domingo, 18 de janeiro de 2009

A lição do semáforo torrense

TORRES – Há uma década era infernal chegar a Torres. Essas estradas em que tantas vidas se perdem eram lotadas por argentinos, argentinos, argentinos, argentinos, argentinos, argentinos em quantidade absurda. E não era caso de serem poucos os gaúchos buscando o mar. Também os havia, mas, em determinados dias, contando os carros que passavam no sentido interior-litoral, era possível ver até nove com placas pretas a cada dez.

Vivia-se, então, o auge da euforia un peso, un dólar, o ilusório equilíbrio de valor da moeda argentina com a estadunidense, enquanto o real se desvalorizava. Passar os verões no litoral norte gaúcho e especialmente em Santa Catarina, além de ser interessantíssimo para fugir das deprimentes praias da Argentina, era muito vantajoso economicamente. E ainda podiam correr nas estradas porque não havia como cobrar-lhes as multas.

Vinham os portenhos como nuvens de gafanhotos – mas não como pragas. Eles ocupavam tudo, consumiam tudo, compravam tudo e, ao mesmo tempo em que faziam emergir o ódio nos farofeiros gaúchos, traziam a bonança aos negócios locais e faziam três meses gordos compensarem o resto do ano, que geralmente é inútil para alavancar as finanças de cidades como Torres. A cada esquina surgiam negócios com letreiros em espanhol, querendo tirar dos turistas os pesos-dólares, e os turistas, indiferentes diante dos produtos para eles baratos, esnobavam e pediam: ¡dáme dos!

Os argentinos acabaram se quebrando, incapazes de sustentar a paridade com o dólar, e vir para o Brasil no verão virou luxo para rico. Já há alguns anos o real vale mais que o peso e os coches com o rumo do nosso litoral deixaram de ser nove em dez para se tornar um em vinte. Torres sentiu o baque. Houve uma falência geral de empreendimentos voltados para os estrangeiros e, embora a decadência seja menos evidente agora, a cidade simplesmente estacionou o desenvolvimento. Veranistas locais são vacinados, sabem (não) gastar.

Enfim. De volta a Torres, hoje, parado num sinal, via de dentro do carro um homem com nariz de palhaço, rosto pintado, fazendo malabarismos com três bolinhas de plástico. Um daqueles como há aos milhares pelos semáforos das cidades brasileiras, labutando de uma forma honesta para ter pão (fiquemos com o pão, um exemplo saudável) no fim do dia. Nada de novo na cena. Tudo de inusitado no agradecimento do anônimo ao um real passado pela janela: obrigado, amigo – com um carregado e inconfundível sotaque castelhano de Buenos Aires.

Um argentino! Um argentino esmolando no sinal em Torres! Tão argentino quanto aqueles que mal sentiam as facadas dadas pelos torrenses nos seus bolsos dez anos atrás. E estava lá, agoniado por um real.

Por isso que toda essa onda gastadeira do Manchester City não pode acabar bem. Milhões por Robinho, por Kaká, por Cristiano Ronaldo, milhões para trazer craques mundiais a um clube que nunca passou de médio. Oquei, o dinheiro não é do clube. Mas uma hora o bilionário lá se cansa, volta a guardar a fortuna embaixo do colchão, e o que sobrará será o segundo time de Manchester na miséria, se não pior que antes, ao menos com a frustração de ter sonhado alto e terminado como antes. E pechinchando para contratar um Bustos da vida.

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