segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

A volta olímpica sem taça

Trinta e oito rodadas, como as que possui o Campeonato Brasileiro, avançam por longos meses, por um ano quase inteiro, confundindo o andar da vida dos torcedores com os resultados da sua equipe. Nasce a esperança e então a ansiedade. Brota a aflição seguida de temores. Em qualquer canto da tabela, trinta e oito rodadas demoram tempo demais para passar, cobram um preço alto de quem as acompanha. Muitas vezes para nada ou, pior, para a dor. Outras para a glória.

Por essa glória, os dedicados torcedores que passaram o ano evoluindo com o Brasileirão não arrefeceram seu interesse pela definição do título pelo circo armado no sábado, com o escândalo do envelope, o suposto suborno endereçado ao árbitro Wagner Tardelli, escalado para a partida do São Paulo e substituído em função do caso ainda não totalmente esclarecido. Imaginava a maioria que, fosse quem fosse o mal intencionado, as mãos que erguessem a taça no domingo seriam as dos campeões imutáveis de 2008. Milhares, gremistas no Olímpico, são-paulinos no Bezerrão, esperavam que as mãos fossem dos seus ídolos.

Em Brasília, no Gama, o líder São Paulo podia até não atacar o Goiás, que o empate lhe garantiria o título. Em Porto Alegre a persistência continuava sendo pelo milagre de recuperar os três pontos de diferença na rodada final. Começou tenso, o jogo em solo gaúcho, entre Grêmio e Atlético Mineiro, e tenso se manteve nos minutos posteriores, em que o Grêmio, morno, atacava pouco. A expectativa dos tricolores do Sul era abrir seu placar cedo, causando pressão sobre o São Paulo na outra partida. Não funcionou. Penando no seu 0 a 0, o Grêmio terminou sendo o pressionado por gols alheios, quando Borges, em claro impedimento, fez 0 a 1 sobre o Goiás no Distrito Federal.

Estava afirmada a inutilidade de qualquer esforço gremista para buscar o título. Os jogadores não queriam saber disso. Ordenaram que o placar eletrônico do Olímpico não noticiasse qualquer coisa que viesse de Brasília. Precisavam fazer a sua parte, o resto se veria depois. Mas estava óbvio na reação dos torcedores. Excetuada a Geral, os demais setores do estádio emudeceram. Ali perto, atrás da pista atlética, um representante gremista que ficasse atento aos aficionados poderia perceber alguns com as mãos na cabeça. O título não viria.

Daquele jeito, nem a própria parte o Grêmio parecia capaz de fazer. Aos 33, o Monumental voltou a cantar alto, num chute de Souza, que parecia anunciar mais investidas tricolores. Era ilusório. Os minutos seguintes foram todos do Atlético: aos 34 e 36, dois gols anulados do Galo, o primeiro corretamente, o segundo uma jogada duvidosa que o replay mostrado pela transmissão ao vivo não foi capaz de solucionar; aos 38, o goleiro Victor foi exigido em uma difícil defesa de mão trocada.

Ao intervalo o São Paulo foi como campeão e assim terminaria o domingo, sem alterações no placar. O Goiás pouco atacaria no segundo tempo. Em Porto Alegre, com seu Grêmio ainda lento, Celso Roth buscou maior dinamismo tirando Rafael Carioca e Hélder para botar os velozes Felipe Mattioni e André Luiz. Surtiu efeito. As arrancadas de ambos fizeram o perigo aumentar nos arredores da área atleticana, e as chances do Galo foram rareando. Aos 61, Mattioni foi derrubado na área mineira. Pênalti. O capitão Tcheco que, na condição de batedor principal do Grêmio nas últimas três temporadas, só errou uma cobrança até hoje, não falhou e fez 1 a 0.

Menos de cinco minutos depois, a derradeira nesga de esperança da tarde. Uma explosão de alegria tomava conta dos torcedores nas arquibancadas. A loucura desnorteou a todos. De alguns perdidos, vinham gritos de que o jogo do Distrito Federal havia sido empatado. Alienados em campo, ouvindo as cantorias maximizadas, os jogadores aumentavam seu interesse em saber a causa daquilo. Perea foi ao banco de reservas para obter a resposta que poderia mudar toda a história da temporada: “foi gol do Goiás?” Não era. Dois gols sucessivos do Figueirense sobre o Internacional em Florianópolis, virando o jogo de lá para 3 a 1, era isso que originara os festejos. A rivalidade, sempre ela. Sabedores da impossibilidade de realizar sua ilusão, os gremistas decidiram festejar com o que tinham em mãos.

Era uma forma de afastar das idéias o pensamento que amargou as últimas semanas azuis. O título, tantas vezes próximo, tantas vezes distante, sempre possível, possível até a última das trinta e oito rodadas que parecem nunca acabar, não viria mesmo. Aos 82, Soares, em campo havia pouco, cabeceou para concluir o 2 a 0 de pouco valor. No fim, o Atlético chegou ainda uma vez, parando no derradeiro milagre do arqueiro Victor no ano, que se levantou, bateu no peito, e foi ovacionado. Num time sem craques, o goleiro que levou somente 35 gols em 38 rodadas, o menos vazado da elite do país, com direito a repetidas intervenções inacreditáveis, era a estrela máxima.
Logo depois, acabou em Brasília. Goiás 0 a 1 São Paulo. Seis títulos brasileiros para o clube do Morumbi, um inédito tricampeonato consecutivo. Enquanto o gramado era invadido na capital federal, no Olímpico os torcedores davam uma mostra valiosa de reconhecimento. Instantaneamente, tão logo a notícia do vice-campeonato se consumou, os mais de 46 mil presentes se levantaram e passaram a cantar, a aplaudir. Anunciavam chuvas de pingos de amor, entoavam cânticos lembrando velhas glórias sul-americanas, como que anunciando que a meta, desde a desilusão de ontem, passou a ser a Libertadores de 2009.

Não havia júbilo em Porto Alegre. Porém, tampouco havia uma decepção incontornável. Assim como é complicado definir o que representou a campanha do Grêmio, é difícil descrever o que havia no ar. Uma espécie de orgulho. O time que fracassou sem fracassar, tendo brigado pelo título sem ser cotado para isso e tendo deixado o mesmo título escapar depois de quase tê-lo agarrado, viveu uma temporada de contradições. Terminado o jogo, os aplausos continuaram. Nós, como bons torcedores, sem hesitarmos sequer, aplaudiremos o Grêmio aonde o Grêmio estiver, diz uma das estrofes do hino do clube. Sem hesitar sequer, os torcedores aplaudiam. Emocionados, os profissionais gremistas eram tomados de uma necessidade incontrolável de anunciar aos microfones seus pedidos de desculpas por não premiar o apoio com a conquista do campeonato.

Sem poder dar aos torcedores um troféu, o capitão Tcheco puxou os companheiros para uma volta olímpica em que, na ausência das celebrações sonhadas, era ofertado o agradecimento dos jogadores. A volta olímpica sem taça, a caminhada dos derrotados sob ovações, tentava de alguma forma dizer que a esperança sem frutos deste ano deve ser renovada para os desafios de 2009.
“Eu, particularmente, ainda não tinha visto um fato dessa grandeza em um estádio de futebol.”
Ruy Carlos Ostermann, Zero Hora

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