Escutando a partida do Riograndense pela rádio Imembuí no sábado, recebia relatos de catimbas, pancadarias, bombas e rojões, de jogadores com os dentes quebrados e ameaças do Atlético Carazinho de abandonar o campo. Gols no fim e mais uma vitória do Periquito. Através do áudio, não apenas descobria que deixaram o melhor para a rodada em que estive ausente como tinha que aguentar entrevistas como a de Gustavo, o carazinhense tornado banguela: “LÁ EM CARAZINHO O BICHO VAI PEGAR”. Fiquei frustrado. Depois de perder o Bevilaqua de vestido no 19 de Outubro, agora ficava privado de uma batalha campal. Logo na Segundona, que é a hipérbole de todas as guerras do futebol. Mas o que era meu estava guardado.
Júlio de Castilhos fica no meio do caminho para quem volta para Santa Maria vindo de Ijuí. E tem o Esporte Clube Milan, onze gols sofridos e um ponto somado em quatro rodadas, saco-de-pancadas do Grupo 3 da Segundona Gaúcha, que às três e meia da tarde receberia, ontem, um Santo Ângelo invicto e podendo alcançar a liderança com uma vitória – havia derrotado o Riograndense, concorrente direto pelo topo, quarta-feira. Com a lição de erros passados, de jogos extraordinários que perdi a chance de ver, fui assistir ao Milan. O Milan, aliás, modificou toda a distribuição de jogos dos times de Santa Maria: como é a polícia daqui que vai fazer a segurança em Júlio, o jogo do Inter-SM pela primeira divisão, marcado para ontem, está sendo jogado hoje.
Custa dez reais um lugar no pavilhão do Estádio Municipal Miguel Waihrich Filho. Sete para ir nas arquibancadas do outro lado do campo, onde os aficionados acomodam-se confortavelmente À SOMBRA DOS CINAMOMOS frondosos que circundam o gramado. Lá eles também reutilizam ingressos das jornadas anteriores, e o nome do Santo Ângelo era escrito embaixo de um Três Passos bem riscado. Outra peculiaridade de Júlio de Castilhos remeteu ao final da década passada: lembro-me que na entrada do 19 de Outubro, em jogos do São Luiz, era comum receber carnês ilustrados indicando quais seriam as partidas do campeonato; no Waihrich Filho, você recebe, com o bilhete, uma folha listando todos os jogos da chave do Milan na primeira fase, que vai até 24 de maio.
Dessa vez o Milan entrou com uniforme de Milan, camisa listrada em vermelho e negro, e talvez seja pela semelhança com os italianos que o time arrebentou as previsões pessimistas e começou atacando. Desconheço o nome dos seus jogadores, também sei pouco de quem atua no lado angelense, então foi um confronto às cegas – o importante é que Catarino continua sendo o arqueiro milanista. Com o Santo Ângelo pouco ofensivo, o primeiro tempo evoluiu de forma equilibrada. Bolas disputadas com grande virilidade, balões para fora do estádio, bandeirinhas ameaçados, coisas normais da Segundona dividiam o cenário com poucas chances reais. A melhor oportunidade dos primeiros três quartos de hora da partida veio aos 42 minutos, quando um chute do time de Júlio de Castilhos não foi bem defendido pelo goleiro visitante, a bola sobrou viva na pequena área e terminou salva de chutão por um zagueiro desesperado.
Até ali, porém, inexistiam indícios de uma briga. O jogo estava, é verdade, menos alegre que um joga bonito gostaria, mas uns carrinhos são só uns carrinhos e umas divididas de pé alto não passam de jogo perigoso. O Milan tinha especial dificuldade em fazer coisas grandes a partir do seu bom ritmo em função dos constantes erros de passes – sabe aquela história de tocar a pelota no vazio? Os de Júlio SEMPRE buscavam o vazio. Que depois não era preenchido, fazendo a bola sair candidamente por alguma das quatro linhas que cercam o terreno de jogo. Foram o segundo tempo e a injustiça do futebol os que modificaram a cara da partida. O pavilhão maldizia o mundo como “feio e mau” aos 52 minutos, quando o Santo Ângelo, depois de iniciar o segundo tempo pior, acertou uma bola no travessão e, no rebote, marcou 0 a 1.
Gols que saem sem condizer com o mostrado pelas atuações costumam abalar as equipes vazadas. O fraco Milan, bem entusiasmado pelo interessante começo de partida contra os candidatos à liderança do grupo, esvaziou-se como uma hipotética barriga lipoaspirada de Ronaldo. Nos minutos seguintes ao gol, só mais chances de gol para os visitantes. Aos 68, lançado pela esquerda dentro da área milanista, outro angelense tocou por cima de Catarino e multiplicou por dois a vantagem anterior. Com o Milan 0-2 Santo Ângelo anunciado pelas rádios (e só pelas rádios) naquele momento, o quadro rubro-negro decidiu ir para o pau. Até porque se julgava prejudicado pela arbitragem:
– Meu rádio parou de funcionar, bandeirinha! Que que eu faço com ele? Hein bandeirinha? Dá uns trezentos gramas, daqui até aí dá uns três quilos – ameaçava um torcedor.
