segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Quinze minutos de alienação

Meu relógio digital cujos números só aparecem quando lhes convém apontava 18 horas e 36 minutos quando comecei a caminhar pela Tuiuti. Trazia uma Coca e uma Torrada Napolitana na barriga, algum suor causado pelo sol na camisa e, no cérebro, muitas DIRETRIZES nascidas na reunião recém-encerrada no bistrô. Em Recife, o Internacional empatava por 1 a 1 contra o rebaixado Sport. Saíra perdendo. Mas acabara de igualar e metera uma bola na trave pouco depois. Às 18:36, restava algo mais que quinze minutos para o fim do jogo. E eu parei de ver.

Não é agradável a um gremista ficar assistindo ao Inter encomendando sua coroa de campeão brasileiro. Os outros jogos eram de um desalento terrível. Nenhum dos concorrentes sérios do Colorado dava segurança. O Flamengo vencia o Corinthians por um tímido 0 a 1, quase nada para um pessimista convicto como eu, e o São Paulo caía por 3 a 2 ante o mesmo Goiás contra o qual conquistou a taça em 2008. O dia estava PROLÍFICO em golaços. No desinteressante Grêmio 3-1 Barueri, Adílson, que nunca mete gols, acertou um pombo INALADO no ângulo do arqueiro Renê. No Palestra Itália, Diego Souza metera um voleio por cobertura (!) desde meio de campo (!!) para fazer um dos gols palmeirenses nos 3 a 1 então parciais sobre o Atlético Mineiro, que dificilmente valeriam para o título.

Eu vi esses gols. Acompanhei o andamento do placar pelas bolinhas da Globo, vi como o Sport flechou o Inter no primeiro tempo e como o juiz negou aos pernambucanos um pênalti minutos depois. Vi como os gaúchos cresceram no segundo tempo e, por ANTEVER como virariam, concluí que não valia a pena esperar até o fim da partida. Deixei de olhar a tevê e lancei-me em quinze minutos de alienação – o tempo que levava para percorrer, a pé e sob um sol congolês, o trajeto de volta para casa. Domingos são vazios em Santa Maria. As vitrines escuras, as lojas fechadas, o trânsito inexistente. Ainda assim, encontrei mais pessoas do que imaginava. Olhava para elas meio estranhado: a VIDA se definindo numa tarde e elas caminhando despreocupadas e debatendo amenidades.

Talvez fossem gremistas buscando também a tranquilidade e fizessem as mesmas perguntas ao me ver. Mas eu não caminhava. Corria. Ou fazia o mais próximo de correr que se consegue nesse calor e com as condições físicas de alguém que jogou FUTSAL duas vezes nos últimos quatro meses. Percorria as calçadas sem saber o andamento das partidas. Com exceção de um par de carros que passou com o rádio num volume mais alto, nenhuma notícia futebolística chegou durante as primeiras dezenas de passos que eu dei na direção do LAR. O silêncio, contudo, berrava. Enquanto perdurasse estaria tudo bem. Os céus anunciariam se houvesse alguma mudança do cenário que eu vira pela última vez na tevê. E não há figura de linguagem – o foguetório é infalível.

Eu estava na altura do Calçadão, esse trecho quase morto nos domingos santa-marienses, na hora em que a situação cambiou. Está na memória: 18 horas, 44 minutos e 19 segundos. Ao menos de acordo com o meu não muito confiável relógio. Foi quando o primeiro espocar se fez ouvir. O Calçadão está vivendo um clima natalino por esses dias, com papais noéis e pinheiros e tudo o mais, e enquanto eu passava por baixo das REFERÊNCIAS à festa tentava decifrar o que significava aquilo. Porque os foguetes podem vir dos dois lados. Se fossem poucos, seriam gremistas secadores festejando algo. Não eram poucos.

Uns passos mais adiante, ouvindo também um Dingobéu adaptado que vinha de algum ponto da Praça Saldanha Marinho, mais foguetes explodiram no FIRMAMENTO. O Inter, com certeza, havia acabado de confirmar a minha previsão e virara o jogo. Mas podia ser pior. Podia ser muito pior. Vitória colorada ainda deixava o Brasileirão nas mãos do Grêmio, caso o Flamengo derrotasse o Corinthians – o quadro carioca chegaria à última rodada dois pontos na frente do Inter e só precisaria vencer, em casa, uns tricolores gaúchos obrigados por sua torcida a entregar os pontos. Podia ser que aqueles foguetes representassem não só a remontada alvirrubra, como também a derrocada rubro-negra.

Maldisse a minha opção por me alienar, mas era aquela autocrítica sem grande convicção. Se o pior tivesse acontecido, se o Inter estivesse assumindo a liderança e praticamente ganhando o campeonato, era melhor que eu ficasse sem saber tão logo. Paradoxalmente, a dúvida me fez querer chegar rápido em casa e conferir as coisas. Apertei o passo. A Avenida Rio Branco nunca pareceu tão extensa, e a pressa se dissipou pelos instantes em que eu ainda me encontrava em frente à fileira de barracas de camelôs: um deles escolheu aquele momento para desfraldar uma bandeira do Inter.

