A mesma televisão que oferecia as transmissões em direto dos grandes jogos brasileiros da quarta-feira era a responsável por forçar a ocorrência deles num mesmo horário. Ontem, o dilema voltou àqueles amantes do futebol que aguardam a grande chance de acompanhar as maiores decisões da temporada. Perto das 22 horas, quando três bolas começaram a rolar, por semifinais de volta da Copa do Brasil, por semifinais de ida da Libertadores, o controle remoto virou aliado no intento de não perder detalhes da grande noite.
Em São Paulo, Corinthians e Botafogo. No Rio de Janeiro, Vasco da Gama e Sport Recife. Dois jogos titânicos definindo classificação à única final nacional que restou ao Brasil em tempos de pontos corridos; dois jogos em que a necessidade de remontada, ao Corinthians um 2-1, ao Vasco um 2-0, transformariam a disputa em guerra de nervos pela superação. Em Avellaneda, pela América, Boca Juniors e Fluminense entravam em campo para a maior jornada dos quase 106 anos de história do quadro carioca.
Jogos de interesse geral. Que seriam vistos, mal, ao mesmo tempo. Nessas alturas, a torcida neutra por um grande futebol em todos os duelos já se reduzia, preferindo a facilidade de acompanhar apenas um confronto centralizando as emoções da noite. Os primeiros três quartos de hora favoreceram esse plano: nos embates copeiros do Brasil, dois resultados de 0-0 que não entusiasmavam a mudar de canal. Valia a pena ficar sintonizado na Libertadores, vendo o genial Riquelme fazer 1-0 com dez minutos, adentrando pelo meio da zaga do Flu para empurrar a pelota ao gol aberto pela saída ruim de Fernando Henrique, que tentava prejudicar o cruzamento.
Com seus lances, o elétrico jogo da Argentina esfumaçava as lembranças de que havia uma Copa do Brasil sendo jogada ao mesmo tempo. À falta de anúncios de gols anotados no Morumbi ou em São Januário, mantinha-se a ansiedade no confronto do qual, pensa a maioria, sairá o futuro rei do continente. Cinco minutos depois do tento de Román, o Fluminense buscou o empate, em desvio de cabeça de Thiago Silva numa cobrança de falta. A oportunidade dos de Renato Gaúcho é única a um ponto em que nem os temores de enfrentar os áureo-cerúleos fora de casa poderia frear a busca por um resultado – perder, mesmo que por pouco, avisou o arqueiro do time antes do jogo, não seria um bom resultado.
O um a um comprovou a escolha certa em acompanhar a Libertadores no início da jornada de ontem. Copa do Brasil? O primeiro tempo definitivamente não foi dela.
Mas bastou que as três bolas tivessem um descanso de quinze minutos e todos os duelos recomeçassem para a arte de zapear ser exercida fervorosamente. Na Globo, a tradicional bolinha avisando que uma rede balançara pintou. E pintou pelo gol de Acosta, no Morumbi, fazendo 1-0 para o Corinthians. O controle remoto transportava agora para lá, onde certamente algo aconteceria – o tento, afinal, eliminava o até então classificado Botafogo, que não deixaria as coisas assim. Não deixou. Cantando loucamente, a Fiel sofreu um baque com um gol de Renato Silva, silenciador, aos 53 minutos – três depois do 1-0. A igualdade nasceu de uma desastrosa saída de gol do camisa 1 Felipe, no que poderia ter sido o maior erro da noite, não viessem os fatos posteriores da Argentina. 1-1 classificava o Botafogo, e o jogo se punha outra vez dramático: ao Timão, marcar mais um gol seria suficiente, apenas, para levar aos pênaltis.
De volta a Avellaneda. Enquanto Boca e Flu ainda se igualavam pelo placar da primeira etapa, o Vasco fazia 1-0 no Sport em São Januário, com Leandro Amaral, resultado que ainda o eliminava; pouco depois, a bolinha global voltaria à tela, anunciando o 2-1 favorável ao Corinthians anotado aos 64 minutos do jogo de São Paulo – por lá, caso o marcador não mudasse, pênaltis. E, pela Argentina, uma falta para os boquenses. Falta? Riquelme? Cobrança primorosa, ajuda da barreira com desvio leve, golaço no ângulo, Boca 2-1.
