terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Perpétuo até o fim da semana (5): Mário Jardel

Muito do que havia para ser dito já se disse. Muito do que havia para se escrever já se escreveu. A festa do gremismo, sábado. A última entrada e a última saída de Danrlei no campo do Olímpico. O reencontro de heróis de antanho, e o duelo destes com os que tentam ganhar algum apreço hoje – ou a junção de ambos, com a aparição de Victor, Douglas Costa e Souza nas equipes de cada lado. Mazaropi ganhando o dia ao fazer saídas arrojadas sem luvas e com a sua idade. Dinho viril como nos bons tempos. Arce ainda preciso nas bolas paradas. Tarciso em melhor forma do que metade da equipe atual do Grêmio. Todos os sonhos que um dia se ousou sonhar, e que eles buscaram, sobre o gramado do Olímpico.

E Jardel.

Também já se disse muito do que se poderia dizer sobre Jardel, sábado, no Olímpico. O velho artilheiro. Jardel, mais cheio do que no auge, saído de uma batalha contra os entorpecentes, mas ainda o mesmo oportunista de outros dias. O homem que ganhou duas Chuteiras de Ouro na Europa, foi o maior marcador de gols de uma Libertadores e, certa feita, teve a ousadia de meter duas bolas nas redes para dar ao GALATASARAY uma Supercopa Europeia diante do Real Madrid de Casillas, Roberto Carlos, Makelele, Figo e Raúl. O centroavante da lendária camisa 16. Que fez o melhor goleiro do Brasil – de 2008 e de 2009 – estremecer e soltar-lhe uma bola nos pés, para o segundo tento. Victor conheceu Super Mário.

Vários gremistas, também. E aí está o que faltou falar. Não havia só saudosistas da década passada, pessoas que viram o mágico time de Felipão, presentes no Olímpico durante aqueles menos de noventa minutos pelos quais durou o jogo festivo do Danrlei. Estamos acabando o décimo terceiro ano passado desde 1996. Uma geração inteira de torcedores cresceu sob o signo da raça, dos carrinhos e das Copas. E chegou à idade em que se entende o futebol sem ver o Grêmio fazer tanto quanto contavam. O que houve depois de 1996? Duas Copas do Brasil (já antigas o suficiente para terem sido acompanhadas sem a devida CONSCIÊNCIA por esses aficionados), alguns Gauchões que nada valem para capitalinos e várias campanhas boas na Libertadores e no Brasileiro. Decente.

Mas também houve um rebaixamento. E mesmo que tenha havido uma Batalha dos Aflitos reafirmando força, logo a seguir aconteceram os títulos do Inter. Títulos que os torcedores cresceram ouvindo serem apenas seus, do seu Grêmio, e de ninguém mais ao sul do Rio Paranapanema. Porque muitos desses gremistas poderiam ter sido colorados. Seus pais foram. Seus avós haviam sido. O Inter teve, afinal, e por muitos anos, a maior torcida do Rio Grande. Não tem mais e assim deve seguir por algum tempo. Graças aos anos 80, mas especialmente aos 90, em que mesmo quando o Inter parecia estar bem, o Grêmio acabava se dando melhor – quase como estes anos 2000, só que com a situação invertida. Ou 2006 não foi um ano ótimo para os gremistas, e mesmo assim foi infinitamente mais colorado?

Mais de uma família deve ter sido destroçada quando um gurizinho de uns cinco anos de idade, no qual se tentava implantar alma vermelha e branca, ouvia no rádio os títulos tricolores e bradava, inocentemente: “o Grêmio só ganha, eu quero ser gremista”. E a desgraça é que o Grêmio seguia ganhando, e o aparente ímpeto infantil virava torcida real pelos malditos azulados. Este torcedor que, ao chegar na idade em que não se troca mais de time, viu o Inter bem e ouviu a flauta dos progenitores, este e os que não tinham antepassados colorados, mas do mesmo modo tiveram boas tardes de enxaqueca para contemplar com raiva a escolha que um dia fizeram de não se bandear para o lado vermelho da força, eles foram os verdadeiros premiados na tarde de sábado.

Arrisco afirmar que o gol de Jardel, o primeiro, foi um dos três ou quatro mais festejados pelos gremistas nos últimos dez anos. Só comparável ao do Diego Souza, em Santos, pelas semifinais da Libertadores de 2007, ao do Anderson nos Aflitos, em 2005, e ao gol de empate do Luiz Mário na primeira decisão da Copa do Brasil de 2001. Pode ser só emoção do momento – Pedro Júnior contra o Inter, em 2006, e Tuta diante do Caxias, em 2007, também pareciam coisas sensacionais na hora e o tempo revelou não serem tão importantes assim –, mas creio que não. O gol de Jardel tem o simbolismo. Sobre aquela bola, que Mazaropi tentou aparar sem sucesso, que Paulo Nunes cruzou com a mesma maestria de catorze anos atrás e que o 16 meteu de cabeça, como de costume, pairavam os olhares de diferentes épocas. Trinta e duas mil pessoas, sessenta e quatro mil olhos e a ansiedade pungente por uma comemoração descomunal numa espécie de jogo em que não se costuma celebrar com espírito os gols.

Eram os olhos dos acostumados àquilo. E os olhos dos que só conheciam aquela jogada dos vídeos gravados em fita antes de serem repassados para os computadores e youtubes. E o mais incrível é que a torcida foi a mesma. Todos os tipos de gremistas quiseram aquele gol como se fosse o de um novo título da América. Um tento de um daqueles homens que se unem ao clube por mais do que um simples contrato – de um ídolo de verdade, desses que rareiam. O exemplo perfeito de instante que passa em câmera lenta no exato momento em que acontece. A bola quase tirada sobre a linha, mas que bateu no travessão e entrou. O Jardel 16, dos anos 90, correndo triunfante na direção da avalanche da Geral, a grande novidade gremista nesses não tão luzidios anos 2000. Aquela cena juntou duas épocas. Um símbolo do período mais campeão do Grêmio marcando gol no último jogo disputado dentro Olímpico nesta década infeliz para o clube.

Quiçá a falha de Victor tenha sido proposital. Para exorcizarmos cada uma das duas goleiras do estádio com gols de quem não tivera seus voos cortados como os jogadores desses Grêmios recentes. Já se disse muito sobre esse jogo de sábado. Mas só daqui uns anos, em meio à década de 2010, saberemos se vai ser dito que os gols de Jardel puseram fim à era dos erros e azares.

Foto VISTA no ClicRBS.

Um comentário:

Eduardo Covalesky disse...

Incrível analisar essa foto e ver que o mesmo sorriso de prazer que eu fiquei no momento desse lance é o que está estampado no rosto das 300 pessoas que aparecem na foto, ao fundo do gol. É o deja vu, na essência do termo.