Estamos ainda catatônicos. Quando uma grande tragédia ocorre, a enorme cobertura da mídia e o blablablá em torno dela geralmente traz junto alguém criticando tudo com a lembrança dos milhares que morrem esquecidos diariamente. Às vezes eles têm razão. Estariam errados se agissem de tal maneira no caso do acidente envolvendo a delegação do Brasil de Pelotas. Não existe morte mais ou menos sofrida por aqueles diretamente envolvidos com quem se vai, mas pode haver a morte que reflete no pesar de mais pessoas.
Com um clube de futebol há um extra: ali estão ídolos, referenciais, pessoas que ajudam a elevar o humor de tantos aficionados em tantas jornadas. Chegam a ser alçados à condição metafórica de heróis. E heróis são, por definição, inabaláveis, exemplares, líderes a serem mirados e imitados. Buscar alguém com essas características para se inspirar é da natureza humana. Não existe maneira de explicar o que deve ser ver-se órfão de heróis subitamente, até pela raridade de situações desse tipo.
Penso no choque dos torcedores do Brasil que dormiram confiantes para 2009 após a vitória do seu time sobre o Santa Cruz por 1 a 2 no amistoso de ontem e acordaram, na manhã dessa sexta-feira, sem sonhos nem planos. Imagino o interminável girar de ideias zumbindo pela cabeça de cada xavante que, desperto na madrugada e aflito como todos nós, acompanhava as rádios noticiarem o acidente e persistia em dúvida sobre quais as reais dimensões das perdas.
Falava-se em uma morte. A ausência de confirmações oficiais pareceu dar um alento que, no entanto, durou pouco diante de estimativas que voltavam a contar óbitos – mais do que antes. E se é de heróis que tratamos, em meio às listagens com os nomes dos que estariam bem, em nenhuma aparecia o nome do camisa 7 uruguaio Claudio Milar.
Por volta das duas e meia da madrugada vieram as confirmações funestas. Ídolos também têm um fim. Mas não dava para acreditar. Não se podia crer que morria o homem de mais de duzentas partidas pelo Brasil, o homem de 111 gols pelo clube, o último deles marcado naquela própria quinta-feira em Vale do Sol. Morria um ídolo como já quase não há no interior, um homem identificado com o Xavante e que ia para a sua sétima temporada no Bento Freitas.
Dizem que a morte precoce galvaniza a importância de alguém, mas quando se passa por isso se percebe a futilidade da observação. Milar já seria uma lenda para as gerações futuras do futebol pelotense e, se a tragédia pode de alguma forma elevar o mito na esfera da literatura, não é vantagem para se consolar. O drama, afirma-se com dureza agora, não glamouriza nada, e o que a morte amplifica é tão-somente o desespero que se viveu naquelas horas.
Milar se foi no acesso à BR-392, inacreditavelmente, e com ele houve duas outras perdas que, embora menos exaltadas em vida, foram igualmente sentidas pelos torcedores, familiares, amigos: o treinador de goleiro Giovani Guimarães e o zagueiro Régis. Houve ainda cinco jogadores gravemente feridos e durante a madrugada contavam-se oito com fraturas que os afastariam dos campos por um ano.
Felizmente houve aqueles com prejuízos mais leves, como o goleiro Danrlei, que “só” teria quebrado o braço e foi o primeiro a sair do ônibus capotado para buscar auxílio com a maior rapidez possível. Mas todos os que sobreviveram, mesmo sem danos físicos maiores, ficaram abalados emocionalmente.
O Brasil de Pelotas, ideal para o resto do interior em sua administração, com uma torcida tão elogiada pelo fanatismo e às vésperas de um ano que se prometia brilhante com a bombástica contratação de Danrlei e a perspectiva de jogar a longa e renovada Série C nacional, fica totalmente esfacelado. Não se sabe o que será do Gauchão que começaria na próxima semana, nem do clube que agora está sem time, e isso ainda não importa. A única coisa real neste momento é a dor. O Rio Grande está enlutado, desnorteado, incrédulo. Sem cabeça para o futebol. A vida de quem fica precisa seguir, vai seguir, mas é difícil retomar a caminhada depois de um golpe que nos tolheu de mais alguns heróis.
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