O Flamengo abrira as pernas. Céus. O Flamengo deixara o Corinthians empatar. Cheguei em casa às 18:51, quinze minutos depois de iniciar a caminhada, como imaginado. Enfiei a chave na fechadura sem ter certeza se o desespero tinha razão de ser, mas sabendo que o que quer que tivesse acontecido não tinha mudado mais – os foguetes pararam. Liguei a tevê no mudo – não me agrada ouvir narrações de triunfos colorados; até hoje não escutei qualquer áudio do gol do Gabiru em Yokohama. Sport 1-2 Inter. Acréscimos já iniciados, só havia mais dois minutos por correr. Metade do desastre estava consumada. Ignorei a internet e, sem querer saber o que o narrador falava, aguardei o apito final.

O jogo do Flamengo estava um pouco atrasado, disso eu sabia, e certamente a transmissão iria para lá quando acabasse o duelo da Ilha do Retiro. Foi. E o Flamengo continuava vencendo. Até tinha um pênalti para cobrar e dobrar sua vantagem. Tanta preocupação pra nada. Um torcedor invadiu o gramado e retardou a batida da penalidade. Às 18:57:23, segundo o meu mostrador de horas (vulgo CEBOLÃO), Leonardo Moura botou a bola nas redes. O goleiro corintiano Felipe ficou parado no centro do arco, e ainda aplaudiu quando a bola entrou, como se tudo aquilo estivesse planejado. Eu ri, mas saltaria pela janela de raiva se meu coração batesse pelo Inter. Na semana que vem o Grêmio inteiro deverá ser um Felipe cravado no chão e sem vontade de impedir o sucesso flamenguista, mais ou menos como o Inter cheio de reservas que levou 3 a 0 do São Paulo em novembro do ano passado, quando os paulistas disputavam a taça com o próprio Grêmio.

Pretensão demais achar que o Fla só vence o Grêmio no Maracanã se os tricolores entregarem. O time de Porto Alegre tem o péssimo hábito de se dar mal no Rio – e neste ano estendeu a sina para todos os rincões distantes de sua casa, com exceção dos Aflitos do Náutico, que não deixam de ser uma segunda casa. Em condições normais a vitória do Fla já seria muito provável. A classificação só tratou de transformá-la em certa. Os jogadores do Grêmio são profissionais e, ao contrário do pensamento COMUM, é exatamente por isso que não podem querer vencer os cariocas: fossem amadores, jogariam por si e por seu orgulho. Mas eles são pagos para lutar pelo interesse da sua torcida. E o dos gremistas, agora, é ver o Inter vice-campeão.

Depois de um ano tão sem alma, escolher logo uma rodada dessas para vencer no Rio é merecer demissão por justa causa. Ou morte, porque o futebol é um pouco SELVAGEM.

Foto minha. Editada, naturalmente.

4 comentários:

Maurício Brum disse...

Típico texto que atrai comentários burros e radicais, haha

Anônimo disse...

Eu não me considero burro nem radical. A única coisa que eu gostaria é que cada vez que a imprensa fala que o Inter entregou pro São Paulo ano passado alguém fizesse constar que no mesmo dia o Grêmio empatava com o futuro rebaixado FIGUEIRENSE jogando em CASA.
Não que eu vá torcer pro Gremio no domingo nem nada desse tipo. Mas eu sei que o colorado não vai ser campeão pelos seus próprios erros, não vou ficar procurando um bode expiatório.
Baita blog, leio sempre.
Paul

Gabriel Eduardo disse...

Maravilha de pensamento. Tirou as palavras da minha boca! Profissionalismo acima de tudo. HAHAHAHA

Maurício Brum disse...

Paul, e não és, o comentário foi mais pra evitar que surgissem os que resolvem putear o mundo quando se toma partido pró Gre ou Nal aqui.

O Grêmio só reclama do jogo do Inter contra o SP no ano passado porque não foi capaz de somar mais pontos (nesse jogo contra o Figueirense que tu citaste, ou naquele contra o Goiás, ou no mais lembrado de todos: aquele contra o Vitória que o Rafael Carioca conseguiu errar um gol sem goleiro), que evitassem que aquela situação fosse criada. O mesmo caso do Inter agora, que tendo míseros dois pontos a mais não precisaria depender de um resultado do Grêmio.

De qualquer maneira, é a semana em que o Grêmio está mais valorizado no ano, hahaha. Essa história de "entregar" ficou tão forte que até parece que o time que só foi capaz de vencer o Náutico fora teria chances ENORMES de derrotar o Fla no Maracanã, onde raramente consegue vencer.