quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Retrospectiva da década: futebol do interior gaúcho (2000-2004)

Todo mundo tem usado as horas TEDIOSAS do fim do ano para traçar retrospectivas sobre QUAISQUER coisas que tenham acontecido nesta década de 2000. Falaram de coisas desimportantes como a EVOLUÇÃO DO MUNDO e não se dedicaram à análise do que aconteceu no futebol interiorano gaúcho. Então, no último dia da década que se acaba, vem a primeira parte da retrospectiva das principais OCORRÊNCIAS de algo tão relevante para a HUMANIDADE neste período. Amanhã (se a internet permitir), já em 2010, os cinco anos finais da década.

2000

Dois mil foi um ano estranho. O excesso de zeros à direita do dois não causou o bug do milênio nos computadores, mas os zeros à esquerda nos quocientes de inteligência dos dirigentes provocaram anomalias nos campeonatos de futebol. Logo em janeiro, a FIFA criou um Mundial disputado no Brasil, decidido por dois times do Brasil e que, naturalmente, não vingou. Tardou a ser retomado. O Campeonato Brasileiro foi outro a sofrer com os ares do início da década (e de fim de século), e deixou de existir naquela temporada. Uma briga na Justiça tirou da CBF o direito de organizá-lo e os clubes, então, formularam um SUFLÊ chamado Copa João Havelange, no qual os times da primeira e da terceira divisão tinham, a rigor, chances iguais de título.

No Rio Grande do Sul, a moda nacional e internacional de entortar as VIGAS de sustentação das ideologias campeonateiras (???) foi representada pela concessão de uma vaga na elite a um time que não a havia conquistado. Afastado da primeira divisão gaúcha desde 1975 e sem conseguir retornar para lá dentro de campo, o Sport Club Rio Grande recebeu um convite da FGF para celebrar seu centenário entre os grandes, por ser o time de futebol mais antigo do país. A condição para a homenagem: os rio-grandinos voltariam à Segundona no ano seguinte, mesmo se, por VONTADE DIVINA, acabassem campeões da primeira.

Para sorte da Federação, o Rio Grande não CORREU RISCOS de conquistar o título. Tampouco fez campanha de rebaixado. Ficou no meio da tabela e até incomodou alguns, roubando pontos necessários de adversários desesperados – na última rodada, empatou por 0-0 com um Inter-SM que só precisava da vitória para escapar da queda, e baixou ao segundo escalão estadual de mãos dadas com os santa-marienses. O formulismo era tamanho que os rebaixados jogariam a Segundona no mesmo ano – o Avenida, que caiu, subiria de volta. O estranho ano 2000 ainda consagrou o único interiorano campeão gaúcho da década, o Caxias (3 a 0 no Grêmio de Ronaldinho, que errou pênalti na decisão), e viu uma irrepetida participação de time de fora de Porto Alegre na LIBERTADORES.

Campeão da Copa do Brasil no ano anterior, o Juventude troteou pelas campinas sul-americanas sem grande êxito. Ficou no mesmo grupo do então campeão Palmeiras, de Scolari, e perdeu nas três vezes que viajou para jogar. Caiu na primeira fase, mas preencheu sua mala de garupa com o consolo de não ter sido derrotado em casa. No dia 16 de fevereiro, o Ju venceu os equatorianos do El Nacional por 1 a 0, gol de MABÍLIA; em 12 de abril fez 4 a 0 no The Strongest boliviano, e oito dias mais tarde se despediu do maior torneio do Ocidente buscando um empate por dois gols num jogo que perdia de 0 a 2 para o Palmeiras até os 60 minutos.

Melhores times de fora de Porto Alegre no Gauchão:
1º Caxias (campeão)
2º Juventude de Caxias do Sul
3º 15 de Novembro de Campo Bom
Rebaixados do Gauchão para a Segundona: Avenida de Santa Cruz do Sul; Internacional de Santa Maria; Rio Grande
Promovidos da Segundona para o Gauchão: Novo Hamburgo (campeão); São Paulo de Rio Grande; Avenida de Santa Cruz do Sul*
Rebaixados da Segundona para a Terceirona**: -
Promovidos da Terceirona para a Segundona: Gaúcho de Passo Fundo (campeão); Grêmio Santanense
* Os times rebaixados do Gauchão jogaram a segundona no mesmo ano.
** O rebaixamento à Terceirona Gaúcha não foi respeitado nesta década.

