
Porque muito mais difícil do que silenciar um Maracanã lotado era acreditar que o Grêmio, o Grêmio cheio de reservas, o Grêmio que poupou seus principais nomes sem motivo aparente, o Grêmio que parecia ter afirmado tão claramente que iria sim entregar, o Grêmio que mesmo querendo jogar para vencer dificilmente chegaria a tanto, pois tinha uma campanha tenebrosa como visitante, que esse Grêmio fosse fazer frente ao Flamengo. Subvertendo a lógica do futebol, aquela de respeitar seus torcedores, os atletas do time de três cores de Porto Alegre entraram em campo dispostos a defender sua HONRA PESSOAL e ignoraram os clamores de milhões. Queriam vencer, os loucos.
O gol colorado sobre o Santo André, marcado menos de dois minutos depois do 0 a 1 gremista no Rio de Janeiro, o gol que inverteu o topo da classificação brasileira e então dava o título ao Inter, foi o aviãozinho dos vermelhos e brancos ultrapassando as nuvens mais elevadas da atmosfera. A expectativa por uma taça-que-se-pode-ganhar-mas-dificilmente-deve-vir é a ciência de conter os hormônios, enzimas e fluídos que formam as aspirações. O coração quer sonhar e idealizar como será bom se tudo for feito, mas o cérebro vem com a razão irritante e avisa que o melhor é esquecer essa história, porque as chances são pequenas e haverá mais dor no caso da desilusão quase certa vir.
Por isso, a alma exigida pelos colorados e seguida pelos jogadores do Grêmio doeu nos vermelhos ainda mais do que uma entregada óbvia e natural. Ao tomar nota da correria, da briga, das defesaças de um Marcelo Grohe que passara o ano falhando, da autêntica raça para recuperar bolas perdidas exibida pelos gremistas, os colorados acreditaram estar diante da possibilidade real e recuperada de se entronarem campeões brasileiros. As sensações reprimidas pela racionalidade durante a semana, nos minutos em que o Grêmio vencia e o Inter já ia abrindo não só um, mas dois a zero, foram liberadas com a mesma intensidade que a adrenalina corre nas TUBULAÇÕES corporais de um paraquedista que se joga no vazio.

Acima das nuvens, da chuva, do bem e do mal, entre quase realizados e ainda sonhadores, cada colorado do mundo se atirou do avião que decolara quando dos gols do início da rodada. Tinham nos lábios um pouco do sabor da realização, e se dispuseram a correr o risco para senti-lo por mais tempo. Enquanto despencavam no ar, sem medo,

O Grêmio não podia vencer. O Flamengo entrou em campo nervoso e desatento, quiçá pelo já ganhou, e fez uma das piores partidas desde que começou a reagir no campeonato. Sua apresentação ontem fez pensar que o Brasileirão de 2009 estaria coroando o pior vencedor da era dos pontos corridos, fosse quem fosse. O Fla errou muito. Adriano, de imperador, passou a engraxate das sandálias de um legionário de terceira classe de Roma. Ironicamente, foi com uma falta ofensiva dele que a zaga gremista ficou sem ação e o Fla pôde empatar no primeiro tempo, golpeando pela primeira vez os colorados. Os rubro-negros remontariam aos 69 minutos, quando Grohe desistiu de fazer a melhor partida da sua vida e voltou a procurar LEPIDÓPTEROS numa cobrança de escanteio, saindo mal na cabeçada goleadora de Angelim.
O 2 a 1 foi, para os colorados que ainda vinham inebriados na direção do solo, aquele átimo em que a euforia passa e a mente se ocupa de nada. No meio do ar, com o time goleando, recobravam agora a memória da comemoração de pouco antes e se questionavam: “o que estamos fazendo aqui?”. Depois daquilo, o Flamengo não correu mais riscos de perder o título. Ouço agora que o Grêmio foi digno, calou os que afirmavam que entregaria e jogou com força até o fim. Discordo. O Grêmio realmente fez mais do que se esperava dele, mas nitidamente freou seu próprio ânimo.
Ao mistão gremista faltou seriedade e ofensividade no segundo tempo. Não sendo o Inter o segundo colocado, os gols sairiam e o Maracanazo versão 118 teria se concretizado – ou não, mas o Flamengo teria sido obrigado a realmente jogar futebol para assegurar a taça, e não aquele pouco que mostrou ontem. Sutilmente, aos pouquinhos, o Roberson foi deixando de chutar. O Léo foi evitando brigar. O Fábio Santos foi preferindo dar passes para trás quando tinha corredores à sua frente. O Thiego foi errando passes infantis na defesa. Num campeonato marcado pela falta de vontade dos seus participantes em vencê-lo, o Flamengo fez tão pouco na última rodada que obrigou o Grêmio a terminar a partida patético, para conseguir perdê-la.

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- Estamos todos aliviados com o fim da hegemonia são-paulina.
- Recuperação fantástica do Cruzeiro e refugada épica do Palmeiras. Ninguém contrata Muricy para acabar em quinto lugar, dizia o presidente alviverde. Pois é.
- O Fluminense pode até com azeitonas murchas. Continuam precisando pagar a Série B, mas a ressurreição nesta temporada mereceu respeito.
- Interdição do Couto Pereira até que o estádio se torne um local minimamente seguro ou implosão e construção de uma nova cancha. É o mínimo que se pode exigir depois da batalha medieval de ontem. A julgar pelas deficiências do estádio do Coxa, a segunda opção pode até ser mais barata.
Fotos minhas.
Um comentário:
absolutamente perfeito. Texto histórico. Descreveu exatamente o que houve. Parabéns.
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