
Para reivindicar esses direitos, Manoel Olímpio Meira, pescador de Fortaleza comumente chamado de Jacaré, e mais três companheiros, partiram da praia de Iracema em 14 de setembro de 1941 na direção da capital nacional, o Rio de Janeiro. Seu meio de locomoção: as jangadas em que trabalhavam. Fazendo escalas ao longo da costa, o quarteto gastou 61 dias percorrendo os mais de 2 mil quilômetros do insólito trajeto. Foram recebidos em triunfo pela população carioca e conseguiram uma reunião com o Presidente.
A façanha chegou às páginas da revista estadunidense Time, encimada pelo título “viagem homérica”. No ano seguinte, em janeiro, ocorreria no Rio a Conferência dos Chanceleres, em que o Brasil tomaria definitivamente o lado dos norte-americanos na Segunda Guerra Mundial e, algumas semanas depois, chegaria ao Copacabana Palace o cineasta Orson Welles, como parte da política de boa vizinhança. O autor do aclamado Cidadão Kane vinha ao país para produzir um vídeo exibindo o Brasil ao resto do mundo.
Welles gravou o carnaval carioca, mas em pouco tempo abandonou as orientações para retratar apenas o lado bom do que via e passou a enviar aos Estados Unidos rolos de filmes com imagens das favelas e de retirantes nordestinos – essa atitude acabou interrompendo os trabalhos, que só seriam publicados em 1993, após a morte do cineasta, no documentário It’s All True.

Jacaré e os outros retornaram ao Rio, agora de avião, e foram de jangada na direção da praia da Gávea, atual São Conrado, onde as lentes de Welles registrariam as cenas para a posteridade. Durante o deslocamento, porém, o tempo mudou, as águas tranqüilas foram tomadas por ondas gigantescas e uma delas tragou a embarcação. Três dos quatro jangadeiros conseguiram superar a correnteza e chegar à praia a nado. Jacaré, dando uma triste razão a uma frase sua publicada anteriormente no Diário Carioca – “O jangadeiro deve morrer no mar. Para ele, jamais existirá sepultura mais bela” –, foi o único que não escapou. Orson Welles chegou a prometer que concluiria o longa-metragem e dedicaria à memória do fortalezense, mas foi impedido pelo corte de verbas da produtora.
Um pouco desse azar em meio à glória e à iminência do sucesso para as câmeras foi sentido pelo pobre Grays Athletic, um clube semiprofissional da Conference, a quinta divisão do futebol da Inglaterra. Na terça-feira passada, o Grays receberia pela primeira vez em seu estádio, o New Recreation Ground, um time profissional. O jogo fora conquistado graças ao regulamento da FA Cup, que obriga os times a disputarem um replay com mando de campo invertido em caso de empate na “partida única” – foi o que o Grays fez, obtendo um 1-1 como visitante contra o Carlisle United no dia 8 de novembro.
O Carlisle é apenas um time da terceira divisão, mas é um profissional. Derrotá-los, para um clube meio amador, vale muito. E a chance de destacar o nome da cidade de pouco mais de 35 mil habitantes nacionalmente. Assim, o Grays fez insistentes campanhas convocando torcedores, pedindo fileiras lotadas para tornar plausível o ambicioso projeto de avançar à próxima fase. Os quatro mil lugares do estádio foram quase todos ocupados, apesar do frio. Aficionados prontos, bola rolando.
Aos vinte minutos, o Grays Athletic surpreendeu os profissionais de Carlisle, fazendo o sonhado um a zero com Sam Sloma.

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