copos. A cerveja que tomavam, apesar de ser horário comercial em meio de semana, ou o futebol que viam, apesar de mal termos passado das cinco da tarde de uma terça-feira.
Num estádio de Porto Alegre, uns milhares de torcedores acompanhavam ao vivo a final de campeonato a que aqueles homens assistiam pela tevê e que não parecia interessar muito o resto do povo.
Haviam esperado até meia hora antes da partida para começar a entrar no recinto, porque a Brigada se atrasou.
Nesse estádio, Grêmio e Atlético Mineiro disputaram o título brasileiro sub-20.
Um certo Alex marcou o gol do 1 a 0 e do título, mas depois fraquejou tantas vezes que saiu de campo vaiado e sob gritos de “bicha! bicha!”.
Um goleiro cujo nome muitos ainda estão aprendendo a escrever, Busatto, foi eleito o melhor jogador dum torneio que deveria revelar craques da linha.
Um capitão de Seleção Brasileira, Lúcio, esteve presente para entregar medalhas aos guris (e ser nomeado Embaixador de Porto Alegre para a Copa de 2014).
Um troféu de bicampeonato do Grêmio foi erguido por Saimon, o honrado capitão azul, negro e branco, que um dia torceu pelo Inter.
E todos aplaudiram.
Nesse estádio, o Passo d’Areia do São José, terminou o 2009 do futebol brasileiro. Em dezembro, e não nos primeiros meses do ano seguinte - um avanço de organização concretizado nesta década, a qual também se acabou.
Numa farmácia do centro da cidade, um Papai Noel de menos de trinta anos, barba branca postiça, empapava de suor as vestes rubras. Olhos escondidos atrás de óculos negros. Assustava as crianças com seu aspecto cansado, mas persistia em balançar um sino e oferecer-lhes balas.
Numa praia de mar achocolatado, meia dúzia de adolescentes revivia a infância na espuma. Corpos tostados de vento. Rolavam pelas ondas, iam das águas à areia, arranhados, queimados e felizes.
Numa avenida movimentada, um transeunte que acabara de se mudar se deliciava em descobrir os pormenores da nova paisagem. Faixas de segurança que não estão. Placas que avisam sobre o perigo de abrir buracos nas ruas, sob pena de explodir o quarteirão ao perfurar um cano de gás natural.
Num quarto do subúrbio, um jovem de dezessete anos revisava pela centésima nona vez na semana as fórmulas de circunferência. Quarto infernal, caldeira de Satã. Exausto, com as preocupações comprimindo-lhe o cérebro, maldizia outra vez o vestibular iminente.
Num improvável apartamento convertido em sala de aula, um professor de piano sessentão repassava metodicamente ao aluno as sequências da apresentação de Ano-Novo. Notas rabiscadas a lápis, ilegíveis. As mãos do aprendiz esmurravam o instrumento, incapazes de cumprir a partitura.
Numa loja do shopping, a tia retardatária procurava os melhores presentes pros sobrinhos e afilhados. Lista de compras escrita à mão, em longa bobina. Equilibrava duas sacolas gordas, uma caixa grande, três caixas pequenas, uma latinha de metal escovado. E a bobina.
Numa associação de bairro, cinco moços mal barbeados se indignavam com o sol inclemente e os ventiladores quebrados. Mentes ágeis, férteis. Planejavam montar uma dissidência em quinze minutos e atingir a primeira centena de apoiadores na hora seguinte.
Numa ruela vicinal, um funcionário de companhia elétrica com quase duas décadas de casa fazia uma inspeção de rotina nos fios. Chaves desligadas, lares às escuras. Virava o pulso a cada cinco minutos para conferir as horas que o separavam do fim do expediente, das férias e da praia.
Num carro que cruzava estradas sob chuva, um piazote de seis anos mirava as gotas espatifadas nas janelas. Precipitação VERANIEGA, rápida. Enquanto a água não evaporava, escolhia duas gotas a esmo e fazia delas bólidos imaginários a competir por um troféu.
Num aterro sanitário longe de tudo e todos, crianças mal vestidas catavam alimento no lixo. Resquícios orgânicos putrefeitos mais rapidamente pelo calor. Vasculhavam sacolas com indiferença e só mudavam de ânimo diante da chegada de novos caminhões.
Numa lan house mal iluminada, mal climatizada e mal equipada, um gordinho de óculos e vinte e cinco anos era explorado. Doze reais a hora, o único espaço com internet naquela maldita praia. Entrava no Tuíter para dizer que havia conseguido entrar no Tuíter.
Num supermercado desfalcado, uma dona de casa de trinta e pico anos acumulava no carrinho um chester, um tender e ia atrás de espumantes. Gôndolas esvaziadas, estoques sumidos. Chegava ao ponto em que a pessoa se contenta até com cidra.
Numa escola que adiou aulas pela gripe suína, um estudante de quinze brigava com a prova de inglês que afastava a liberdade do verão. Verbo to be era o quê mesmo? Marcava ‘A’ em todas as questões objetivas e cogitava entregar a avaliação pela metade. Azar se ficasse em dependência.
Num balcão de bar, uns homens dividiam as atenções entre a tevê e os copos. A cerveja que tomavam, apesar de ser horário comercial em meio de semana, ou o futebol que viam, apesar de mal termos passado das cinco da tarde de uma terça-feira.
Num estádio de Porto Alegre, uns milhares de torcedores acompanhavam ao vivo a final de campeonato a que aqueles homens assistiam pela tevê e que não parecia interessar muito o resto do povo.
Haviam esperado até meia hora antes da partida para começar a entrar no recinto, porque a Brigada se atrasou.
Nesse estádio, Grêmio e Atlético Mineiro disputaram o título brasileiro sub-20.
Um certo Alex marcou o gol do 1 a 0 e do título, mas depois fraquejou tantas vezes que saiu de campo vaiado e sob gritos de “bicha! bicha!”.
Um goleiro cujo nome muitos ainda estão aprendendo a escrever, Busatto, foi eleito o melhor jogador dum torneio que deveria revelar craques da linha.
