terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Perpétuo até o fim da semana (4): Miguel Ximénez

O Olimpia não tinha como prever, mas, no mesmo 2002 em que ergueu a sua última Libertadores da América, desamarrou seu ginete num barranco e deu início a um declínio sem precedentes em sua própria história. Excetuada a Recopa ganha no ano seguinte, numa feliz jornada única contra o San Lorenzo, em Los Angeles, o clube mais vencedor de Assunção não levantou mais taça alguma. Seu último título nacional data de 2000 – o jejum mais longo do clube, contando as eras amadora e profissional do futebol paraguaio. Nesse período, outro alvinegro da capital assumiu o controle do país: o Club Libertad.

O time das ilusões do presidente da CONMEBOL Nicolás Leoz pôs os tanques na rua e começou a constituir sua ditadura naquele próprio 2002. Sem ser campeão paraguaio desde 1976, o Libertad reconquistou o título na temporada em que o Olimpia festejava a maior glória da América pela terceira vez. Desde então, não se ausentou mais das duas primeiras posições do certame: bicampeão em 2003; vice do Cerro Porteño em 2004 e 2005; recuperou o troféu em 2006 e repetiu o bicampeonato em 2007. Em 2008, recebeu uma ajuda da Associação Paraguaia para aumentar seu cartel de títulos: o torneio nacional, até ali único para o ano inteiro, foi dividido em Apertura e Clausura. O Libertad ganhou os dois.

Este ano começou igual aos anteriores, e no Apertura os Gumarelos não baixaram da segunda posição, sendo vices novamente para o Cerro, porque o Olimpia continua no inferno. Hoje o Libertad conta catorze títulos. Metade do total do Cerro e vinte e quatro a menos que o Olimpia. Mas desde que começou seu reinado já superou o Guaraní, dono de nove entorchados, na lista dos maiores vencedores do Paraguai. Um dos perigos poderia ser a inexperiência dos jogadores: no jogo do fim de semana, por exemplo, dez dos catorze atletas que entraram em campo tinham menos de 25 anos. É, contudo, um erro acreditar nisso. Todos eles são de uma geração de Repolleros que viu as taças entrando em casa como se fossem normais. Sabem como funciona.

O uruguaio Miguel Alejandro Ximénez Acosta, atacante, 32 anos, era a segunda alma com mais anos desde o parto dentre as que vestiam a camisa do Libertad naquele mesmo jogo de domingo. E o menos habituado a esse álcool que embriaga as almas dos campeões. Ximénez, natural de Maldonado e revelado pelo Deportivo dali, esteve até a beira da sua terceira década de vida rondando por clubes pequenos. Perambulou pelo Atenas de San Carlos, pelo Plaza Colonia e ainda fez um improvável estágio de menos de um ano no Comunicaciones da GUATEMALA, um poderoso daquelas bandas.

Se ser grande por lá não significa muito cá, viver o cotidiano de um clube que já possuía vinte e um títulos nacionais (e que conquistaria sua 22ª Liga Guatemalteca em 2008) parece ter aberto portas em quadros mais ou menos gloriosos na América do Sul. Ainda sem ouro na bagagem, Ximénez voltou para vestir a camisa do Danubio – cujas vitórias são recentes, até, mas no 2005/06 de Miguel não ganhou nem a Liguilla. Depois, fardou pelo Montevideo Wanderers. Saiu do Uruguai mais uma vez, continuando como um andarilho a colecionar, agora, camisas de velhos campeões. Na Colômbia, foi Junior de Barranquilla. No Peru, Sporting Cristal.

E pelo Cristal, já dobrando a curva dos trinta anos, essa miserável esquina que cisma em dizer que mitos podem tornar a ser comuns, o atacante que nem perto de mítico chegara teve o maior momento de brilho dessas longas décadas passadas desde o dia em que foi um nascituro: na primeira metade da temporada, entrou em campo vinte vezes e marcou vinte gols. No total de 2008, Miguel Ximénez balançou as redes 32 vezes em 41 atuações. Artilheiro do Campeonato Peruano, maior goleador do clube numa única edição do torneio e terceiro jogador que mais marcou gols em campeonatos nacionais de todo o mundo no ano passado. Apenas o holandês Klaas Jan Huntelaar (33 gols pelo Ajax) e o argentino Lucas Barrios (37 pelo Colo Colo) tiveram seus nomes escritos mais vezes do que Ximénez na seção “gols” das súmulas.

