domingo, 10 de maio de 2009

FC Rio Pardo, cento e sessenta e quatro dias depois

A ideia partiu da administração municipal de Rio Pardo. Eram fins do ano passado quando o prefeito reeleito Joni Lisboa da Rocha convidou Tabajara Ramalho de Andrade, presidente do Futebol Clube Santa Cruz entre 2003 e 2008, para uma reunião. Queria contar com a experiência de alguém que comandara um clube da elite gaúcha para dar início ao grandioso projeto que tinha em mente: criar o primeiro time profissional de Rio Pardo.

Duas semanas depois, a 27 de novembro, nasceu oficialmente o Futebol Clube Rio Pardo. E em Rio Pardo, você logo aprende, há de se vencer. A História escolheu aquele lugar para ser palco de triunfos, e nem o fato de ser um clube recém-nascido serviu para que a população local, convertida em massa de torcedores, ficasse condescendente. Se no futebol ainda não havia feitos para se basear, o passado rio-pardense se encarregou de criar a força do nome que hoje os jogadores carregam no peito. Em 2009 a cidade espalha cartazes e selos comemorativos aos duzentos anos do Decreto Real de Dom João VI, que a elevou à condição de vila (uma das quatro primeiras do Estado, ao lado de Porto Alegre, Rio Grande e Santo Antônio da Patrulha), mas para entender a sede de vitórias é preciso voltar mais.

Precisamente para os anos posteriores à assinatura do Tratado de Madrid, em 1750, que trocou a Colônia de Sacramento pelos Sete Povos das Missões. A redefinição das zonas de colonização espanhola e portuguesa não garantia a paz no extremo sul do Brasil, e tampouco dava certeza de quais fronteiras acabariam de fato respeitadas. Defender posições tornou-se necessário, e fortificações em locais estratégicos eram o mínimo para tanto. Ali, no encontro dos rios Pardo e Jacuí, os lusos ergueram o Forte de Jesus, Maria e José, para garantir o domínio da região. Os três canhões remanescentes, atualmente apontados em silêncio para o calmo (e, no momento, quase seco) Jacuí, testemunharam conflitos contra índios e espanhóis, presenciando uma extensa lista de adversários caídos: à fortaleza de Rio Pardo jamais infligiram derrota, daí a sua alcunha de TRANQUEIRA INVICTA.

A cidade cresceu nos arredores do forte, e as ilusões dos rio-pardenses em relação ao seu time passam por feitos parecidos nas batalhas futebolísticas que a vida reserva. Fundado o clube, a Prefeitura encarregou-se de remodelar o Estádio Municipal Amaro Cassep, que só conhecera o amadorismo, e oferecer as condições necessárias para que a equipe possa avançar – no entanto, ressaltou Tabajara Ramalho de Andrade em entrevista ao blog, ela “não tem ingerência nenhuma” na agremiação. Formou-se uma diretoria, sendo Tabajara o presidente do FC Rio Pardo com mandato de três anos, e começou a briga para trazer bons jogadores. Com patrocínios de empresas de fora, o time contratou nomes como Itaqui, AQUELE velho Itaqui do Grêmio, do alto dos seus 35 anos, Márcio Tigrão, ex-Inter, Éder Lazzari, ex-Caxias, Terrão, ex-Ulbra, e o goleiro Feijão, que já defendeu o Brasil de Pelotas.

Além do objetivo de subir para a divisão mais alta do Rio Grande no ano de estreia, “como fez a Ulbra aquela vez (2003)”, Tabajara acredita que o projeto sério do Rio Pardo valeu para desfazer preconceitos e atrair jogadores qualificados. Mostrando que não está numa simples aventura, o clube espera receber uma área municipal na região do antigo aeroporto para construir seu CT, e investe nas categorias de base. Graças a uma parceria com o Botafogo do Rio, emprestará ao clube carioca o zagueiro Ricardo e o ala Ernesto, ambos com menos de vinte anos, para que peguem cancha. No segundo semestre, disputará a versão 2009 da Copa FGF, a Copa Arthur Dallegrave, com uma equipe totalmente vinda das categorias de base, e em 2010 quer ter quadros ativos nos estaduais de juvenis e de juniores.

Mas o bom time do Rio Pardo demorou para engrenar na Segundona. Ainda que as possibilidades de classificação fossem amplas – o clube está na Chave 2, composta por sete equipes, e seis passam de fase –, os dois pontos conquistados nas três rodadas iniciais derrubaram o experiente treinador Laoni Luz. A torcida, porém, não deixou de abraçar a causa. Ontem, para o jogo contra o Brasil de Farroupilha, o estádio tinha um grande público, e o comentário geral era que estava sendo a pior assistência na competição – alguns relatavam quase quatro mil espectadores na partida de abertura do Rio Pardo, em 7 de março, quando o time empatou por 1 a 1 com o Porto Alegre. O prêmio para o apoio veio após a troca de direção técnica. Marcos Santos, o Marcão, assumiu na casamata, e o ganho de entrosamento natural de uma equipe que vinha se habituando a jogar junto fez o time chegar à rodada deste sábado vindo de três triunfos em sequência. O jornal citadino estampava, na contracapa: FC Rio Pardo sensacional, vence em casa e fora. Outra vitória deixaria o Rio Pardo com pontuação igual à dos líderes da chave.

