terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Sem título: uma ausência necessária

Colaboração especial de Gabriel Eduardo Bortulini

Em 2006, quando o Instituto Anglicano Barão do Rio Branco já se responsabilizava pelo Ypiranga Futebol Clube, eu ingressei no Ensino Médio – para a família Schillo, o PPV, ou seja, Preparação Para o Vestibular – daquele “centro penitenciário” erexinense.

No primeiro dia de aula, porém, vejo um colega vestindo a camiseta do colégio Medianeira. Essa escola é uma potência estadual em termos de futebol (não falemos de competições alto-urugaienses, nas quais atletas como eu, que vinham de pequenas cidades como Campinas do Sul, já entravam em campo sabendo que perderiam). A ideia de que o guri era bom de bola, a partir desse momento, tomou a minha mente.

Chegara a hora de cada aluno apresentar-se. Aquela chatice de início de ano que, naquele tempo, era mais aborrecedora já que as pessoas conheciam Campinas do Sul. Eu não tinha a essência do meu charme. No momento em que ele pronunciou seu nome completo, no entanto, o futebol transformou-se em iatismo. Saimon Tormen era o nome. Eu entendi Torben e fiz ligações com o velejador. Mas isso não interessa.

Passou algum tempo e todos já se “conheciam”. Naquele dia (creio que uma terça), teríamos educação física. Íamos para o Tênis e Cia. com o mesmo ônibus usado pelos jogadores do Ypiranga. Ele tinha um cheiro de suor e uma cor que lembra bosta. Chegamos lá, lanchamos e resolvemos jogar uma pelada. Saimon de um lado e Gabriel Eduardo de outro. Eu nunca fui bom jogador de futsal. Sempre fui alto e desengonçado. Era, sim, um jogador muito bom no futebol de campo, mas na quadra eu nunca me acertei. O jogo começou e eu estava na ala esquerda. Lembro que chutei uma bola com extrema força e ela tocou o lado canhoto da goleira. Depois disso veio o vexame. Inventei de marcar o pivô do time adversário. Era o Saimon, que, na época, era o mais avançado do time. Aquele jogador, faceiro demais para o meu gosto, vinha na minha direção. Eu não tive dúvidas: fui de encontro a ele. Quando me dei conta já era tarde. A bola, grudada no seu pé, foi de um lado para o outro. Era um elástico! Até o momento nada de mais, elásticos já são dominados por vários futebolistas amadores. Mas aquele foi diferente. Me pegou desprevenido e me desnorteou. Passou pelo meio das minhas pernas! Ele ria de mim. Eu prometi me vingar, mas nunca pude fazê-lo. Meu dia terminara no ato. Não se faz necessário contar-lhes o resto do jogo. Não queremos melancolia.

No outro dia, acordei, fui para a aula e lá estava o desgraçado. Eu já tinha arranjado alguma desculpa qualquer para iludir a mim mesmo sobre o ocorrido. A aula ia passando normalmente. Nada de lembranças da educação física. Saimon, todavia, me indaga: “Ooo, Gabriel, já comprou a redinha?” Me peguei a imaginar várias possibilidades para entender o que ele me perguntava, mas não cheguei a conclusão alguma. Tomei, então, uma das decisões mais ingênuas de minha vida. Perguntei-lhe: “Que redinha?” “Pra colocar no meio das tuas pernas. Assim não toma mais caneta.” Fiquei furioso. Desejei-lhe tudo de pior. Queria que ele enfiasse a redinha no meio do ** dele pra não tomar mais vocês sabem o quê. O meu feedback foi um sorrisinho falso. O resto do ano foi assim. Ele debochava e eu o amaldiçoava (parte fictícia da história [talvez]).

Saimon tinha um grande defeito que parece ter sido corrigido. Um defeito que não posso contar por respeito a ele (sim, eu o respeito). Mas era uma falha. Talvez seja própria da espécie. Entretanto, era 2006 – um ano errado e, quem sabe, fictício. Durante o inverno, a situação tornava-se crítica. Começávamos a entrar no planeta dos macacos. Eu já não tinha forças contra tamanha barbaridade. Não poderia piorar.

Pois piorou. Era dia de Peies. Eu pensava somente na prova. A taça do mundial já estava na Catalunha, acreditava. Mas começou o foguetório. Matemática e Química que me desculpassem, eu não aguentaria tanto ódio. Voltei para casa emburrado. Surgiam Donkey Kongs de todos os cantos e o Super Mário, como de costume, fugira sem detê-los.

Contudo, de alguma forma, minha maldição fez efeito. Aquele que tanto me debochara havia reprovado. Foi o começo de novos tempos.

A última conversa considerável que eu tive com Saimon ocorreu no início de 2007, um ano normal, quando eu – ao sair do ônibus que tinha batido o espelhinho lateral na placa “Proibido Estacionar” – o encontrei :
- Dá-lhe Veranópolis.
- É, não dá pra ganhar tudo dois anos seguidos...

Depois disso, soube que ele integraria as categorias de base do Grêmio.

Hoje, eu curso jornalismo. Saimon, segundo o blog do Zini, recebeu uma proposta de 7 milhões de dólares. Eu sempre fui bom aluno. Ele, nem tanto. Em contrapartida, ele não terá diploma. Eu terei (grande diferença).

Talvez desvendar o segredo desse promissor atleta seja antiético. Se não for, maravilha. Se for, tudo bem, o que esperar de alguém que roda por faltas numa cadeira chamada “Ética e Cidadania”? Apenas cansei de ser certinho. Seguirei os passos do Saimon e rodarei agora para ser rico no futuro. Ou não.

E mais uma coisa: se ele jogasse contra o Flamengo, teríamos mais problemas.


* * *

Gabriel Eduardo, o Campinas, cursa o segundo semestre de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Maria. Com a experiência de quem tentou marcar - em vão - o portentoso Saimon, gasta suas horas vagas prometendo honrar a camisa do Coió FC, nas frequentes (?) edições do Torneio Aberto Misto Para Alunos da Comunicação Social, o TAMPACS.

Foto encontrada no Twitter de Eduardo Cecconi.

Um comentário:

Maurício Brum disse...

Texto claramente irônico que anda repercutindo pelo mundo como se fosse sério.

Já disse que os acessos disso aqui só se multiplicam quando as pessoas não entendem o que se escreve e chamam os amigos para lerem e se indignarem juntos.