Um capitão de Seleção Brasileira, Lúcio, esteve presente para entregar medalhas aos guris (e ser nomeado Embaixador de Porto Alegre para a Copa de 2014).
Um troféu de bicampeonato do Grêmio foi erguido por Saimon, o honrado capitão azul, negro e branco, que um dia torceu pelo Inter.
E todos aplaudiram.
Nesse estádio, o Passo d’Areia do São José, terminou o 2009 do futebol brasileiro. Em dezembro, e não nos primeiros meses do ano seguinte - um avanço de organização concretizado nesta década, a qual também se acabou.
Fotos minhas. Atraso por culpa de problemas com a CONEXÃO ao MUNDO.
terça-feira, 22 de dezembro de 2009
“Quantos ovos tu tens?” – A história da raça
Tudo começou com uma explosão. Aí vieram os quarks, os átomos e a poeira cósmica. Surgiram moléculas e sóis. E planetas. Havia água num desses planetas, parece. Então apareceram umas coisas flutuantes, umas amebas. Daquela grande sopa de cinzas, seres unicelulares e lava, foram aparecendo coisas cada vez maiores, até que a natureza cansou da megalomania, dizimou toda uma linhagem de répteis e resolveu parar com as obras faraônicas. Criaturas menores voltaram a ter vez. Quadrúpedes. Bípedes. Embrulhos de penas com asas nas pontas. Numa manhã chuvosa, entre samambaias e serpentes, brotaram os primeiros ovos dos primeiros humanos.
Qual as amebas primordiais, eles se apoderaram de cada canto do mundo - onde pudessem encontrar terra, formigas, pasto ou qualquer coisa minimamente atrativa para o estômago. Uns ficaram na África. Outros caminharam na direção da Ásia. Daqueles que suportaram o frio, parte cruzou o gelo e foi parar na estranha América do Norte. Os demais se contentaram em ocupar a península europeia. Também havia os mais ardilosos, capazes de montar botes feitos com CASCAS DE NOZ e oferecer aos desafetos, apontando para o mar e grunhindo que lá se encontrariam palmitos sem fim. Quem sobreviveu não voltou com palmeiras nem coqueiros, mas povoou as ilhotas salpicadas no Oceano Pacífico.
Os pioneiros norte-americanos, por sua vez, vieram baixando. Empurrados pelo tédio, pelas ABELHAS e por uma inquietude que lhes dizia que haviam perdido alguma coisa (um resquício inscrito nos genes e manifestado cada vez que o homem contemporâneo médio refaz um caminho na certeza de que esqueceu algo), eles desceram no mapa ainda não desenhado. Fizeram umas badernas na finura centro-americana, expurgaram meia dúzia para o Caribe, e continuaram a viagem até a América do Sul. O passar das eras mudou cores de peles, formatos de olhos, criou ideologias e culturas distintas, mas em todos os cantos as guerras estouravam e eram concluídas com a vitória dos mais aptos a lutar, forçar os músculos e arrancar suor do fundo das entranhas, nem que para isso fossem abertas as artérias e viessem junto uns LITROS de sangue.
Milhões de anos depois, a humanidade inventou o esporte. Que nada mais é do que a barbárie civilizada. O esporte, o futebol, não podem ter a pretensão de serem nobres. Podem ter momentos de beleza, mas jamais serão artísticos. Mesmo o drible mais bailarino foi parido para buscar o gol – e o gol rende a vitória na guerra travada dentro de cada cancha. Se o lance não foi pensado nesse intuito, é válido desferir machadadas no pescoço alheio, tesourear as pernas adversárias e cravar forcados nas costas de quem se fresqueia. E se foi, também é válido, porque os defensores contribuem para o triunfo ao evitar que a busca inimiga pelo gol FLORESÇA. Chama-se raça. Cruzando a fronteira, chama-se huevo.
“Huevo!”, ribombava pelas esquinas do ginásio santa-mariense cada vez que o time vestido de celeste se reunia no seu pedaço de quadra. Não eram espartanos invadindo a Região Central do Rio Grande. Eram dois paulistas, um deles de ascendência africana e com passagens pelo ACRE, um italiano de Campinas do Sul, um bagual do Alegrete, um dito uruguaio de Tacuarembó que é desmentido por certidões que apontam Santa Maria como a cidade natal, um ibirubense desgarrado e um francês de nascimento, que prefere a Espanha mas tem certeza que é gaúcho e ijuiense. Era um time de nome estranho, exposto a uma situação crítica e compensando na alma o que as pernas não conseguiam fazer. Era o Coió FC, que apesar das muitas alternativas só tinha, na realidade, cinco atletas em condições de jogo.
No primeiro dia, Mathias Rodrigues (goleiro), Luiz Valério Seles, Guilherme Porto, Yuri Lima e Maurício Brum. No segundo, um Porto de pernas destruídas perigou deixar a equipe com dez (ou QUATRO, já que era salão), mas o campinense Gabriel Eduardo Bortulini tomou o primeiro BONDE desde a longínqua Rivera onde estava e conseguiu completar a escalação. Ainda assim, tratava-se do único time sem reservas na segunda edição de 2009 (Clausura) do Torneio Aberto Misto Para Alunos da Comunicação Social, o TAMPACS. Por isso, huevo. Ou variações pleonásticas como cojones e bagos. O Coió tinha um goleiro que vestia óculos e touca de mergulho, um capitão que trajou SUSPENSÓRIOS na estreia e até um vivente de GUAIACA e lenço.
O time entrava em quadra unido, de mãos dadas como a Seleção Brasileira de 1994 (a mais pragmática de todas as Seleções Brasileiras), e saudava as arquibancadas tomadas de aficionadas e adversários. Depois, ia para o outro lado da cancha e repetia o gesto para os degraus vazios, em honra aos ESPÍRITOS. Aquecia com uma bola de futebol americano, tentando encaçapá-la na cesta de basquete. O público sentiu que ali estava uma equipe destemida e os neutros passaram a vibrar pela camisa celeste-grafitada – adquirida num desespero para se ter fardamentos iguais e baratos, ainda no tempo do Apertura, e numerada a CANETA. O Coió tornou-se um Ameriquinha do Rio ou um Nacional Querido do Paraguai, ganhando um espaço secundário nos corações de todo um povo.
