quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

À noite, em Torres

TORRES (31/12/2008) - Vai já pra dez ou onze dias que estou aqui, em Estrela do Mar, relativamente isolado do mundo, n’algo que poderia ser chamado retiro espiritual. Estrela do Mar, qualquer um sabe, é uma praia do Litoral Norte gaúcho, quinze quilômetros ao sul de Torres. Para a maioria, um dos últimos buracos do mundo. Mas a maioria está errada. Estrela do Mar, fato, é o Centro do Universo, e até um saloon com carruagem de pioneiros no telhado há por aqui (abaixo, à direita).

Bueno. O que complica essa prainha é que o até está mal colocado. Em Estrela do Mar há isso. E um outro restaurante bom na beira do mar, nada além. Ontem, respirando a maresia sempre igual de uma praia sempre igual, acordei com um desejo. Não sei o que se passa nas idéias (por certo, este é o último dia em que o acento agudo reina absoluto nessa palavra) de uma grávida quando diz estar com uma vontade desesperada de comer ou beber algo, mas não deve ser diferente do que inundou a minha cabeça durante a tarde. Mais do que querer, eu precisava tomar um Bloody Mary.

Mas vá achar os ingredientes. Obviamente não vendidos no Centro do Universo, fui a Torres. Não que Torres esteja grande coisa – depois que os argentinos se quebraram, a cidade tem decaído sem parar (“Torres andou igual caranguejo nos últimos quatro anos”, diz um colunista do Jornal do Mar local). Enfim, ao supermercado. Molho inglês, pimenta, sal, salsa, tabasco. Céus, nem sabia da existência do tal tabasco antes de procurar uma receita da Maria Sanguinária. Imaginei que deveria ser difícil de encontrar uma coisa tão, digamos, exótica, mas havia uma gôndola inteira só para o tabasco e suas variedades. Do que concluí que ou eu sou ignorante, o que é muito provável, ou o tabasco é bastante utilizado na culinária torrense, o que é questionável, ou há uma demanda industrial de Bloody Mary pelos farofeiros, o que definitivamente é falso. Havia tabasco, só isso importa. E vodca, que é imprescindível, tu achas em qualquer canto. Estava pronto o drinque.

Não, não estava. Para algo que tem “bloody” no nome, estava faltando o sangue. Onde diabos ficava o suco de tomate naquele supermercado? Suco de tomate, o único sumo de fruta tomado com sal em condições normais, algo que não mata a sede mas não deixa de ser bom, um pouco vampiresco talvez, mas bom. Tabasco havia, mas suco de tomate puro, não. As ironias do mundo. Tive que comprar uma mistura bizarra de tomate com “sucos vegetais” de cenoura, aipo (!), beterraba, alface (!!), agrião (!!!) e espinafre (!!!!). Eu não sabia ainda, mas aquilo ali seria a ruína da minha Bloody Mary. A alma do tomate, afinal, era dissipada no… aipo.

O drinque ficou uma droga. Eu garanto que com suco puro ficaria bom, porque se notava potencial nele. Era como um time de futebol bem ajeitadinho, que não vai mais longe por falta de centroavante. Como o Grêmio no Brasileirão 2008. Com o camisa 9 Tomate, um espetáculo. Sem ele, aquela coisa vagamente vegetal misturada com álcool, perdendo o seu sabor para o forte e cada vez mais surpreendente tabasco.

De qualquer maneira, frustrado pelo desfecho de colossal fracasso para o meu desejo do dia, permaneci em Torres. À noite fui jantar no Molhes, restaurante à beira do Mampituba. É bom, o Molhes, e eles nem me pagaram pra dizer isso. O acontecido ali foi de grandeza tal que cheguei a olhar no relógio e guardar a hora. Nove e vinte e sete da noite, The ‘Time’ The Earth Stood Still, ou quase. Eu aguardava pela minha casquinha de siri, aí o tempo começou a passar em câmera lenta. Com trilha de Carruagens de Fogo: pessoas que estavam conversando ficam caladas por alguns instantes, o maître olha fixamente para a porta, há um pequeno alvoroço entre os presentes, todos dirigem suas atenções para a entrada do restaurante; eu também viro a cabeça, aí o filme volta a passar em velocidade normal.

Ali na porta, quem aparecia, ostentando a sua mecha branca no cabelo, era o treinador do Internacional, Tite. Não podia ser alucinação causada pela minha Bloody Mary falseta porque ela estava tão ruim que mal tomei uma taça. Era ele. E quem viu, viu, pois a seguir o Tite sumiu. A versão mais aceita diz que ele teria se recolhido a um canto reservado, para evitar assédio. Na verdade, o técnico foi à cozinha pedir para o chef não perder o ponto de equilíbrio na fritura dos peixes. Mas isso já não interessava quando a casquinha de siri surgiu na minha frente.

Um comentário:

Marco disse...

Feliz 2009!!! Los mejores deseos para el año venidero!