domingo, 17 de maio de 2009

A maldição interminável

Foram sete temporadas vendo Juninho Pernambucano e seus comparsas tomando de assalto o trono francês. Foram quinze temporadas sem erguer um troféu de valor. Este era o ano perfeito para fazer a Terra voltar à órbita natural. O ano perfeito para acabar com a ditadura do Lyon e reestabelecer o velho domínio sobre o futebol francês. Na última curva do grande páreo que está sendo a Ligue 1 de 2008/09, o velho rei, o Olympique de Marseille, roubou a liderança do campeonato e sonhou com o fim de uma sina nascida em 1994.

Desde aquele ano, quando foi rebaixado à segunda divisão nacional pela estupidez de comprar um jogo diante do Valenciennes na temporada 1992/93, o OM sumiu das listas de campeões das competições importantes. Em todas estas temporadas, sua única taça além do óbvio título da segundona francesa foi a irrelevante Copa Intertoto de 2005. Pouco mais que nada, mas tratada como especial pela ausência de coisas maiores (abaixo). Grande, mesmo, era a dor. Porque não bastava o Olympique ficar sem títulos: era preciso senti-los próximos, ter a certeza de que desta vez eles viriam, chegar a finais, brigar até o último minuto e... sair com o vice-campeonato.Assim o OM foi segundo colocado no Campeonato Francês de 1999 ficando só um ponto atrás do campeão Bordeaux; assim perdeu, em sequência, as finais das Copas da França de 2006 e 2007, para PSG e Sochaux; assim caiu nas decisões das Copas da UEFA de 1999 e de 2004, diante do Parma italiano e do Valencia espanhol. Assim, mais recentemente, foi novamente vice da liga nacional, em 2007, ainda que sem grandes traumas, pois jamais recuperaria os dezessete pontos de vantagem abertos pelo Lyon. De qualquer forma, aquele vice também fazia parte da inacreditável série de segundos lugares.

E tudo tornava-se especialmente cruel porque a do OM não é qualquer torcida: é A torcida. A maior da França, o símbolo de como se torce com paixão por lá, e o bando de fanáticos que, ano após ano glorioso, ou ano após ano da atualidade maldita, lotou o Vélodrome, enfileirando médias de público incomparáveis pelo resto do país. Então em 2009 o Lyon deixou o primeiro posto escapar, deixou o topo da classificação nas mãos do OM. Mas não com facilidades: se os de Gerland pareciam cansados daquilo e foram ficando mais e mais afastados da dianteira, a cabeça dos Girondins de Bordeaux permanecia quase perfilada com a do Olympique – antes do final de semana, faltando três rodadas para acabar o campeonato, os dois times empatavam em pontos, tendo o OM uma curta vantagem de dois gols de saldo.

O futebol tem os seus roteiros e eles podem ser verdadeiros épicos. Na quarta-feira passada, um Athletic Bilbao que não conquistava títulos há vinte e cinco anos podia vencer a Copa do Rei diante do grande quadro espanhol do presente, o Barcelona. Conquistando o título, sairia dessa fase em que esqueceu que era grande e igualaria os catalães como maior campeão do torneio eliminatório (ambos ficariam com 24 Copas). Os torcedores bascos compraram QUARENTA MIL ingressos em TRÊS HORAS, no dia 31 de MARÇO, para lotar o estádio de San Mamés, em Bilbao, numa final que só ocorreria um mês e meio depois – e que não seria ali, mas no Mestalla de Valencia.

Com um estádio lotado para ver o jogo por transmissões televisivas em Bilbao, com imensa maioria de bilbaínos também no Mestalla, com mais de duas dezenas de telões espalhados pelo País Basco para que se acompanhasse a partida, o Barcelona foi lá e, de virada, ao natural, sem sofrer, destruiu os sonhos de uma geração. Fez 4 a 1 e ergueu um troféu que, para os catalães, é menor. Em Marselha, o roteiro de heroísmo dizia que o deste domingo seria um jogo para a consagração das almas, para o fim do sofrimento, um duelo do velho senhor da França com o que vinha controlando o país nos últimos anos, sendo o final favorável aos grandes de outrora. Em Marselha, para este domingo, estava marcado um jogo entre o sonhador Olympique e o já sem chances de título Lyon.

Em Marselha, como em Valencia, jogou-se no lixo os escritos mais belos e optou-se pela tragédia. O Vélodrome, com suas arquibancadas em semicírculo atrás dos gols, via chocado como o abatido Lyon tirava ganas sabia-se lá de onde para construir uma vitória por 1 a 3. Somado ao resultado de ontem, o triunfo do Bordeaux por 3 a 2 sobre o Le Mans, o fracasso marselhês representava a perda da liderança. Com 36 rodadas disputadas e duas pela frente, o OM tem 71 pontos, e sabe que talvez falte tempo para alcançar os 74 agora ostentados pelo Bordeaux.

Ao final da partida os jogadores aplaudiram a torcida que não desistiu, mas a ilusão de antes do jogo já estava ferida de morte. Ninguém mais em Marselha sustentava o ímpeto de questionar a velha, a maldosa, a interminável maldição dos títulos que passam absurdamente perto, mas insistem em ir para outras mãos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Touchant le commentaire, como dizem os franceses. O texto revela uma realidade que ainda não se concretizou, porém, é fiel à vida de Marselha. A cidade respira futebol mais do que as outras, graças ao seu clima mediterrâneo e a uma população cosmopolita que ama o esporte, formada de franceses do sul, árabes, africanos, latinos em geral. Mais uma vez parabéns pelo texto e pelas informações e análises nele contidas.
Argemiro Luís