Por aquele punhado de jogos, a equipe precisou deixar de lado cervejas, cigarros e moças vestidas de colegial. E pelejou com a gana de quem conhece o quanto foi MARTIRIZADA para estar ali. Meu gol no segundo jogo teve a essência do persistir. Uma pelota brigada do início ao fim, o arqueiro (embriagado) espalmando sempre, eu caído, cabeceando, chutando no travessão, pegando a sobra, acertando o zagueiro, e pateando o novo rebote para as redes, com um defensor desesperado atirando-se para tentar salvar o gol COM A MÃO. Plasticamente, o tento mais feio possível. Animicamente, o melhor da história dos esportes com bola e goleiras. Todas as pelotas não dominadas, os passes errados, os carrinhos não dados e as derrotas, foram redimidas naquele gol.
O Coió estreou contra o tricampeão do TAMPACS, o São Caetano Peruzzolo, e caiu por 2 a 1 com muito huevo. Na segunda rodada, uma arbitragem que concedeu três gols irregulares ao Galo Cinza do Topete Vermelho ocasionou a imoralidade de um despudorado 7 a 4 a favor da equipe FASIANÍDEA. O ressurgimento do Coió veio com o triunfo por 2 a 0 sobre os Tigrinhos Cor-de-Rosa, e a classificação foi encaminhada metendo 4 a 2 no Tilápia, o maior rival do clube. Figurava em terceiro lugar e na zona de classificação, o Coió, ao término da quarta jornada do hexagonal. A raça, a garra e a pancadaria não faltavam nos jogos, mas os árbitros, que tanto prejudicavam, insistiam em tirar parte da glória daquele time: não davam cartões ao Coió.
Assim, que, depois de quatro partidas, éramos os mais disciplinados da competição. O único time sem ver a cor amarelada ou avermelhada das cartolinas. Iuri “Fossati” Müller, outrora centroavante rompedor, mas que ultimamente só andou rompendo os ligamentos do joelho e se tornou diretor técnico da equipe, indignou-se. Para a última rodada, quando o Coió não podia mais subir de posição e só precisava de um empate para garantir o terceiro lugar, exigiu violência mais convincente. Algo que COMOVESSE os árbitros e fizesse ecoar pelo ginásio inteiro o ruído de dentes inimigos rangendo em desespero e ossos quebrando sem piedade.
Por todos os deuses do futebol, uma carnificina daquelas entraria em qualquer vídeo dos tempos mais violentos da Libertadores e não passaria vergonha. Os representantes do laranja-e-negro Sobrinhos da Tia Carmen se esborrachavam pelo piso do terreno de jogo como tomates maduros, e ali permaneciam por longos segundos. Bater tornou-se algo tão normal que eu nem lembro de certas faltas que milhões de testemunhas atribuem a mim. O que lembro, isso sim, é de um carrinho dado para salvar uma bola sobre a linha, depois de todo o time ter sido batido. Prendemos a bola, agarramos o regulamento sob o braço, lemos bem e não corremos riscos. Quadros copeiros sabem a hora de não atacar. Seguramos o zero a zero e evitamos jogar a primeira das semifinais – partida imediatamente seguinte àquela, cuja disputa MATARIA de cansaço qualquer coió.
A preparação para a eliminatória não houve. Faltavam pernas, brônquios e neurônios para ilusionar qualquer coisa. Huevo, porém, continuava existindo. E foi pelos colhões, e nada mais, que se entrou em quadra para última partida. O jogo da vida, o mais importante da história do time e a garantia de medalha – pois só o vice e o campeão eram premiados. A final não importava. Chegar cansados e sem condições de correr não trazia motivos para preocupações, desde que o primeiro verbo tivesse razão de existir: chegar. Puxar tudo o que restava, arrebentar as juntas que ainda estavam inteiras e estourar os músculos que permaneciam se sustentando na posição correta. Esta era a TÁTICA.
“Quantos ovos tu tens?”, perguntou o Fossati do Coió, vestindo uma remera do Peñarol, para cada um dos atletas. E de cada um dos atletas ouvia: “dois”. “E quantas chuteiras tu estás usando?”, continuou o treinador. “Duas”, era a resposta, pois mesmo sendo futsal os SAPATOS são usados para chutar. “Então”, concluía o comandante, “é um ovo em cada chuteira, e vamos ganhar esse jogo”. O oponente do mata-mata foi o mesmo Galo Cinza da goleada roubada da primeira fase. Yuri Lima, artilheiro do Coió, que marcou gols em todas as partidas do time com exceção do 0 a 0, pôs os celestes-grafitados na frente no primeiro tempo. A face da Terra jamais viu comemoração semelhante.
O campeonato e o jogo deviam ter acabado ali. Com o açúcar das grandes façanhas a adoçar-nos os lábios. Infelizmente, havia mais. O esforço pesou e a ausência de suplentes berrou. Ao fim do confronto, o Galo Cinza teria remontado para 4 a 1 – o time gris acabaria campeão do certame, com OBSCENOS quase-quarenta-gols em sete partidas. O raçudo Coió ficou em terceiro. Não houve medalha, mas também não existiu decepção: fizemos o máximo. O homem, desde que era uma ameba, tem um limite. Atingi-lo é chegar ao topo das possibilidades, e cair deixando tudo em cada disputa não é vergonhoso. Perguntem para o Verón ou para qualquer jogador do Estudiantes de La Plata. Eles saberão explicar.
Qual as amebas primordiais, eles se apoderaram de cada canto do mundo - onde pudessem encontrar terra, formigas, pasto ou qualquer coisa minimamente atrativa para o estômago. Uns ficaram na África. Outros caminharam na direção da Ásia. Daqueles que suportaram o frio, parte cruzou o gelo e foi parar na estranha América do Norte. Os demais se contentaram em ocupar a península europeia. Também havia os mais ardilosos, capazes de montar botes feitos com CASCAS DE NOZ e oferecer aos desafetos, apontando para o mar e grunhindo que lá se encontrariam palmitos sem fim. Quem sobreviveu não voltou com palmeiras nem coqueiros, mas povoou as ilhotas salpicadas no Oceano Pacífico.