Um minuto depois, nova passagem pela capital paulista. Lúcio Flávio tem falta em boa posição, semelhante à de Riquelme, podendo empatar o jogo para o Botafogo. Mas bate por cima. São poucos, os gênios. Nem tão poucos são os anti-heróis do gol: aos 77 minutos no Cilindro, surgiria uma falha que superou por léguas aquela de Felipe. Thiago Neves arriscou chute de fora da área, Migliore frangueou como não convém a um arqueiro num jogo de tal importância, e aceitou o 2-2, um gol tricolor com a sorte dos campeões. Lá, como no Morumbi com seu 2-1, o placar não se alteraria.
O jogo esquecido ainda era o do Vasco contra o Sport. Desde o princípio, poucos julgavam possível remontar os 2-0 sofridos na Ilha do Retiro. Até o fim, eles estavam com a razão. Mas o Vasco pressionava diante do seu estádio lotado. Dos dez jogadores defendendo suas cores – Luizão havia sido expulso – o time cruzmaltino mantinha nove no campo ofensivo. Aos 90 minutos, Pablo, que não tem medo de ousar, arriscar, mandou o tiro. Magrão não logra a defesa e Edmundo recupera a sobra para fazer o 2-0. Estava feita a remontada, conquistada a passagem aos pênaltis.
Pênaltis como no Morumbi, primeiro lugar a ouvir o apito final. São Januário confirmou a situação a seguir. Permaneceu a bola rolando em Avellaneda, mas nada capaz de alterar o aparentemente bom empate do Fluminense – que volta em vantagem, podendo jogar por placar nulo no Maracanã, embora vantagem não seja algo existente quando se fala em enfrentar o Boca Juniors.
Um jogo a menos, duas definições ainda desconhecidas. Era inédito: as duas semifinais da Copa do Brasil sendo disputadas ao mesmo tempo e encontrando o mesmo desfecho. Era a chance da TV dar uma oportunidade àqueles cansados de apertar os botões do controle remoto, retardando o começo de uma das disputas de penalidades máximas. Retardou no Rio, onde se fez uma zorra sobre o gramado, possibilitando que, quando a disputa se iniciasse por lá, a de São Paulo já estivesse na quarta série.
Com perfeição, por sinal. Até a quarta série da disputa paulista, todas as cobranças eram uma mostra rara de frieza, qualidade, capacidade de deslocar os arqueiros. Gols, gols, gols, de corinthianos e botafoguenses.
Qualidade inexistente em Edmundo. Salvador no tempo normal, porém velho perdedor de pênaltis, o Animal chamou a responsabilidade de abrir a seqüência do Vasco – e errou, como de costume.
Errou também Zé Carlos, para o Botafogo. Diante dos mais de 60 mil do Morumbi, sob a pressão da obrigatoriedade de anotar sua cobrança – o Corinthians fizera 5-4 –, ele mirou no canto esquerdo. Felipe buscou, espalmando para a trave que, amiga, mandou o balão longe. Os de Mano Menezes iam à final, o Fogo era de palha, fracassando mais uma vez tão perto do topo.
E ninguém mais errou no Rio. Até os goleiros, e ambos cobraram o terceiro penal de seus times, tiveram aproveitamento pleno nos penais que se seguiram ao de Edmundo. O 4-5 também apareceu por lá, e classificava à decisão o Sport, fechando a noite de quarta-feira.
Na próxima semana, o Fluminense precisará fazer do empate de ontem uma epopéia, eliminando os argentinos. A Copa do Brasil queda sem essa necessidade: qualquer vencedor, seja o Corinthians como exemplo de um grande que não se apequenou na Série B, seja o Sport quebrando vinte anos sem títulos brasileiros para o Nordeste, terá obras merecedoras da taça. Mas quem será o tal vencedor? Isso é uma definição para outras quartas-feiras de partidas desgraçadamente simultâneas.
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