2001

A LUMINESCÊNCIA dos dias em Caxias do Sul prosseguiu em 2001. O Juventude chegou ao vice-campeonato gaúcho, embora tenha passado o ano inteiro brigando para não cair na Série A do Brasileiro (que voltou a ser ditado pela CBF), e o Caxias esteve a ponto de fazer companhia aos rivais na elite nacional. A segunda divisão do país era dividida por regiões, e o Caxias atropelou na fase inicial: acabou em primeiro entre os 14 do Grupo Sul-Sudeste. Deixou para trás o próprio Figueirense, de Santa Catarina, que meses depois seria seu ALGOZ. Os dois quadros avançaram até o quadrangular final da Série B, junto com o também catarinense Avaí e o paraense Paysandu. Na última rodada, uma definição de loucura: os quatro times tinham 6 pontos. Quem vencesse, subia.

O Paysandu fez 4 a 0 no Avaí. O Figueirense fazia 1 a 0 no Caxias. Mas em Florianópolis o jogo não acabou. A torcida invadiu o campo quando ainda havia os acréscimos por disputar. O impasse se estendeu aos tribunais, surgiu uma súmula adulterada e, para variar, as gavetas poeirentas apareceram como destino final de polêmicas que movimentaram paixões. Numa medida ENROLADORA, decidiu-se por manter o resultado, sem dar os pontos para o Figueirense – o que, na prática, não mudou a situação que se determinaria caso o jogo acabasse mesmo em 1 a 0. Permaneceu o acesso dos alvinegros de Santa Catarina. Os grenás da Serra Gaúcha jamais chegariam tão perto da primeira divisão outra vez.

Melhores times de fora de Porto Alegre no Gauchão:
1º Juventude de Caxias do Sul (vice-campeão)
2º Pelotas
3º Caxias
Rebaixados do Gauchão para a Segundona: Avenida de Santa Cruz do Sul; Novo Hamburgo
Promovidos da Segundona para o Gauchão: Palmeirense de Palmeira das Missões (campeão); São Gabriel
Rebaixados da Segundona para a Terceirona: -
Promovidos da Terceirona para a Segundona: Cachoeira (campeão); Farroupilha de Pelotas

2002

Os anos iniciais da década foram marcados pela tentativa de implantar ligas regionais, relegando os estaduais. Curiosamente, a temporada em que isso esteve mais acentuado também foi a última em que se disputaram os torneios interestaduais – 2002. Pelo Brasil, os principais campeonatos estaduais ficaram órfãos dos grandes clubes. Para evitar que o ano acabasse assim, pariu-se um sistema de dois campeões. Os times pequenos jogariam o Campeonato estadual, e os melhores entre eles se uniriam aos grandes para a disputa do Supercampeonato. Em São Paulo, por exemplo, o Campeonato foi do Ituano, e o Supercampeonato, do São Paulo Futebol Clube.

No Rio Grande do Sul, nunca oficializaram essa situação. O Guarani de Venâncio Aires ganhou o que noutros estados seria o Campeonato, e até hoje pinta em seu estádio que é o legítimo campeão gaúcho de 2002, mas a situação é comparável ao título brasileiro do Flamengo em 1987 – nenhum dos dois é considerado oficial pela entidade competente, e ambos dependem do reconhecimento popular. O Flamengo tem a mídia ao seu lado, propagando que ganhou naquele ano. O Guarani, não. E assim, só o povo de Venâncio Aires lembra de dizer que seu time foi, um dia, campeão. No Supercampeonato, que por aqui valeu como Campeonato mesmo, o Inter ergueu a taça. Derrotou na final um outro interiorano que começava a ganhar os holofotes: o 15 de Novembro de Campo Bom.

Velho campeão dos estaduais de amadores, o 15 lançou-se à profissionalização com uma força incomum. Em curtos anos, obteve mais sucesso do que qualquer time de fora do eixo Porto Alegre-Caxias do Sul havia conseguido em toda a década anterior, beliscou um título nacional e emendou finais gaúchas. Fez milagres até o dinheiro faltar e o time ser rebaixado em 2008. Como se tudo não tivesse passado de um devaneio, os amarelos de Campo Bom fecharam o departamento profissional e nem mesmo se inscreveram para a Segundona do ano seguinte à queda. Tido a seu tempo como o melhor gramado do interior gaúcho, o do Estádio Sady Arnildo Schmidt seguia em ótimas condições até o fim deste ano, em interminável cuidado para o dia em que se resolva voltar com o futebol em Campo Bom.