Os pioneiros norte-americanos, por sua vez, vieram baixando. Empurrados pelo tédio, pelas ABELHAS e por uma inquietude que lhes dizia que haviam perdido alguma coisa (um resquício inscrito nos genes e manifestado cada vez que o homem contemporâneo médio refaz um caminho na certeza de que esqueceu algo), eles desceram no mapa ainda não desenhado. Fizeram umas badernas na finura centro-americana, expurgaram meia dúzia para o Caribe, e continuaram a viagem até a América do Sul. O passar das eras mudou cores de peles, formatos de olhos, criou ideologias e culturas distintas, mas em todos os cantos as guerras estouravam e eram concluídas com a vitória dos mais aptos a lutar, forçar os músculos e arrancar suor do fundo das entranhas, nem que para isso fossem abertas as artérias e viessem junto uns LITROS de sangue.
Milhões de anos depois, a humanidade inventou o esporte. Que nada mais é do que a barbárie civilizada. O esporte, o futebol, não podem ter a pretensão de serem nobres. Podem ter momentos de beleza, mas jamais serão artísticos. Mesmo o drible mais bailarino foi parido para buscar o gol – e o gol rende a vitória na guerra travada dentro de cada cancha. Se o lance não foi pensado nesse intuito, é válido desferir machadadas no pescoço alheio, tesourear as pernas adversárias e cravar forcados nas costas de quem se fresqueia. E se foi, também é válido, porque os defensores contribuem para o triunfo ao evitar que a busca inimiga pelo gol FLORESÇA. Chama-se raça. Cruzando a fronteira, chama-se huevo.
“Huevo!”, ribombava pelas esquinas do ginásio santa-mariense cada vez que o time vestido de celeste se reunia no seu pedaço de quadra. Não eram espartanos invadindo a Região Central do Rio Grande. Eram dois paulistas, um deles de ascendência africana e com passagens pelo ACRE, um italiano de Campinas do Sul, um bagual do Alegrete, um dito uruguaio de Tacuarembó que é desmentido por certidões que apontam Santa Maria como a cidade natal, um ibirubense desgarrado e um francês de nascimento, que prefere a Espanha mas tem certeza que é gaúcho e ijuiense. Era um time de nome estranho, exposto a uma situação crítica e compensando na alma o que as pernas não conseguiam fazer. Era o Coió FC, que apesar das muitas alternativas só tinha, na realidade, cinco atletas em condições de jogo.
No primeiro dia, Mathias Rodrigues (goleiro), Luiz Valério Seles, Guilherme Porto, Yuri Lima e Maurício Brum. No segundo, um Porto de pernas destruídas perigou deixar a equipe com dez (ou QUATRO, já que era salão), mas o campinense Gabriel Eduardo Bortulini tomou o primeiro BONDE desde a longínqua Rivera onde estava e conseguiu completar a escalação. Ainda assim, tratava-se do único time sem reservas na segunda edição de 2009 (Clausura) do Torneio Aberto Misto Para Alunos da Comunicação Social, o TAMPACS. Por isso, huevo. Ou variações pleonásticas como cojones e bagos. O Coió tinha um goleiro que vestia óculos e touca de mergulho, um capitão que trajou SUSPENSÓRIOS na estreia e até um vivente de GUAIACA e lenço.
O time entrava em quadra unido, de mãos dadas como a Seleção Brasileira de 1994 (a mais pragmática de todas as Seleções Brasileiras), e saudava as arquibancadas tomadas de aficionadas e adversários. Depois, ia para o outro lado da cancha e repetia o gesto para os degraus vazios, em honra aos ESPÍRITOS. Aquecia com uma bola de futebol americano, tentando encaçapá-la na cesta de basquete. O público sentiu que ali estava uma equipe destemida e os neutros passaram a vibrar pela camisa celeste-grafitada – adquirida num desespero para se ter fardamentos iguais e baratos, ainda no tempo do Apertura, e numerada a CANETA. O Coió tornou-se um Ameriquinha do Rio ou um Nacional Querido do Paraguai, ganhando um espaço secundário nos corações de todo um povo.
Por aquele punhado de jogos, a equipe precisou deixar de lado cervejas, cigarros e moças vestidas de colegial. E pelejou com a gana de quem conhece o quanto foi MARTIRIZADA para estar ali. Meu gol no segundo jogo teve a essência do persistir. Uma pelota brigada do início ao fim, o arqueiro (embriagado) espalmando sempre, eu caído, cabeceando, chutando no travessão, pegando a sobra, acertando o zagueiro, e pateando o novo rebote para as redes, com um defensor desesperado atirando-se para tentar salvar o gol COM A MÃO. Plasticamente, o tento mais feio possível. Animicamente, o melhor da história dos esportes com bola e goleiras. Todas as pelotas não dominadas, os passes errados, os carrinhos não dados e as derrotas, foram redimidas naquele gol.
O Coió estreou contra o tricampeão do TAMPACS, o São Caetano Peruzzolo, e caiu por 2 a 1 com muito huevo. Na segunda rodada, uma arbitragem que concedeu três gols irregulares ao Galo Cinza do Topete Vermelho ocasionou a imoralidade de um despudorado 7 a 4 a favor da equipe FASIANÍDEA. O ressurgimento do Coió veio com o triunfo por 2 a 0 sobre os Tigrinhos Cor-de-Rosa, e a classificação foi encaminhada metendo 4 a 2 no Tilápia, o maior rival do clube. Figurava em terceiro lugar e na zona de classificação, o Coió, ao término da quarta jornada do hexagonal. A raça, a garra e a pancadaria não faltavam nos jogos, mas os árbitros, que tanto prejudicavam, insistiam em tirar parte da glória daquele time: não davam cartões ao Coió.
