A vantagem do Barcelona sobre o Real Madrid na Liga 2006/07 costumava ficar em cinco pontos. Estava assim em 10 de março, quando do 3-3 entre as duas equipes no confronto direto em Camp Nou. Remontar aquele campeonato exigia algo fora de questão se considerado o que os merengues haviam mostrado nas temporadas anteriores: exigia garra. Desde o galacticídio de 2004, o que se via era um time tão pálido de empenho quanto a camisa que vestia, e era muito improvável que algo mudasse em meio àquela temporada para evitar o tricampeonato do Barcelona. Aí Fabio Capello fechou o grupo, estabeleceu uma meta e o clube lançou uma campanha para atrair torcedores: juntos, podemos.
Em janeiro deste ano, quando estive no Santiago Bernabéu, o museu do Madrid expunha em destaque a taça da Liga de 2007, sob a inscrição: juntos, hemos podido. Puderam porque depois que os madridistas colocaram na cabeça que conseguiriam recuperar aquilo tudo, depois daquele jogo contra o Barça, o time venceu dez partidas e empatou uma nas doze rodadas seguintes. Acumulou gols nos minutos finais, tardes e noites heróicas e encerrou o campeonato com a mesma pontuação do Barcelona – levando vantagem pelo primeiro critério de desempate, exatamente aquele que ficara favorável aos brancos naquele 10 de março na Catalunha: o confronto direto.
A remontada da Liga foi sustentada por remontadas dentro de partidas individuais. A mais simbólica delas, no fim de semana em que o Madrid assumiu a liderança para não largar mais: 34ª rodada, 12 de maio de 2007. No Santiago Bernabéu lotado, levando hat-trick de Pandiani, o Real Madrid foi ao intervalo sofrendo humilhantes 1-3 do Espanyol. Sem ter como sonhar diante do que o placar dizia, os torcedores desconheciam que o vestiário merengue convulsionava. Era chegado o momento definitivo da garra – a hora de separar os mercenários dos que incorporavam aquela alma tão bem representada na velha e lendária figura de Juanito. Não havia mercenários em campo naquele dia. Raúl descontou. Reyes igualou. Um pontinho honroso era salvo, o estádio empurrava a equipe ao ataque e o tempo que passava não reduzia o ímpeto. No minuto 90, a consagração, o gol dos 4-3, da vitória que o empate do Barcelona contra o Betis, no dia seguinte, transformaria em tomada do primeiro lugar – e, posteriormente, do título.
Aquele gol da remontada, aquele gol da reconstrução da raça do Real Madrid foi marcado por Higuaín. O mesmo Higuaín que, neste fim de semana, em outro 4-3, agora sobre o Málaga, saiu do jogo como herói, mas por motivo diferente: no sábado último, não foi um gol no fim que o alçou à estima dos aficionados, mas sim todos os gols do jogo. Nem sua bela partida e o fato de ter estado três vezes à frente no placar salvaram o Málaga da possessa Pipita que carregava o número vinte nas espáduas. Higuaín empatou as três vezes e concluiu a virada quando os oponentes já não agüentavam mais ver o sonho ruir a cada gol. Hoje o Marca estampa que o Real Madrid quer transformar Gonzalo num novo ídolo. No Bernabéu, isso significava até pouco tempo atrás: criar um galáctico. Para o seu próprio bem, que o Madrid não cometa esse erro com um dos símbolos da reconquista da sua garra, que não o transforme numa reedição daquelas estultices marqueteiras e perdedoras de 2003/04.
Nenhum comentário:
Postar um comentário