Sentado em algum setor do Beira-Rio entre os 51.803 presentes, o Zeca devia estar se sentindo um amaldiçoado. Seria possível que na sua primeira grande final vivida plenamente, e dentro do estádio, o Inter ia perder? Considerando Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil, Libertadores e Recopa, o Inter jamais perdera uma partida de final às margens do Guaíba. No máximo empatou – e, não tendo levado a taça, foi por culpa do resultado fora de casa. Mas ontem o Zeca estava lá. E o Internacional perdia.
Chegou a tal ponto de desespero em parte porque a sua melhor qualidade em relação ao Estudiantes, um consenso no Rio Grande depois da vitória na Argentina com dez em campo, esteve sumida em grande período do jogo desta quarta-feira. O time de La Plata, obrigado a buscar o resultado, foi, só na primeira meia hora de embate, mais incisivo do que fora em todo o jogo dentro de casa. Até um gol fez, aos 32 minutos, mal anulado pelo assistente do árbitro uruguaio Jorge Larrionda, numa das tantas marcações equivocadas numa noite em que as torcidas dos dois lados tiveram motivos para se queixar.
Embora a inação passasse longe do Internacional, o Estudiantes continuou levemente melhor. Na sua cadeira, ou pedaço de geral, vá saber, o Zeca devia sentir no ar algo estranho, um odor de tragédia iminente, dos grandes títulos imperdíveis que parecem querer se perder. Ao intervalo, o Estudiantes dava uma mostra clara de estar muito superior ao apresentado na semana anterior. Fazia isso tendo menos time que os gaúchos, passando pela partida como um equilibrista que anda numa corda fina. Se ultrapassar tudo ileso era possível, a probabilidade de se esborrachar no chão quando o Inter resolvesse pressionar e cortar a sua sustentação era maior.
O Inter, porém, não conseguiu derrubar os argentinos ali de cima. Começou a etapa complementar forte, em catorze segundos Andrezinho já perdia um gol, mas os de La Plata seguiram na sua passada. Aos 65 minutos, Alayes emendou uma sobra de primeira e fez o 0 a 1 que trouxe à tona todos os temores do Zeca. E do Inter, e de todos aqueles que não esperavam sair atrás na contagem. A igualdade levemente pendida para o lado argentino, existente até então, foi desfeita. O Estudiantes abandonava seu equilibrismo não para dar com os beiços no chão e perder uns dentes, mas para caminhar tranqüilamente sobre o solo plano. Dali até o fim, os brasileiros fizeram muito pouco ofensivamente. Mas o time de fora, gastando suas energias no intento de aproveitar o domínio obtido, reduziu dramaticamente o seu fôlego para os estafantes trinta minutos da prorrogação que só um segundo gol poderia evitar.
Não houve o segundo gol. Quando começou o tempo extra, o Estudiantes não tinha pernas. A partida tornou-se plenamente colorada. Aos 98 minutos do cronômetro contínuo, Verón, a referência dos argentinos, deixou o gramado, e ali caía o último pendão platense. A eles, agora, restava o coração. Ao Inter, as estocadas impiedosas. O Beira-Rio, que, com exceção da área da Popular, havia ficado amuado nos momentos difíceis, voltou a ser o estádio pulsante do início, com o Zeca lá no meio, sofrendo a cada ataque, crendo na possibilidade do título com a bola rolando, antes da loteria dos pênaltis. O Inter, afinal, era melhor, e ao contrário do que viera antes na partida, honrava essa condição. O momento de fazer o gol estava ali.
Pelos 101 minutos, uma seqüência de bolas rebatidas na área visitante, com duração de uns trinta segundos, terminada com uma defesa de Andújar mandando para escanteio um chute de Bolívar, deu o sinal para que o Estudiantes se segurasse, pois a sua situação pioraria. Pelos 110, o Inter entrava na área argentina como queria. Pelos 113, após um cruzamento, o gol. Andújar salvou a primeira cabeçada, mandando a pelota no travessão; salvou também o rebote, com outra intervenção estupenda; mas estava batido no terceiro lance e viu a impotência de dois de seus defensores diante de Nilmar, que estufou as redes e correu para a glória. Estava feito o 1 a 1 do título invicto.
O tempo restante com a bola rolando é história que não merece ser contada. Pela terceira vez nas últimas três temporadas, uma noite de decisão continental terminava com festança no Beira-Rio. E desta vez o Zeca estava lá, vivendo tudo, gritando sob os fogos que espocavam no céu. Não é um amaldiçoado, no fim das contas. Não com a capacidade de frear a aura copeira mantida pelo Inter desta década. A Copa Sul-Americana recuperou um ano que, com a campanha modesta no Brasileirão, sem vaga na Libertadores, poderia ter acabado melancólico. Se ela vale pouco? Isso é subjetivo. No fim da jornada que começou na quarta e terminou na madrugada de hoje, havia apenas uma verdade absoluta: a de que o Inter é o único clube do Brasil a possuir em suas vitrines todas as taças internacionais disputadas atualmente.
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