Mas em 2002 toda a epopeia do 15 de Novembro apenas se iniciava. No mesmo ano, o Juventude fez sua melhor participação no Campeonato Brasileiro. Terminou em 4º lugar na primeira fase da competição, a última antes da adoção dos pontos corridos, sendo o melhor time de fora de São Paulo – acima dele, o próprio São Paulo, o São Caetano e o Corinthians. Nos mata-matas, porém, o quinto colocado Grêmio fez o que se acostumou a fazer ao longo dos anos, e triunfou sobre os caxienses. Empatou por 0 a 0 no Olímpico e sacou o quadro serrano da competição com um 0 a 1 na partida de volta, fora de casa.

Melhores times de fora de Porto Alegre no Gauchão:
1º 15 de Novembro de Campo Bom (vice-campeão)
2º Juventude de Caxias do Sul
3º Pelotas
Rebaixado do Gauchão para a Segundona: São Paulo de Rio Grande
Promovidos da Segundona para o Gauchão: São José de Cachoeira do Sul (campeão); Glória de Vacaria
Rebaixados da Segundona para a Terceirona: -
Promovidos da Terceirona para a Segundona: Ulbra de Canoas (campeão); RS Futebol de Alvorada

2003

Um ano depois, os juventudistas teriam pouco a se orgulhar da campanha nacional do seu time. Na Copa do Brasil de 2003, o Ju caiu dentro de casa, nos pênaltis, para a Caldense de Minas Gerais. Pelo Brasileirão, só não brigou contra o rebaixamento até o fim porque ganhou três pontos de bandeja de um jogo perdido para a Ponte Preta – os de Campinas escalaram um atleta irregularmente e a pontuação foi invertida pelos tribunais. O grande momento dos caxienses naquele campeonato infeliz veio na 37ª rodada, com uma vitória em pleno Mineirão diante do campeão Cruzeiro – o time de Alex, de Luxemburgo, dos 100 pontos, dos 102 gols, e do melhor futebol jogado num Brasileiro de pontos corridos até hoje. No mesmo ritmo, mas na Série B, o rival Caxias acabaria apenas duas posições acima da zona de rebaixamento para a terceira divisão.

Longe das tormentas que se abatiam sobre a Serra, em Campo Bom o 15 repetiria o feito de um ano antes, voltando à final do Gauchão – e sendo outra vez vencido pelo Inter. O São Gabriel, por sua vez, apareceria como surpresa do estadual, sendo o time interiorano que mais venceu jogos naquela edição do campeonato (treze, ao lado do Santa Cruz) e avançando até as semifinais. Outro time quase desconhecido e que nem por isso se tornou mais falado, o RS Futebol de Alvorada, da Segundona Gaúcha, militou com relativo sucesso pela Série C do Brasileiro em 2003. Percorreu os caminhos do certame até a quinta e penúltima fase, sendo eliminado DUAS VEZES pelo Ituano, futuro campeão – na quarta fase, o RS caiu nos pênaltis frente ao quadro de Itu, mas passou como um dos melhores perdedores; na quinta, voltou a cruzar com os paulistas e perdeu por um placar agregado de 4 a 3.

Melhores times de fora de Porto Alegre no Gauchão:
1º 15 de Novembro de Campo Bom (vice-campeão)
2º São Gabriel
3º Juventude de Caxias do Sul
Rebaixados do Gauchão para a Segundona: Palmeirense de Palmeira das Missões; São Luiz de Ijuí
Promovidos da Segundona para o Gauchão: Ulbra de Canoas (campeão); Novo Hamburgo
Rebaixados da Segundona para a Terceirona: Avenida de Santa Cruz do Sul; Ypiranga de Erechim*
Promovidos da Terceirona para a Segundona: Lami de Porto Alegre (campeão); Riograndense de Santa Maria
* O rebaixamento nunca valeu porque em 2004 a Terceirona deixou de existir.