Lá na geral, a visão dos cinamomos e dos torcedores agora era complementada por uma faixa corneteira que clamava a saída do treinador do Milan: FORA VALDUÍNO. Era o enfaro completo com a partida, que não dava qualquer sinal de que melhoraria. O Santo Ângelo, pressionando, poderia golear. Faltava uma expulsão dos locais. Que veio. Minuto 72, agressão fora do lance, se soco ou cotovelada ninguém viu, e expulsão do milanista. Continuou dura, a partida. Valduíno era hostilizado por alguns torcedores, mas não mais que o trio de arbitragem. O time de Júlio de Castilhos enervava-se. Aos 81 minutos tentou um ataque desesperado pela esquerda, viu seu atleta ser derrubado pelo goleiro e a arbitragem ignorar o lance. Na jogada subsequente, enquanto era batido o tiro de meta, Adriano, do Milan (esse eu sei o nome), que acabara de entrar, achou de muito bom gosto e sensatez descarregar sua raiva acertando um bico nas costelas de um angelense que nada tinha a ver com a história.
Também viu o cartão vermelho.
Um time perdido pode achar um gol e pensar que tem capacidade de ser copeiro. É assim que é o futebol. O Milan era um time perdido até os 88 minutos de jogo. Tinha nove contra onze, perdia por zero a dois, era questionado pelos torcedores. Mostrava uma raça enorme, é verdade, mas, como batia, esse espírito de luta seria fatalmente tachado de violência em caso de derrota. Novamente, é assim que é o futebol. Mas o futebol às vezes premia o esforço. E naquele minuto 88 em que estava perdido, o Milan achou uma falta no meio da rua, cobrou a falta no ângulo direito, assistiu ao arqueiro angelense tocar de leve na bola e mesmo assim não defender. O alto das redes estufava-se para sinalizar 1 a 2.
Toda a recuperação poderia ter morrido no ataque seguinte do Santo Ângelo, mas a fortuna estava com Valduíno e seus heróis, e a bola bateu na trave, no goleiro, e foi para longe da meta. O time dos dois jogadores a menos permaneceu com o direito de acreditar e o exerceu até o fim. Aos 90+3 minutos, ergueu uma bola na área missioneira; o goleiro saiu mal, um atacante desviou de cabeça por cima dele. Sobrou o esférico flutuando no ar, na pequena área, onde subiam dois zagueiros. Onde subia um atacante. Venceu o atacante. Para o fundo das redes abertas, ele raspou de cabeça e assinalou o improvável 2 a 2. Em cinco minutos, com nove jogadores, o lanterna da chave recuperou uma derrota certa contra o time que ia assumindo a liderança do grupo.
O som da torcida no pavilhão do Miguel Waihrich Filho amplificou-se como convém às grandes remontadas. Em campo, jogadores enlouquecidos ajoelhavam-se, abraçavam-se, socavam o ar. A vontade de brigar, tão presente nos do Milan, agora surgia nos do Santo Ângelo. Para as bandas dos cinamomos, a faixa pedindo a saída de Valduíno sumiu rápida e misteriosamente. Todos passaram a saudar o time que destratavam até há pouco. Depois do assobio final do árbitro, os episódios de violência explícita e inebriante desenrolaram-se em frente à boca do túnel. Socos, pontapés, aquela coisa. Nada de muito letal. Já nos vestiários, mais tarde, questionado sobre as agressões gratuitas cometidas pelos seus atletas, o já lendário Valduíno desconversou:
– Foram lances normais de jogo.
É por isso que eu amo a Segundona.
3 comentários:
Saiu a súmula do jogo. Vamos aos nomes das criaturas:
MILAN 2-2 SANTO ÂNGELO
52' Edmar (gol S) 0-1
68' Castro (gol S) 0-2
72' Leandro (exp. M)
82' Adriano (exp. M)
88' Wilian (gol M) 1-2
90+3' Fabrício (gol M) 2-2
* Na súmula o tempo dos gols consta como 52, 73, 90 e 94 minutos. Mas está errado. Eu CRONOMETREI, eu sei que está.
** Na súmula divulgada no site da FGF também consa que Fabrício Borges foi expulso aos 82 minutos, e que empatou o jogo aos 94. Para ver como é confiável o tal documento. O segundo expulso foi Adriano mesmo, assim disseram as rádios. Rádios > súmulas toscas.
Brilhante artigo!
Realmente pareceume excelente porque reflete como se vive o futebol na segundona. Como diz o titulo, é "FUTEBOL PURO"
Ali não ha grandes anuncios nem dinheiro, mais a paixão do futebol é a mesma, porque se joga simplemente pelo futebol.
Saludos
neste caso que o jogador foi expulso aos 82 min e fez o gol aos 94 min já da para ver a competencia da arbritagem por isso tenho uma sujestão para melhorar estes acontecimentos lastimaveis no futebol,porque só o que diz na sumula pelo arbrito vale eles colocam o eles querem na sumula e o atleta é julgado e condenado tendo que tenha para o clube uma sumula que tambem possa colocar o que o arbrito faz e diz aos jogadores e técnicos de futebol direitos iguais de defesa um bom dia e obrigado direitos iguais a todos tá na constituição brasileira.
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