Assim, que, depois de quatro partidas, éramos os mais disciplinados da competição. O único time sem ver a cor amarelada ou avermelhada das cartolinas. Iuri “Fossati” Müller, outrora centroavante rompedor, mas que ultimamente só andou rompendo os ligamentos do joelho e se tornou diretor técnico da equipe, indignou-se. Para a última rodada, quando o Coió não podia mais subir de posição e só precisava de um empate para garantir o terceiro lugar, exigiu violência mais convincente. Algo que COMOVESSE os árbitros e fizesse ecoar pelo ginásio inteiro o ruído de dentes inimigos rangendo em desespero e ossos quebrando sem piedade.
Por todos os deuses do futebol, uma carnificina daquelas entraria em qualquer vídeo dos tempos mais violentos da Libertadores e não passaria vergonha. Os representantes do laranja-e-negro Sobrinhos da Tia Carmen se esborrachavam pelo piso do terreno de jogo como tomates maduros, e ali permaneciam por longos segundos. Bater tornou-se algo tão normal que eu nem lembro de certas faltas que milhões de testemunhas atribuem a mim. O que lembro, isso sim, é de um carrinho dado para salvar uma bola sobre a linha, depois de todo o time ter sido batido. Prendemos a bola, agarramos o regulamento sob o braço, lemos bem e não corremos riscos. Quadros copeiros sabem a hora de não atacar. Seguramos o zero a zero e evitamos jogar a primeira das semifinais – partida imediatamente seguinte àquela, cuja disputa MATARIA de cansaço qualquer coió.
A preparação para a eliminatória não houve. Faltavam pernas, brônquios e neurônios para ilusionar qualquer coisa. Huevo, porém, continuava existindo. E foi pelos colhões, e nada mais, que se entrou em quadra para última partida. O jogo da vida, o mais importante da história do time e a garantia de medalha – pois só o vice e o campeão eram premiados. A final não importava. Chegar cansados e sem condições de correr não trazia motivos para preocupações, desde que o primeiro verbo tivesse razão de existir: chegar. Puxar tudo o que restava, arrebentar as juntas que ainda estavam inteiras e estourar os músculos que permaneciam se sustentando na posição correta. Esta era a TÁTICA.
“Quantos ovos tu tens?”, perguntou o Fossati do Coió, vestindo uma remera do Peñarol, para cada um dos atletas. E de cada um dos atletas ouvia: “dois”. “E quantas chuteiras tu estás usando?”, continuou o treinador. “Duas”, era a resposta, pois mesmo sendo futsal os SAPATOS são usados para chutar. “Então”, concluía o comandante, “é um ovo em cada chuteira, e vamos ganhar esse jogo”. O oponente do mata-mata foi o mesmo Galo Cinza da goleada roubada da primeira fase. Yuri Lima, artilheiro do Coió, que marcou gols em todas as partidas do time com exceção do 0 a 0, pôs os celestes-grafitados na frente no primeiro tempo. A face da Terra jamais viu comemoração semelhante.
O campeonato e o jogo deviam ter acabado ali. Com o açúcar das grandes façanhas a adoçar-nos os lábios. Infelizmente, havia mais. O esforço pesou e a ausência de suplentes berrou. Ao fim do confronto, o Galo Cinza teria remontado para 4 a 1 – o time gris acabaria campeão do certame, com OBSCENOS quase-quarenta-gols em sete partidas. O raçudo Coió ficou em terceiro. Não houve medalha, mas também não existiu decepção: fizemos o máximo. O homem, desde que era uma ameba, tem um limite. Atingi-lo é chegar ao topo das possibilidades, e cair deixando tudo em cada disputa não é vergonhoso. Perguntem para o Verón ou para qualquer jogador do Estudiantes de La Plata. Eles saberão explicar.
* * *
A propósito, esta semana não vai ter nenhum “perpétuo” eleito. Fica como homenagem ao Coió FC e suas glórias do fim de semana, ao estilo Prêmio Nobel da Paz depois da morte de Mahatma Gandhi.
Fotos por Gabriela Moraes e Anelise Dias.
domingo, 20 de dezembro de 2009
Desde o campo, os pênaltis
Antes de começar o jogo de sexta, o Grêmio já havia ganho um troféu. A Taça Cidade de Santa Maria, atribuída aos tricolores por terem vencido o grupo disputado na cidade, válido pela primeira fase do Brasileirão Sub-20. Daqueles prêmios cuja existência será facilmente esquecida se, no ano que vem, vier para a Boca do Monte um Atlético Goianiense da vida e ele acabar campeão do grupo. A verdadeira taça que os juniores gremistas anseiam é a do próprio campeonato. Defendendo o título, o Grêmio enfrenta o Inter neste domingo para tentar chegar à final. Só sobreviveu até aí porque, na sexta-feira, bateu o Coritiba por 4 a 2 nos pênaltis, depois de um 0 a 0. Um bom celular no bolso e a presença em campo me garantiram uma filmagem exclusiva (?) da série de penalidades, desde a RELVA:
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
Avaí malvado elimina todos e... cai
Os torcedores mais desprevenidos precisavam recorrer às mercearias nos arredores da Baixada Melancólica. Um brinquedo ou um quilo de alimento não perecível, este era o preço para ingressar nas dependências do estádio do Interzinho e VISLUMBRAR a última rodada do grupo de Santa Maria na primeira fase do Brasileirão Sub-20. Para começar, Avaí e Santos. A seguir, embate entre os Atléticos do Paraná e de Minas. Com o Grêmio folgando e garantido em primeiro lugar, todos os outros chegaram ao fim com chances de ocupar o segundo posto.
Sem querer entrar em campo como membros da IMPRENSA, tentamos oferecer dinheiro para subir às cadeiras do Presidente Vargas – “vocês podem comprar os alimentos com cinco reais” –, mas não deu muito certo. Perdidos por aquelas bandas, ouvimos de um cidadão que carregava um SALAME que o mercadinho tal vendia coisas na esquina de cima, e por menos do que os cinco reais inicialmente oferecidos retornamos com dois sacos de arroz. A comida foi saudada pelos fiscais da entrada com o mesmo entusiasmo com que a partida transcorria até ali: “joga aí num canto e entra no setor que quiser”.