2004

Com os dois times de Caxias investindo vorazes sobre o ostracismo nas Séries A e B, e sem um representante confiável do Estado na C, a viabilidade de um sucesso interiorano em nível nacional foi questionada em princípios de 2004. Na própria ALDEIA os velhos pendões iam mal: o tradicional Pelotas fazia um Gauchão para o olvido. Terminaria rebaixado em último lugar, sem vencer um jogo sequer em 26 rodadas. Para lágrimas sem fim dos áureo-cerúleos, no mesmo ano os dois rivais citadinos, o Brasil e o Farroupilha, seriam promovidos da Segundona para a elite. A própria fórmula do estadual fazia se perguntar se uma TERRA capaz de imaginar aquilo merecia sucesso nacional – o Gauchão foi dividido em um grupo exclusivo de interioranos e outro com times da Dupla Gre-Nal, Ca-Ju e alguns ELEITOS por critérios técnicos entre os do outro grupo, que disputariam ambas as chaves simultaneamente.

O formato abria a possibilidade, depois revista pela FGF, de que um time do interior que fosse bem dos dois lados jogasse contra si mesmo na finalíssima. O Glória de Vacaria quase causou esse CONSTRANGIMENTO ao criador do regulamento, mas no fim só se classificou numa ponta e tudo deu certo. Como também deu certo nacionalmente para o interior, apesar de tudo. A Copa do Brasil, torneio do qual o Rio Grande do Sul ainda é o maior campeão, revelou-se novamente um cenário propício ao heroísmo local. O São Gabriel eliminou o Figueirense na fase de abertura e, na etapa seguinte, proporcionou um épico contra o Palmeiras: em casa, venceu por 2 a 1, com o goleiro Altieri defendendo um pênalti aos cinquenta e tantos minutos do segundo tempo. Espaço de dois segundos entre o batedor cobrar, o Altieri espalmar, a bola bater na trave e o juiz apitar o fim da partida.

Não importa que o Palmeiras tenha vencido o confronto de volta por 4 a 0 – aquela do São Gabriel, pelo adversário e pelas circunstâncias, foi certamente a mais sensacional vitória do futebol do interior do Rio Grande na década. Mas o 15 de Novembro foi muito além. Dono de um elenco reduzido, sofrendo com o cansaço ao conciliar as datas do torneio copeiro com a tabela cruel do Gauchão, o time de Campo Bom não pôde voltar à final estadual – contra o Inter, quem decidiria (e perderia) o título seria a Ulbra de Canoas, cidade que está tão amarrada a Porto Alegre que o cidadão fica até em dúvida se considera interior. Em compensação, o 15 do treinador Mano Menezes construiu uma odisseia na Copa do Brasil: superou, invicto, a Portuguesa Santista, o Vasco da Gama (aplicando surra de 3 a 0), o Americano de Campos e o Palmas de Tocantins para chegar às semifinais do torneio.

A dois jogos da decisão, encontrou o Santo André, outro time que não se imaginava capaz de ir tão longe. Ali o calendário matou o 15 de Novembro. No jogo de ida, fora de casa, os comandados de Mano venciam por tranquilos 1 a 4 quando o fôlego zerou. Sofreram dois gols, ainda conseguiram voltar para a casa com a vantagem de um 3 a 4, e nas ruas de Campo Bom começaram a ser estendidas faixas prevendo “15 rumo a Tóquio”, mesmo que o Mundial de Clubes (ainda sem o selo da FIFA, sumido após a experiência ruim de 2000) já fosse disputado em Yokohama desde 2002. Mas aqueles gols e, principalmente, o desgaste físico que os permitiu, foram fatais. No retorno, jogado no Olímpico de Porto Alegre, a falta de pernas possibilitou uma vitória do Santo André, de virada, por 1 a 3. Os andreenses continuaram na Copa para erguer a taça contra o Flamengo, em mais uma versão de Maracanazo.

Melhores times de fora de Porto Alegre no Gauchão:
1º Ulbra de Canoas (vice-campeã)
2º Glória de Vacaria
3º Juventude de Caxias do Sul
Rebaixados do Gauchão para a Segundona: Santo Ângelo; Pelotas
Promovidos da Segundona para o Gauchão: Brasil de Pelotas (campeão); Farroupilha de Pelotas

* * *

Um 2010 cheio de carrinhos a todos. Saludos.

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