Nos ouvidos de Pablo, ainda ecoava o som do apito do juiz, autorizando a cobrança do seu pênalti, o último vascaíno na série decisiva frente ao Fluminense. Semifinais de Taça Rio, Maracanã, grande público. Ninguém estava perto do jovem atleta, mas todos os presentes podiam experimentar o descompasso de sua respiração, os tresloucados batimentos cardíacos. A tensão não estava só a pressionar o cobrador, estava sobre o estádio inteiro. O último pênalti da série.
Era esse o sentimento de Pablo na noite de sábado último no Rio de Janeiro. O peso de, pela primeira vez, não estar jogando apenas com os seus temores, com os seus sonhos, com tudo aquilo que, se não pudesse administrar, ainda assim só diria respeito a ele e aos seus próximos. No sábado, ele tinha milhões de corações batendo dentro do seu peito. Batendo, batendo, batendo. Ansiosos por um gol, alheios ao que ocorria fora do espaço do Maracanã. Só interessava, ali, o que ocorria nos onze metros entre a circular marca de cal e a linha definitiva do arco.
Era a estréia de Pablo na equipe profissional. Antes daquilo, não fora fácil superar todos os caminhos de ingresso em um grande clube de futebol. Foi preciso suar, batalhar, correr, mostrar do que era capaz, jogar o possível e, às vezes, dar sinais de que conseguia tocar as impossibilidades. Uma dura trajetória coroada na estréia, há dois dias, no vigor de seus 19 anos. Mas uma trajetória de apostas suas, dos seus próximos, de ninguém mais. Não estava jogando com uma paixão centenária, com uma paixão de milhões.
Começara a notar aquilo durante a semana. Ouvira, primeiro boatos, depois a confirmação de fato, na concentração, nas preleções: seria titular no clássico decisivo, no mata-mata contra o Fluminense. Encararia o Maracanã lotado. E o faria com grandeza. Estava disposto a estrear ao lendário, fazendo uma atuação de encher os olhos. Muito esperara a chance, não desperdiçaria. Estava nervoso, sim, e por isso caminhava, meio sem rumo, entre os companheiros, nos dias anteriores ao duelo. Pensava, repetia mantras, tentava se acalmar e sonhar com um ainda nebuloso futuro de glórias.
Sim, faria uma estréia de sonhos. Não tremeria. Seria um forte. Assim se mostrou durante a partida inteira. Jamais fugiu, jamais temeu. Foi ao ataque, defendeu com vigor, marcou em cima. Participou das jogadas, sem medo do erro. Estava lá para ajudar os companheiros, a si próprio, ajudar a torcida a comemorar um triunfo. Da lateral-esquerda, onde a tática o esperava, partiu a todos os setores do gramado em busca da vitória, no tempo normal.
Mas o Vasco não conseguiu evitar a igualdade. Terminava com o placar de um a um a primeira partida profissional de Pablo. Terminava sem terminar. A bola não rolaria mais, o cronômetro estava parado, mas era um mata-mata – por natureza, intolerante com empates. Precisava eliminar alguém. Viriam os pênaltis.
“Vais bater um”, deve ter ouvido Pablo, em tom de desafio ou indagação, no intervalo entre o apito final e o início dos pênaltis. “Vais bater um”, talvez fosse sua própria consciência o convencendo do destino inevitável. A estréia necessitava de algo mais. Não lutara tanto para chegar ali, não lutara tanto pela vitória, para ficar de mero espectador na hora decisiva. Bateria, sim. E bateria o último. Corajosamente.
Desesperadamente. Viu todas as cobranças serem convertidas, uma a uma. Gol do Vasco, gol do Fluminense. Quatro vezes. Quatro a quatro no placar das penalidades. “Lá vai o Pablo”, diziam os repórteres de campo, como duvidando do que o futuro próximo reservaria. Estaria ali o herói saído das bases rumo ao gol da classificação? Estaria ali o vilão, um símbolo de uma aposta fracassada? Estava ali, na realidade, um jovem esforçado, disposto a tudo pelo seu time. Disposto a se expor às críticas em nome de corações que, não sendo seus, batiam no seu peito. Batiam sob a cruz de malta vascaína, a cruz que ele carregaria pela via crucis do meio de campo até a marca do pênalti. Uma cruz pesada. Mas incapaz de fazê-lo tremer.
Nos noventa minutos de uma partida profissional, Pablo pudera experimentar o gramado do Maracanã. Uma prática escassa, mas suficiente para ele notar que ali, diferentemente dos nem sempre louváveis campos da base, a bola rolava. Ali poderia se bater um pênalti rasteiro, colocado, sem medo de desvios em irregularidades. Não estava querendo arriscar, no entanto. Precisava ter segurança, saber que aquela bola entraria, sem dar margens a uma provável defesa do arqueiro. Também não daria um chute forte, desmedido, não num jogo daqueles, sendo o último pênalti do seu time na série obrigatória.
Faria como os grandes ensinaram, isso sim! Correria, daria uma discreta paradinha, mataria o antagonista postado sobre a linha e, então, só chutaria no canto oposto. Tinha coragem para isso. Possuía, igualmente, qualidade. E então ouviu o apito do juiz. Correu, correu sem titubear. Parou, numa fração de segundo, imperceptível ao observador desatento, suficiente para o goleiro afobado. Matou o goleiro. O canto direito, gigantesco, se abria magicamente. Não havia chance de defesa. Bateu. Viu a bola tomar o caminho certo, rumo ao canto aberto. A consagração! A consagração! A vitória! Já não podia mais deixar de se inundar por esses sentimentos, até ver que a trajetória não era tão correta quanto esperava. Atônito, parado, assistiu ao esférico bater caprichosamente na trave, chocar-se, depois, com o corpo do goleiro, e voltar exatamente na sua direção, debochado.
No tiro seguinte, Gabriel classificaria o Flu, com um 5-4. Pablo deixou o campo eliminado, chorando. Como choraram milhões de vascaínos ao final daquele jogo. Não houve consagração para o estreante, não haverá título carioca no 2008 cruzmaltino. Mas há a grandeza da coragem, representada na imagem e na agonia de um Pablo que se esforçou até onde pôde. E essa é a primeira pedra para construir um restante de ano melhor.
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