Em cima do gramado seco e repleto de buracos preenchidos por areia, desenrolava-se um zero a zero irritante como as moças que não são satisfeitas no leito. A cancha quase vazia, com as gerais fechadas por conta da falta de COMOÇÃO pública pela partida, soltava bocejos intermitentes. O desértico dos degraus das arquibancadas era o desértico da qualidade apresentada. Beirava o inexplicável que o Avaí tivesse somado quatro pontos antes daquilo. E que o Santos, mesmo jogando melhor, tivesse chegado à rodada final atrás dos catarinenses, com um ponto a menos.
A superioridade desvaneceu os litorâneos paulistas e fez com que todos se esquecessem que o Peixe havia feito campanha de lanterna nos três confrontos anteriores. Já além da meia hora do primeiro tempo, o gol marcado pelo Santos foi encarado como normal. Um bom chute cruzado e uma comemoração pouquíssimo acalorada, de quem não faz mais que a obrigação. O tento não modificou o TRANSE no qual estavam imersos os vinte e dois atletas. Todos os minutos seguintes do primeiro tempo, e os iniciais do segundo, foram como os minutos que vêm logo que o ETANOL começa a diluir o sangue nas veias. Lerdos e amolecidos, assim permaneceram os dois times.
É certo que nasceu de alguma mente mais espirituosa aquela entrada de TRÊS cuscos ao mesmo tempo no terreno de jogo. Não só entraram e seguiram caminhando juntos como ainda proporcionaram uma briga entre si, de dar inveja a qualquer desentendimento desses que têm sido COMUNS ao final das partidas do Brasileirão Sub-20. Mordiam-se e arranhavam-se, os cães. Ganharam os mais eloquentes festejos do pavilhão, e evidenciaram o completo estado de alienação dos atletas em campo. Enquanto a partida esteve interrompida para esperar que os cachorros deixassem o gramado voluntariamente – e o termo é esse, porque ninguém se dignou a retirá-los –, os jogadores ficaram estáticos, indiferentes e com os olhos vidrados em qualquer coisa menos o que estivesse em campo.
Para o Avaí, que precisava recuperar o escore e conquistar uma virada para permanecer ilusionando a passagem de fase, tudo se punha assustadoramente mais complicado pela ausência de um matador. O centroavante Cristian, um camisa 9 sem jeito para o número, avançava aos TROPICÕES e alguma vez atingiu o extremo de pisar na bola e cair sozinho – dentro da grande área santista. Como o futebol é um esporte para quebrar os especialistas, o gol de empate veio com o homem que só errava. Aos 78 minutos, teria sido de Cristian o pelotaço que assinalou o 1 a 1. Ou o sujeito que estava sentado ao nosso lado nos sacaneou após ouvir tantas críticas ao futebol do guri. Porque o gol, o lance e a conclusão, não vimos.
Estávamos distraídos observando a chegada dos atleticanos no estádio, para a segunda partida da rodada dupla. O Atlético Mineiro veio primeiro, e começou o seu aquecimento ao lado da goleira à esquerda das cabines da imprensa, onde a meta catarinense era defendida no segundo tempo. Os paranaenses chegaram depois e fizeram os trabalhos do outro lado. Para ambos, o empate entre Santos e Avaí tinha a DOÇURA de umas TANGERINAS, matando os paulistas e catarinenses abraçados e decretando que o vencedor dos atléticos passaria às quartas-de-final. Com a absoluta falta de raça que só chegou a um gol pela ausência de futebol avaiano no primeiro tempo, o Santos mostrou-se incapaz de buscar um novo balanço das redes.
Os oponentes, ao contrário, se vieram. Se antes a metafórica bebedeira impedia gestos mais BRUSCOS, agora eram os minutos posteriores àqueles em que o álcool desce, quando começam os devaneios etílicos e o cidadão é capaz de realizar mais do que nos momentos de SANIDADE. A parte decisiva do encontro transcorreu sob um vento de tormenta que contorcia as trajetórias dos chutes e fazia todas as pelotas lançadas ao ar retornarem contra a meta do Avaí. Contra o vento, o Santos, o juiz e com CINCO em campo, os avaianos foram lá e viraram. Tá, a parte do juiz e dos cinco em campo não chegou a se concretizar, mas eles contarão para os netos desse jeito. Nem o paredão de AR trancou as investidas do time de Florianópolis, que cercou o gol inimigo de forma tão preocupante que a bola não mais passou do meio de campo.
Aos quarenta e oito e meio do segundo tempo, uma dessas cruzadas à área do Santos encontrou uma cabeça – ou um OMBRO – e fez pouco dos sopros atmosféricos que insistiam em ir para a outra direção. Com míseros trinta segundos de resquício de tempo para a batalha, Jean ombrou a bola e virou a partida para os catarinenses. 2 a 1. Entrevistado por uma rádio como “torcedor neutro” (embora vestisse uma camisa da Chapecoense, num claro desagravo ao São Luiz, que os enfrentaria naquela noite), o Iuri disse torcer para o Avaí por se tratar de um time que não fazia mal a ninguém. Fez ao Santos. E ao Atlético Paranaense.
A remontada do Avaí, além de colocá-lo fortíssimo na disputa pela segunda vaga do grupo e eliminar o Santos, ainda acabava por tabela com as chances do Furacão: os avaianos escalavam até o sétimo ponto, e os paranaenses só podiam subir a seis, caso vencessem. O único que poderia superar os azuis e brancos da Ressacada era o Galo, e para isso precisava triunfar. Os jogadores do quadro curitibano estavam ao lado daquelas traves, observando de muito perto como suas esperanças viraram FARELO. Todo o aquecimento que ainda faziam virava subitamente uma formalidade para um duelo inútil. Só de raiva (?), perderam o jogo seguinte por 2 a 0 e eliminaram de volta o Avaí.
Fotos minhas e do Iuri Müller.
