quinta-feira, 5 de junho de 2008

O maior Fluminense

Com 57 minutos de jogo, o Maracanã se desesperou. O cruzamento veio da esquerda, buscando a segunda trave, onde Palermo aguardava. Estava sem ângulo, o grande artilheiro dos azul y oro. Achar um gol naquelas condições exigiria seguir alguma intrincada matemática para descobrir qual trajetória dar ao esférico. Palermo usou a cabeça, não para calcular, mas para tornar a dificuldade em festa boquense: seu desvio entrou no quase inexistente espaço entre o iluminado arqueiro Fernando Henrique e sua trave.

O Boca fazia 0-1.

Antes, tudo fora festa. O Fluminense tinha no placar nulo sua fortaleza para atingir a decisão inédita, e colhia os frutos dos 2-2 buscados em Avellaneda. O inesquecível Maracanã acolhia 84.632 presentes – a imensa maioria de tricolores aliviados. Não havia motivos para pânico, de fato: o Flu não incorreu no erro comum aos adversários do Boca que, uma vez tendo obtido bons resultados fora de casa, acomodam-se acreditando em administrar a situação no seu estádio – os cariocas atuavam com a mesma determinação mostrada na Argentina. O confronto era de equivalência, dois grandes quadros jogando no máximo de suas capacidades.

Empate, portanto, justo. O gol do Boca, o gol de Palermo aos 57 minutos, desfez esse equilíbrio. O Maracanã silenciou por alguns instantes, o sonho poderia ruir. Seria possível um time tão copeiro a ponto de buscar, invariavelmente, seus resultados fora de casa? Mesmo num confronto tão igual? Mesmo com o Fluminense buscando o inédito, vivendo outra noite de gigante?

Sim, seria possível. O Boca Juniors fez o que sempre faz, lutou como sempre luta, buscou a classificação como sempre busca. O Fluminense é que foi diferente. O abalo das arquibancadas depois do 0-1 não se repetiu nos jogadores. Sobre o gramado, continuou não havendo motivos para desespero. O Flu estava bem, permaneceria bem, a equipe sabia disso. E continuou no seu (alto) nível.

Com 63 minutos de jogo, o Maracanã retomou a loucura. Washington, herói contra o São Paulo, herói contra o Boca. Bela cobrança de falta, delírio, 1-1 no marcador. O Fluminense voltava à final.

Seguiu o que se deve seguir numa partida desse tipo. Os argentinos precisavam vencer. Inegavelmente, buscavam o gol. Tinham azar, viam a bola desviar na zaga, sobrar nas mãos do arqueiro adversário. Quando o Grêmio perdeu para esses argentinos na Libertadores de 2007, parecia incerto, no momento da derrota, o que faltara para erguer aquela taça. Ontem, ao Boca, alguém poderia dizer que faltou sorte de campeão. Os lances saíram, a pressão veio. O gol, não.

Sorte de campeão. Talvez isso tenha sobrado ao Fluminense, competente, sim, mas igualmente afortunado. Aos 71 minutos, Dodô assistiu Conca, e este chutou. Em meio ao seu vôo, a bola desviou em Ibarra e mudou completamente de caminho. Foi à glória. Ao fundo das redes do goleiro Migliore, incapaz de voltar a tempo para anular o efeito inesperado tomado pelo tiro. O Fluminense remontava. E ia à final.

O jogo não acabou ali. Ainda haveria outro conto épico reservado para os vinte minutos finais. Um tempo de terror. Lances, lances, lances boquenses intermináveis. Defesas de Fernando Henrique, bolas raspando a trave – no intervalo de três minutos após o 2-1, quatro lances claríssimos foram perdidos pelos argentinos. Outros tantos seriam desperdiçados mais adiante. No gol desse Fluminense, fazer a bola entrar era algo que demandava esforços além do normal. E o Boca não mais faria a bola entrar. Nos acréscimos, o estádio inteiro pulsando, a bola na defesa argentina, o último minuto do jogo. O Boca Juniors armava seu derradeiro contra-ataque, última chance de salvação. Agora ou nunca.

Nunca. Dodô roubou a bola em frente à área argentina. Do que seria contra-ataque áureo-cerúleo, criou o gol tricolor. 3-1 na contagem. Fim de 45 anos sem vitórias brasileiras sobre o Boca em mata-matas de Libertadores – e proporcionado logo por quem?! Por um clube que jamais, até 2008, havia superado uma mísera primeira fase de Libertadores!

Proporcionado pelo Fluminense. Porque esse Fluminense não é aquele das campanhas desastradas nas últimas décadas. Esse Fluminense empolga. É um clube maduro, enfim forte internacionalmente. É maior do que tudo visto antes em sua história mais que centenária. E poderá concluir a transformação levando o maior dos títulos.

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