Durante o seu período como ditador, Getúlio Vargas implantou uma série de leis trabalhistas sem precedentes no Brasil. Mais tarde reunidas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT, 1943), elas davam direito a salário mínimo, férias remuneradas, limitavam a jornada diária e garantiam estabilidade no emprego. Benefícios que não chegaram aos jangadeiros do Nordeste. Sem ter a sua profissão reconhecida, eles passaram longe de qualquer perspectiva de avanço nas condições precárias em que se encontravam.
Para reivindicar esses direitos, Manoel Olímpio Meira, pescador de Fortaleza comumente chamado de Jacaré, e mais três companheiros, partiram da praia de Iracema em 14 de setembro de 1941 na direção da capital nacional, o Rio de Janeiro. Seu meio de locomoção: as jangadas em que trabalhavam. Fazendo escalas ao longo da costa, o quarteto gastou 61 dias percorrendo os mais de 2 mil quilômetros do insólito trajeto. Foram recebidos em triunfo pela população carioca e conseguiram uma reunião com o Presidente.
A façanha chegou às páginas da revista estadunidense Time, encimada pelo título “viagem homérica”. No ano seguinte, em janeiro, ocorreria no Rio a Conferência dos Chanceleres, em que o Brasil tomaria definitivamente o lado dos norte-americanos na Segunda Guerra Mundial e, algumas semanas depois, chegaria ao Copacabana Palace o cineasta Orson Welles, como parte da política de boa vizinhança. O autor do aclamado Cidadão Kane vinha ao país para produzir um vídeo exibindo o Brasil ao resto do mundo.
Welles gravou o carnaval carioca, mas em pouco tempo abandonou as orientações para retratar apenas o lado bom do que via e passou a enviar aos Estados Unidos rolos de filmes com imagens das favelas e de retirantes nordestinos – essa atitude acabou interrompendo os trabalhos, que só seriam publicados em 1993, após a morte do cineasta, no documentário It’s All True. Impressionado com o que lera a respeito dos jangadeiros, o diretor decidiu incluir uma reconstituição da viagem no filme, convidando os quatro para participar das gravações.
Jacaré e os outros retornaram ao Rio, agora de avião, e foram de jangada na direção da praia da Gávea, atual São Conrado, onde as lentes de Welles registrariam as cenas para a posteridade. Durante o deslocamento, porém, o tempo mudou, as águas tranqüilas foram tomadas por ondas gigantescas e uma delas tragou a embarcação. Três dos quatro jangadeiros conseguiram superar a correnteza e chegar à praia a nado. Jacaré, dando uma triste razão a uma frase sua publicada anteriormente no Diário Carioca – “O jangadeiro deve morrer no mar. Para ele, jamais existirá sepultura mais bela” –, foi o único que não escapou. Orson Welles chegou a prometer que concluiria o longa-metragem e dedicaria à memória do fortalezense, mas foi impedido pelo corte de verbas da produtora.
Um pouco desse azar em meio à glória e à iminência do sucesso para as câmeras foi sentido pelo pobre Grays Athletic, um clube semiprofissional da Conference, a quinta divisão do futebol da Inglaterra. Na terça-feira passada, o Grays receberia pela primeira vez em seu estádio, o New Recreation Ground, um time profissional. O jogo fora conquistado graças ao regulamento da FA Cup, que obriga os times a disputarem um replay com mando de campo invertido em caso de empate na “partida única” – foi o que o Grays fez, obtendo um 1-1 como visitante contra o Carlisle United no dia 8 de novembro.
O Carlisle é apenas um time da terceira divisão, mas é um profissional. Derrotá-los, para um clube meio amador, vale muito. E a chance de destacar o nome da cidade de pouco mais de 35 mil habitantes nacionalmente. Assim, o Grays fez insistentes campanhas convocando torcedores, pedindo fileiras lotadas para tornar plausível o ambicioso projeto de avançar à próxima fase. Os quatro mil lugares do estádio foram quase todos ocupados, apesar do frio. Aficionados prontos, bola rolando.
Aos vinte minutos, o Grays Athletic surpreendeu os profissionais de Carlisle, fazendo o sonhado um a zero com Sam Sloma.
Aos vinte e um, torcida ainda celebrando, uma pane apaga os refletores. Problema semelhante havia ocorrido no estádio há uma semana, em partida válida pelo Setanta Shield (copa da 5ª e 6ª divisões inglesas). Daquela vez não houve solução e, desta, o tempo de tolerância foi pequeno. O jogo foi cancelado e recomeçará do zero no dia 29.
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