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
Perpétuo até o fim da semana (5): Mário Jardel
Muito do que havia para ser dito já se disse. Muito do que havia para se escrever já se escreveu. A festa do gremismo, sábado. A última entrada e a última saída de Danrlei no campo do Olímpico. O reencontro de heróis de antanho, e o duelo destes com os que tentam ganhar algum apreço hoje – ou a junção de ambos, com a aparição de Victor, Douglas Costa e Souza nas equipes de cada lado. Mazaropi ganhando o dia ao fazer saídas arrojadas sem luvas e com a sua idade. Dinho viril como nos bons tempos. Arce ainda preciso nas bolas paradas. Tarciso em melhor forma do que metade da equipe atual do Grêmio. Todos os sonhos que um dia se ousou sonhar, e que eles buscaram, sobre o gramado do Olímpico.
E Jardel.
Também já se disse muito do que se poderia dizer sobre Jardel, sábado, no Olímpico. O velho artilheiro. Jardel, mais cheio do que no auge, saído de uma batalha contra os entorpecentes, mas ainda o mesmo oportunista de outros dias. O homem que ganhou duas Chuteiras de Ouro na Europa, foi o maior marcador de gols de uma Libertadores e, certa feita, teve a ousadia de meter duas bolas nas redes para dar ao GALATASARAY uma Supercopa Europeia diante do Real Madrid de Casillas, Roberto Carlos, Makelele, Figo e Raúl. O centroavante da lendária camisa 16. Que fez o melhor goleiro do Brasil – de 2008 e de 2009 – estremecer e soltar-lhe uma bola nos pés, para o segundo tento. Victor conheceu Super Mário.
Vários gremistas, também. E aí está o que faltou falar. Não havia só saudosistas da década passada, pessoas que viram o mágico time de Felipão, presentes no Olímpico durante aqueles menos de noventa minutos pelos quais durou o jogo festivo do Danrlei. Estamos acabando o décimo terceiro ano passado desde 1996. Uma geração inteira de torcedores cresceu sob o signo da raça, dos carrinhos e das Copas. E chegou à idade em que se entende o futebol sem ver o Grêmio fazer tanto quanto contavam. O que houve depois de 1996? Duas Copas do Brasil (já antigas o suficiente para terem sido acompanhadas sem a devida CONSCIÊNCIA por esses aficionados), alguns Gauchões que nada valem para capitalinos e várias campanhas boas na Libertadores e no Brasileiro. Decente.
Mas também houve um rebaixamento. E mesmo que tenha havido uma Batalha dos Aflitos reafirmando força, logo a seguir aconteceram os títulos do Inter. Títulos que os torcedores cresceram ouvindo serem apenas seus, do seu Grêmio, e de ninguém mais ao sul do Rio Paranapanema. Porque muitos desses gremistas poderiam ter sido colorados. Seus pais foram. Seus avós haviam sido. O Inter teve, afinal, e por muitos anos, a maior torcida do Rio Grande. Não tem mais e assim deve seguir por algum tempo. Graças aos anos 80, mas especialmente aos 90, em que mesmo quando o Inter parecia estar bem, o Grêmio acabava se dando melhor – quase como estes anos 2000, só que com a situação invertida. Ou 2006 não foi um ano ótimo para os gremistas, e mesmo assim foi infinitamente mais colorado?
Mais de uma família deve ter sido destroçada quando um gurizinho de uns cinco anos de idade, no qual se tentava implantar alma vermelha e branca, ouvia no rádio os títulos tricolores e bradava, inocentemente: “o Grêmio só ganha, eu quero ser gremista”. E a desgraça é que o Grêmio seguia ganhando, e o aparente ímpeto infantil virava torcida real pelos malditos azulados. Este torcedor que, ao chegar na idade em que não se troca mais de time, viu o Inter bem e ouviu a flauta dos progenitores, este e os que não tinham antepassados colorados, mas do mesmo modo tiveram boas tardes de enxaqueca para contemplar com raiva a escolha que um dia fizeram de não se bandear para o lado vermelho da força, eles foram os verdadeiros premiados na tarde de sábado.
Arrisco afirmar que o gol de Jardel, o primeiro, foi um dos três ou quatro mais festejados pelos gremistas nos últimos dez anos. Só comparável ao do Diego Souza, em Santos, pelas semifinais da Libertadores de 2007, ao do Anderson nos Aflitos, em 2005, e ao gol de empate do Luiz Mário na primeira decisão da Copa do Brasil de 2001. Pode ser só emoção do momento – Pedro Júnior contra o Inter, em 2006, e Tuta diante do Caxias, em 2007, também pareciam coisas sensacionais na hora e o tempo revelou não serem tão importantes assim –, mas creio que não. O gol de Jardel tem o simbolismo. Sobre aquela bola, que Mazaropi tentou aparar sem sucesso, que Paulo Nunes cruzou com a mesma maestria de catorze anos atrás e que o 16 meteu de cabeça, como de costume, pairavam os olhares de diferentes épocas. Trinta e duas mil pessoas, sessenta e quatro mil olhos e a ansiedade pungente por uma comemoração descomunal numa espécie de jogo em que não se costuma celebrar com espírito os gols.
Eram os olhos dos acostumados àquilo. E os olhos dos que só conheciam aquela jogada dos vídeos gravados em fita antes de serem repassados para os computadores e youtubes. E o mais incrível é que a torcida foi a mesma. Todos os tipos de gremistas quiseram aquele gol como se fosse o de um novo título da América. Um tento de um daqueles homens que se unem ao clube por mais do que um simples contrato – de um ídolo de verdade, desses que rareiam. O exemplo perfeito de instante que passa em câmera lenta no exato momento em que acontece. A bola quase tirada sobre a linha, mas que bateu no travessão e entrou. O Jardel 16, dos anos 90, correndo triunfante na direção da avalanche da Geral, a grande novidade gremista nesses não tão luzidios anos 2000. Aquela cena juntou duas épocas. Um símbolo do período mais campeão do Grêmio marcando gol no último jogo disputado dentro Olímpico nesta década infeliz para o clube.