Títulos relevantes, porém, Ximénez não ganhou. E no início deste ano, já conformado com a aparente maldição que pesava sobre suas costas, foi antes pelo dinheiro do que pela sede de medalhas que desertou das linhas do Sporting Cristal. Contemplando propostas que incluíam o rico futebol mexicano, com um contrato abanado pelos diretores do Tecos de Guadalajara, o oriental acabou considerando válido um acordo oferecido pelo próprio futebol sul-americano. Firmou com o Libertad a tempo de jogar – e marcar gols – na edição 2009 da maior Copa do continente, na qual o time avançou até as oitavas-de-final, parando no futuro campeão Estudiantes.

Alguém mais afeito à graça diria que foi só por culpa dele que o Gumarelo acabou vice do Apertura. Talvez. Garantido é que, a despeito do começo decente, as coisas não se acertaram para Ximénez. Nem na amplidão do time, como sempre, nem no individual, ao contrário do que vivera no Peru. Os infortúnios de cada dia – e como eles são comuns para alguém incapaz de sustentar taças sobre a cabeça! – afastaram o uruguaio da primeira equipe. No Clausura, Ximénez permaneceu longe do time e não teve como marcar sequer um gol. Ao entrar em campo para o jogo de domingo, pela penúltima rodada do campeonato, o atacante estava fazendo apenas sua terceira partida consecutiva como titular – sua série mais longa nessa metade da competição. Antes, ou entrara durante os jogos, ou começara um isolado, sem sequência.

O desse domingo era o jogo mais importante do segundo semestre. A duas rodadas do fim, o Libertad pisou o céspede como vice-líder, três pontos atrás do seu adversário do dia: o querido Club Nacional de Assunção, treinado pelo ex-goleiro Ever Hugo Almeida, que em 1989 jogava pelo Olimpia e parou os sonhos do Internacional nos pênaltis das semifinais da Libertadores. Uma vitória dos tricolores de Almeida garantiria ao clube o primeiro título paraguaio desde o longínquo 1946. Um empate praticamente faria o mesmo, mantendo a diferença em um trio de pontos ao sobrar uma mísera rodada pela frente.

O Nacional saiu vencendo, mas ao fim da tarde estava sendo jogado no poço dos amanhãs indesenháveis. Uma arbitragem polêmica e dois gols ferozes deram a volta no marcador e significaram ao Libertad a vitória por 2 a 1. O tento de empate, restaurador do orgulho e engrandecedor do apetite pelos metais nobres, foi anotado por Miguel Ximénez. O segundo homem mais velho do time, apenas dois anos a menos que o capitão Pedro Sarabia. O menos amigado aos títulos. Nos jornais do Paraguai, no fundo da tabela de artilheiros, e bem no fundo, porque X está para os confins do alfabeto, aparece agora: “Ximénez (Libertad) – 1”. O único gol do Chino Miguel no Clausura, como um grito desesperado de alguém a quem falta juventude, seguro de que, se o título não vier agora, poderá não vir mais.

Com a remontada, o Libertad igualou os 40 pontos do Nacional na primeira posição. Agora, visita o Tacuary, enquanto os tricolores duelam com o Olimpia no palco maior do Defensores del Chaco. Se o empate permanecer, o regulamento prevê uma partida extra entre os dois. Ximénez espera alinhar nos onzes iniciais dos jogos que forem necessários para ganhar o título. Seu título, mais do que dos outros, pois sem ele sempre terá faltado algo em toda essa existência a percorrer os caminhos da América.

Foto arrancada da internet, ainda da época da Libertadores.

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