PORTO ALEGRE – O relógio marcava sete horas e trinta e seis minutos quando enfim subi a rampa de acesso às cadeiras laterais do Beira-Rio e pude vislumbrar o campo de jogo. Seis minutos de atraso em relação ao horário previsto para o início da partida. Mas ela não havia começado. Em campo, os jogadores ainda respeitavam um minuto de silêncio em homenagem ao Brasil de Pelotas, enquanto das arquibancadas, puxado pela Popular, que ontem atravessou uma faixa negra de luto sobre as suas barras tradicionais, ecoava um grito: Força, Xavante!
Foi com a lembrança da comoção que uniu o Rio Grande que a primeira partida oficial deste rincão em 2009 teve início. A estreia do Internacional no ano do seu centenário – contra o invariavelmente desacreditado Santa Cruz. O Galo dos Plátanos, pela pura falta de tradição em chegar muito longe, algo que me acostumei a ver com o São Luiz, entra ano e sai ano como um dos candidatos iniciais ao rebaixamento no estadual. Contrate quem contratar, não importando o que tenha feito na temporada anterior. Así que uma goleada do Inter parecia o mais óbvio naquele Beira-Rio que aparentava estar levemente cheio mas, segundo os números oficiais, só tinha umas 14 mil almas.
No vestiário, o ritual deve ter sido o comum a todos os interioranos que se aventuram na capital. O técnico Agenor Piccinin chamou seus comandados, bradou alguma coisa sobre raça e virilidade, então escreveu numa lousa a ordem do dia: “passou do meio de campo, atora”. Insistentes carrinhos e pataços na zona central seriam vistos durante todo o transcorrer do embate, tentando segurar o Inter, porém sem grande efetividade. Guiñazu, guerreiro como sempre, foi o principal responsável pela distribuição das bolas para a ofensiva funcionar. Alex era outro que aparecia tentando tramar algo, enquanto Nilmar, um fora-de-série para os padrões atuais do futebol brasileiro, era buscado sempre como opção. Estivesse em melhor ritmo, chutando decentemente, o camisa 9 poderia fazer coisas grandes. Ritmo que faltou igualmente a D’Alessandro, facilmente confundível com um varzeano qualquer na partida desta terça-feira.
Bastava para o Colorado dominar. No primeiro tempo, em que Nilmar fez um gol aos 44 minutos e o árbitro enganou meio estádio apontando para o meio de campo antes de anular o lance, e no segundo, que teve um mando pleno dos alvirrubros até a metade. A certa altura da etapa complementar o Santa Cruz era um amontoado de onze desesperados defensores, situação evidente pelas duas pelotas na trave acertadas pelo Inter nos minutos 67 e 68. O momento mais claro de ditadura vermelha na partida foi, também, uma epifania para os visitantes. Após aquelas bolas consecutivas que roçaram a sua meta, o Santa Cruz aceitou que não teria bom fim se mantivesse a postura retranqueira e saiu para o jogo.
Nos vinte minutos finais, ataques das duas partes alternados. O Inter com qualidade, cálculo, toques mais precisos e escapadas nas costas da zaga, obrigando o goleiro Cássio a se consagrar se não quisesse ter a invencibilidade derrubada. O Santa ia para a frente na base do contragolpe, aproveitando os erros do adversário, apostando muito na velocidade e um pouco na sorte. E, claro: construindo jogadas e jogadas com as bolas roubadas dos pés do debutante Marcelo Cordeiro – o pior em campo –, capaz de perder o domínio para os cavalos de Santa Cruz do Sul repetidas vezes, SEM sofrer falta.
Chances reais, contudo, vinham apenas esporadicamente. E o tempo correndo. Impaciente, a torcida colorada vaiava as ceras do time de fora, e cobrava pressa dos seus próprios atletas. Viu um chute dos seus raspar a trave adversária no fim, e assistiu ao quase-crime do Santa Cruz num escanteio pelos últimos minutos. Terminou obrigada a aceitar o zero a zero chocho – o terceiro ano seguido que um Gauchão começa em empate para o Inter.
Na saída do Beira-Rio, em meio à frustração pelo resultado inesperado e aos comentários sobre o outro jogo alvirrubro da noite, o da Copa São Paulo de Juniores que ocorria simultaneamente (e que também teria um fim desagradável), um colorado afirmou, na rampa: “esse Santa Cruz tem um time ajeitadinho, vai brigar por uma vaga nos mata-matas”. Em 2009, o eterno “candidato” ao descenso precisou de só uma partida para mudar opiniões.
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