Há torcedores folclóricos por toda a parte. Em qualquer estádio, por qualquer time, sempre se encontrará algum aficionado peculiar, incompreendido, mas fiel. Algumas vezes visto com desconfiança por aqueles que compartilham da arquibancada, une-se a eles, geralmente, pelo elo básico: o amor ao futebol. Em Andorra, no estádio de Aixovall, o torcedor folclórico que conheci era um louco.
Louco dos típicos. Ou dos estereotipados – que, neste caso, dá quase no mesmo. Ninguém sabe de onde veio, o que faz da vida, como chegou até ali, ou por quais motivos surge, do nada e invariavelmente, no Comunal d’Aixovall em cada dia de jogo. Não de qualquer jogo, e olhe que lá há rodadas sêxtuplas, mas infalivelmente para as partidas do FC Andorra, da quinta divisão espanhola – o time de seu coração, a lógica faz supor.
Carrega uma sacola ao melhor estilo dos controladores de trens, comuns pela Europa. Vá saber os motivos de ter saído dos trilhos... Nas arquibancadas do estádio que conhece bem – e que os outros vêem como sua casa –, ataca a todos para, num catalão indecifrável, começar a falar e teorizar sobre o time. Com certa condescendência, seus interlocutores o observam e seguram o riso, num esforço para passar a idéia de que concordam com aquilo tudo.
Com louco não se discute, diz o ditado, e os andorranos seguem à risca. Meros estrangeiros não-iniciados no catalão nem ousam imaginar o que ele fala nessas horas. Mas os de casa sabem bem, apenas assentem com a cabeça e, na seqüência, apontam para uma infeliz vítima, sentada um pouco à frente, como dizendo “por que não vai falar com aquele, agora?” Alegre, o louco vai. Em meio aos tantos desprezos que deve sofrer, sente-se útil no seu território, entendedor de algo.
Passa, desde o início da partida, com os olhos voltados ao campo. Não quer perder um mísero detalhe. Mas é no gol que seu sentimento se revela. A cada tento do FC Andorra, provável razão da sua existência, ele vibra de forma singular, com uma paixão rara. Basta a bola balançar as redes e ele se põe a andar pelos corredores da única arquibancada do Comunal, numa tentativa de espalhar sua felicidade entre os outros poucos espectadores que cultivam o hábito de assistir futebol naquele país. Através do seu dialeto particular, anuncia a vitória iminente.
Mas o time adversário consegue fazer o improvável. Depois de estar perdendo por 3-1, marca dois tentos nos dois últimos minutos de partida e rouba um empate. Não estivesse já mal das idéias, o nosso amigo enlouqueceria. Apenas murmura alguma coisa no seu catalão, mas segue observando a partida, esperançoso por algo novo. Que não vem.
O jogo acaba. Enquanto os visitantes festejam o empate e os locais, sem grande entusiasmo pelo seu time, saem do estádio indiferentes, o folclórico torcedor de Aixovall deixa as arquibancadas olhando para o chão, praguejando, formulando teorias sobre como o time poderia ter vencido a partida. Ninguém sabe para onde ele vai ou o que fará nos dias seguintes. Mas todos têm certeza que, no próximo jogo do FC Andorra, ele estará lá, como sempre, falando, torcendo, vibrando por aquela que talvez seja sua única alegria. Aixovall tem um louco. Louco por futebol.
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