Na primeira fase da Copa do Mundo de 1986, a Seleção da Dinamarca arrasou como nunca havia feito. Aparecendo em um grupo de adversários respeitáveis, atuou de rolo compressor para destruir cada um deles: 1-0 na Escócia, 6-1 no Uruguai, 2-0 na Alemanha Ocidental – seu único gol sofrido tinha sido pelos pés do craque uruguaio Francescoli. Mesmo assim, em uma cobrança de pênalti. A campanha rendeu um apelido histórico, e nem o fracasso da fase seguinte do mundial (eliminação diante da Espanha de Butragueño com acachapantes 1-5 nas costas) foi capaz de tirar: Dinamáquina. Um mecanismo composto por uma mágica geração de atletas, mas que só seria bem montado seis anos depois, na Eurocopa de 1992, na Suécia – quando a máquina deixou de ser produtora de ilusões para virar um grande sistema para atração da taça continental.
As eliminatórias daquela Euro consagraram com a classificação ao torneio final as seleções da França (oito vitórias em oito jogos num grupo em que a Tchecoslováquia fez sua última disputa no futebol), União Soviética (que seria desfeita depois dos qualifyings, jogando a fase final da Euro como a Comunidade de Estados Independentes, formada por 12 das antigas 15 repúblicas socialistas soviéticas, cuja bandeira é representada à esquerda), Alemanha (originalmente, as duas Alemanhas jogariam o mesmo grupo, mas a unificação transformou a chave de cinco times num quadrangular), Escócia, Holanda, Inglaterra e Iugoslávia, além dos anfitriões suecos.
Onde estava a Dinamarca? Em casa. Somando um ponto a menos que os iugoslavos, o time simplesmente não havia se classificado à fase final do torneio europeu. Então, a uma semana do início da competição, aquilo que ninguém esperava: a UEFA chamou os dinamarqueses. Não chamou de graça, obviamente: a Iugoslávia vivia um momento de extrema agitação política, com movimentos de independência proporcionados por bósnios, croatas e eslovenos sendo rebatidos com violência genocida pelo governo sérvio de Slobodan Milosevic. A ONU aplicou suas sanções. A confederação européia, no poder que lhe cabia, fez vir também a punição esportiva. A vaga do selecionado balcânico mudava de mãos, e os escandinavos ganhavam a chance de jogar um continental – praticamente sem tempo para qualquer preparação.
O selecionador Richard Møller-Nielsen, cujo maior plano para aquele verão era remodelar a cozinha de sua casa (como revelaria após o fim da Euro), foi chamado para, às pressas, encarar uma missão mais desafiadora: anunciar uma convocatória e, do jeito que fosse possível, tentar representar a nação dignamente na Euro. A Dinamarca de Nielsen em 92 teve dois acréscimos importantes em relação ao time ilusório da Copa do Mundo do México: o goleiro Schmeichel e o ofensivo Brian Laudrup. No entanto, perdia o Laudrup mais velho, Michael, que, cansado após a temporada espanhola passada no Barcelona, decidiu não atender ao chamado vindo tão em cima da hora.
Ainda surpresos, os dinamarqueses iniciaram o torneio fazendo o que esperavam: uma campanha esforçada. Na estréia, empataram bem em zero contra a Inglaterra, mas depois foram derrotados pela Suécia por 1-0. Chegaram à rodada final com 1 ponto, lanternas e azarões do grupo: a Suécia liderava com 3 unidades (1-1 na França e vitória contra a Dinamarca), e França e Inglaterra tinham 2 pontos (os empates da estréia e um 0-0 no confronto direto da segunda jornada). Havia toda a sorte possível de combinações de resultados – poucas sorriam ao time do técnico Nielsen. Aos 4 minutos, a Inglaterra fez 0-1 na Suécia, assumindo um posto de classificação. Aos 8, a Dinamarca igualmente abriu o placar, derrotando a França – àquela altura, os dois times morriam abraçados. Veio o segundo tempo. A Suécia empatou. A França, esperançosa, também; classificar-se-ia pelo saldo de gols, caso mantidos os dois 1-1. A Suécia ainda viraria para 2-1. A França, não. Com a vaga nas mãos, o time do agora treinador Michel Platini levaria um tento aos 78 minutos, o 2-1 dinamarquês. A improvável passagem de fase: 5 pontos para suecos, 3 para a Dinamarca, e Inglaterra e França caindo com suas 2 unidades de antes da rodada.
Essa definição agônica não se repetiria na outra chave. Lá, é bem verdade, Holanda, Alemanha e a Comunidade dos Estados Independentes chegaram à última rodada com chances reais de passagem de fase, mas... A CEI, que tinha a pior situação entre os três, levou um baile da eliminada Escócia no jogo decisivo, sofrendo 3-0 e ficando completamente sem ação. O Holanda 3-1 Alemanha do outro duelo se revelou praticamente inútil, servindo apenas para determinar o primeiro e segundo lugares do grupo e, principalmente, acordar os alemães, então campeões do mundo: estava faltando futebol. Não faltaria nas semifinais, quando o time se classificaria sobre a Suécia após atuação tranqüila, a despeito do resultado apertado de 3-2: a Alemanha sempre se manteve à frente no placar, por duas vezes com margem de um par de gols.
A outra meia final foi mais empolgante. Afinal, um time desacreditado como a Dinamarca resolvera mostrar futebol capaz de parar a atual campeã do continente. Os dinamarqueses se adiantaram no marcador sobre a Holanda, fazendo 2-1, tendo sua meta vazada somente aos 86 minutos, em tento de Rijkaard. Aí a equivalência cessou, e o duelo virou completamente laranja. Na prorrogação, a pressão era extraordinária. O lendário arqueiro Schmeichel, sétimo melhor sobre as traves no século XX, segundo a IFFHS, brilhou. Sustentou o empate do seu time até os pênaltis e, uma vez neles, cometeu outro feito: parou o tiro poderoso de Van Basten, deixando a contagem final em 5-4 para a Dinamarca.
Na decisão do dia 26 de junho, no estádio Nya Ullevi completamente lotado em Gotemburgo, Schmeichel conteria as investidas de outro time que se julgava melhor. A Alemanha iniciou o jogo no ataque, sem obter sucesso. A Dinamarca bateu primeiro, Jensen fez 1-0 no minuto 18. Depois, retranca, chutão, Schmeichel salvando tudo. E outro gol. Aos 78 minutos, momento em que os germânicos começavam um desesperado tudo ou nada, Vilfort anotou o 2-0 definitivo. Era o título dinamarquês. A coroação da Dinamáquina – de forma tardia, como tardia havia sido a abertura da sua vaga na Euro 1992.
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