Quiçá a falha de Victor tenha sido proposital. Para exorcizarmos cada uma das duas goleiras do estádio com gols de quem não tivera seus voos cortados como os jogadores desses Grêmios recentes. Já se disse muito sobre esse jogo de sábado. Mas só daqui uns anos, em meio à década de 2010, saberemos se vai ser dito que os gols de Jardel puseram fim à era dos erros e azares.
E Jardel.
Também já se disse muito do que se poderia dizer sobre Jardel, sábado, no Olímpico. O velho artilheiro. Jardel, mais cheio do que no auge, saído de uma batalha contra os entorpecentes, mas ainda o mesmo oportunista de outros dias. O homem que ganhou duas Chuteiras de Ouro na Europa, foi o maior marcador de gols de uma Libertadores e, certa feita, teve a ousadia de meter duas bolas nas redes para dar ao GALATASARAY uma Supercopa Europeia diante do Real Madrid de Casillas, Roberto Carlos, Makelele, Figo e Raúl. O centroavante da lendária camisa 16. Que fez o melhor goleiro do Brasil – de 2008 e de 2009 – estremecer e soltar-lhe uma bola nos pés, para o segundo tento. Victor conheceu Super Mário.
Vários gremistas, também. E aí está o que faltou falar. Não havia só saudosistas da década passada, pessoas que viram o mágico time de Felipão, presentes no Olímpico durante aqueles menos de noventa minutos pelos quais durou o jogo festivo do Danrlei. Estamos acabando o décimo terceiro ano passado desde 1996. Uma geração inteira de torcedores cresceu sob o signo da raça, dos carrinhos e das Copas. E chegou à idade em que se entende o futebol sem ver o Grêmio fazer tanto quanto contavam. O que houve depois de 1996? Duas Copas do Brasil (já antigas o suficiente para terem sido acompanhadas sem a devida CONSCIÊNCIA por esses aficionados), alguns Gauchões que nada valem para capitalinos e várias campanhas boas na Libertadores e no Brasileiro. Decente.
Mas também houve um rebaixamento. E mesmo que tenha havido uma Batalha dos Aflitos reafirmando força, logo a seguir aconteceram os títulos do Inter. Títulos que os torcedores cresceram ouvindo serem apenas seus, do seu Grêmio, e de ninguém mais ao sul do Rio Paranapanema. Porque muitos desses gremistas poderiam ter sido colorados. Seus pais foram. Seus avós haviam sido. O Inter teve, afinal, e por muitos anos, a maior torcida do Rio Grande. Não tem mais e assim deve seguir por algum tempo. Graças aos anos 80, mas especialmente aos 90, em que mesmo quando o Inter parecia estar bem, o Grêmio acabava se dando melhor – quase como estes anos 2000, só que com a situação invertida. Ou 2006 não foi um ano ótimo para os gremistas, e mesmo assim foi infinitamente mais colorado?
Mais de uma família deve ter sido destroçada quando um gurizinho de uns cinco anos de idade, no qual se tentava implantar alma vermelha e branca, ouvia no rádio os títulos tricolores e bradava, inocentemente: “o Grêmio só ganha, eu quero ser gremista”. E a desgraça é que o Grêmio seguia ganhando, e o aparente ímpeto infantil virava torcida real pelos malditos azulados. Este torcedor que, ao chegar na idade em que não se troca mais de time, viu o Inter bem e ouviu a flauta dos progenitores, este e os que não tinham antepassados colorados, mas do mesmo modo tiveram boas tardes de enxaqueca para contemplar com raiva a escolha que um dia fizeram de não se bandear para o lado vermelho da força, eles foram os verdadeiros premiados na tarde de sábado.
Arrisco afirmar que o gol de Jardel, o primeiro, foi um dos três ou quatro mais festejados pelos gremistas nos últimos dez anos. Só comparável ao do Diego Souza, em Santos, pelas semifinais da Libertadores de 2007, ao do Anderson nos Aflitos, em 2005, e ao gol de empate do Luiz Mário na primeira decisão da Copa do Brasil de 2001. Pode ser só emoção do momento – Pedro Júnior contra o Inter, em 2006, e Tuta diante do Caxias, em 2007, também pareciam coisas sensacionais na hora e o tempo revelou não serem tão importantes assim –, mas creio que não. O gol de Jardel tem o simbolismo. Sobre aquela bola, que Mazaropi tentou aparar sem sucesso, que Paulo Nunes cruzou com a mesma maestria de catorze anos atrás e que o 16 meteu de cabeça, como de costume, pairavam os olhares de diferentes épocas. Trinta e duas mil pessoas, sessenta e quatro mil olhos e a ansiedade pungente por uma comemoração descomunal numa espécie de jogo em que não se costuma celebrar com espírito os gols.
Eram os olhos dos acostumados àquilo. E os olhos dos que só conheciam aquela jogada dos vídeos gravados em fita antes de serem repassados para os computadores e youtubes. E o mais incrível é que a torcida foi a mesma. Todos os tipos de gremistas quiseram aquele gol como se fosse o de um novo título da América. Um tento de um daqueles homens que se unem ao clube por mais do que um simples contrato – de um ídolo de verdade, desses que rareiam. O exemplo perfeito de instante que passa em câmera lenta no exato momento em que acontece. A bola quase tirada sobre a linha, mas que bateu no travessão e entrou. O Jardel 16, dos anos 90, correndo triunfante na direção da avalanche da Geral, a grande novidade gremista nesses não tão luzidios anos 2000. Aquela cena juntou duas épocas. Um símbolo do período mais campeão do Grêmio marcando gol no último jogo disputado dentro Olímpico nesta década infeliz para o clube.
Quiçá a falha de Victor tenha sido proposital. Para exorcizarmos cada uma das duas goleiras do estádio com gols de quem não tivera seus voos cortados como os jogadores desses Grêmios recentes. Já se disse muito sobre esse jogo de sábado. Mas só daqui uns anos, em meio à década de 2010, saberemos se vai ser dito que os gols de Jardel puseram fim à era dos erros e azares.
Foto VISTA no ClicRBS.
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