Esperança

Estranhamento. A sensação causada pela vitória do Grêmio no domingo ocorre por conta de um número: catorze. Catorze jogos do returno foi o tempo que durou a hibernação do espírito que o Grêmio havia mostrado na primeira metade do Campeonato Brasileiro. Da 20ª rodada, no 1-0 com gol irregular sobre o São Paulo, à 33ª, no deprimente 1-1 com o Figueirense, não houve uma partida em que o tricolor gaúcho transparecesse a qualidade mostrada anteriormente – e, em muitas delas, nem mesmo a vontade se fazia evidente.

Ontem, no Palestra Itália, apareceu futebol, apareceu raça e houve, pela primeira vez no segundo turno, uma vitória gremista fora de casa, sobre um time com um dos retrospectos mais invejáveis dentro de seu estádio. O Palmeiras do domingo estava desfalcado de Diego Souza e Kléber Cotovelo, é verdade, e isso causou problemas para Luxemburgo, com uma f-o-f-é-r-r-i-m-a gravata rosa, resolver, mas o Grêmio não deixou por menos no quesito faltas importantes e, simplesmente, entrou em campo sem a sua linha defensiva titular – armou um trio com Amaral, volante improvisado, Héverton, um ex-júnior de vinte anos com cara de bandoleiro mexicano de trinta e cinco, e Jean, eterno reserva que fez um partidaço, saindo expulso gloriosamente ao conter um contra-ataque na base do soco, nos acréscimos.

O exagero de chamar aquilo de soco é mais uma forma de traduzir como o Grêmio se portou ontem. Talvez por influência do protesto dos torcedores no treino de terça-feira, os jogadores sabiam que não podiam perder. Não se quisessem dar razão ao sonho que criaram na cabeça de cada aficionado durante os últimos meses. E assim, defendendo com uma solidez que não apareceu nas rodadas passadas, atacando com uma violência muito diferente das suas anêmicas ofensivas recentes, o Grêmio terminou o primeiro tempo no Palestra tendo estado com a partida nas mãos: perdeu um gol feito com Marcel e viu seu adversário, o suposto time do bom toque de bola e das jogadas envolventes, morrer invariavelmente nas linhas de impedimento e só ser capaz de levar perigo em cobranças de falta e escanteio.

No segundo tempo, retrato muito parecido, com a diferença do gol. Um tento espírita de Tcheco, um cruzamento da esquerda que passou por três cabeceadores e entrou direto no canto de Marcos, mas um gol capaz de modificar todo o ânimo das duas equipes. Era o minuto 72 do cronômetro contínuo no momento em que o zero a um apareceu na contagem. Era o minuto 72 quando os fãs alviverdes murcharam, os tricolores passaram a cantar que seu time vai sair campeão e, em campo, os visitantes definiam que a defesa seria seu objetivo primário enquanto os locais eram tomados de loucura. Não a loucura dos furiosos por uma remontada: a loucura dos desesperados que vêem o ano terminar num jogo. Marcos exemplificou isso com quatro subidas ao ataque, a primeira delas faltando QUINZE minutos para o fim do tempo regulamentar, e a última, em jogada ainda com bola rolando.

Inútil. Como fizera durante a partida inteira, o Grêmio segurou os ataques, inclusive criou outras oportunidades, e encerrou com três pontos a sua primeira grande atuação de todo o segundo turno. Quando a briga pelo título era polarizada entre gremistas e palmeirenses, esperava-se que essa partida direta definisse o campeão. O São Paulo acabou crescendo, os dois ex-líderes decaíram, e o jogo de ontem sequer serviu para levar o vencedor à liderança do campeonato, muito menos para lhe assegurar o título. Mas a vitória de domingo teve a importância de recuperar, no Grêmio, a moral perdida havia muito, reavivando as esperanças para as próximas quatro rodadas, nas quais o time precisará buscar dois pontos de desvantagem para o primeiro colocado. Se a manhosa Taça do Brasileirão julgava o Grêmio um fraco e não pretendia sair de São Paulo, o tricolor foi até lá para mostrar que pode sim merecê-la neste ano.