O estádio Amaro Cassep, um dos raros em que além dos tradicionais amendoins são vendidas RAPADURAS para os aficionados, é um pequeno fortim. Para acessar o seu pavilhão é preciso passar por sobre uma ponte que, forçando um pouco, lembra as passarelas levadiças colocadas sobre os fossos dos castelos de estereótipo. Ainda guarda resquícios do amadorismo que dominava até o ano passado e alguns comentários dos torcedores lembram aquele tempo. Observando um abacateiro próximo a uma das linhas de fundo, um senhor contava, nas gerais, suas desventuras em tempos remotos, estourando as frutas nas costas de bandeirinhas antipáticos à sua causa. Perto dele, torcedores mais jovens, devidamente engolidos pelo espírito da Segundona, tratavam de ameaçar o árbitro assistente postado em frente ao alambrado em que estavam:

– Ô bandeira, amanhã (hoje) é dia das mães, deixa a tua velha em paz. Fica tranquilo que a gente te orienta quando é impedimento ou não.
– Todos os bandeiras que ficaram desse lado roubaram, e nenhum deles voltou pra casa.
– Se tu roubar nós vamos te matar, te cuida!

Aos 38 minutos, quando Itaqui já havia deixado o campo sentindo uma pancada na cabeça, e as ações da partida estavam equilibradas, o Brasil de Farroupilha foi às redes, com um gol de cabeça em posição irregular. O bandeirinha, aquele das ameaças, anulou corretamente o tento. No impedimento seguinte que marcou, já era ovacionado pelos torcedores e ouvia comentários: “esse é da FIFA!”. A seguir, com a pressão do Brasil mantida, o assistente deixou (outra vez acertadamente) o ataque visitante seguir, num lance que quase originou a abertura do placar. Os torcedores discutiam calorosamente se deviam xingá-lo ou não. Um defendia que gritassem ao bandeira que ele havia acertado, cativando-o para futuros lances duvidosos – mas só porque o gol não saíra.

O Rio Pardo fez uma metade inicial levemente superior, porém sem dar certezas de vitória. Do outro lado, o adversário mostrara força suficiente para inaugurar a contagem da tarde, parando em chutes tortos. Mas foi o próprio Brasil quem deixou os três pontos mais palpáveis pelo time da casa: exaltados, seus jogadores foram para cima do árbitro cobrar satisfações do lance do gol, e para um deles subiu o cartão vermelho. Ao retornar dos vestiários, o auriverde rio-pardense encontrava um oponente com as asas atoradas, incapaz de se lançar ao ataque como fizera. Assim, bastaram dois minutos após o reinício do confronto para começar a festa: Leandro Nunes entrou na área e bateu cruzado para fazer 1 a 0. Terrão marcou o segundo em chute rasteiro aos 61 minutos, e dali em diante a partida virou monólogo.

Por quase três minutos, algo entre os 68 e os 71, os jogadores do Rio Pardo trocaram passes sem perder a bola – e sem serem incomodados. NINGUÉM do Brasil se dignava a atacar os atletas locais, que tanto tocaram a bola que até a sua torcida cansou de gritar “olé”. Naquele ritmo, o baile poderia seguir até o fim, mas morreu quando recuaram a pelota para o arqueiro Feijão e o seu lançamento ao ataque não foi dominado. O óbvio terceiro gol nasceu aos 81, em troca de passes que fez Beltrão entrar pelo meio da área e fuzilar o arqueiro. Beltrão, artilheiro do Rio Pardo com quatro gols, é daqueles atacantes de pouca técnica mas úteis, que ouvem xingamentos a maior parte do tempo e convivem com pedidos de substituição, mas terminam marcando gols na insistência. Ao gol de Beltrão seguiu-se o único momento de LUCIDEZ do Brasil no segundo tempo, um pênalti parido no minuto 83, que não serviu para mudar o 3 a 0: Feijão saltou maravilhosamente no seu canto esquerdo e espalmou.



Estava feita a quarta vitória consecutiva do Rio Pardo. Hoje, cento e sessenta e quatro dias depois da fundação do clube, os verde-amarelos da terra da Tranqueira Invicta pleiteiam a liderança da chave. Com os mesmos 18 pontos do Aimoré de São Leopoldo, que tem saldo melhor, e do Porto Alegre, que tem um jogo a menos, esperam sorte na rodada que falta para, talvez, pegar um grupo mais fácil na etapa seguinte da Segundona. Já com a cabeça na próxima fase, o presidente Tabajara destaca, entre os times dos outros grupos, o Bagé, o Glória e o Pelotas, mas diz que, apesar de considerar todas as equipes do campeonato fortes, no futebol não há motivos para querer evitar algum confronto:

– Quando eu era presidente do Santa Cruz, nós nos apavoramos porque um dos primeiros jogos do Inter depois que ele saiu campeão do mundo ia ser contra nós, pelo Campeonato Gaúcho.

O Inter saiu de Santa Cruz do Sul com uma derrota de 3 a 1.

5 comentários:

Argemiro Luís disse...

EXCELENTE TEXTO E ESCLARECEDORA REPORTAGEM. PARABÉNS MAIS UMA VEZ.
Argemiro Luís

Gabriel Bitencourt disse...

Muito bom o texto.

Yuri disse...

Bem que o Rio Pardo poderia fazer um amistoso contra a Santacruzense, de Santa Cruz do RIO PARDO, que após uma vexatória campanha na Série A-3 de 2008, MILITA na Segundona Paulista.

Yuri disse...

Ei!! Na parte superior da última foto tem um cara que parece estar com a camisa do Flamengo!! Mas no RS??? É igualzinha a do Mengão do ano passado!! Será?? Ou seria Guarani de Venâncio Aires?

Maurício Brum disse...

Eu podia dizer que é do Atlético Carazinho, mas lá no estádio eu vi mesmo que era do Flamengo, hehehe

Fiquei realmente surpreso de achar uma raridade dessas em RIO PARDO.