sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Trauma de setembro

Convidou os amigos para um torneio de xadrez. Não só isso: beber, comer, conversar, gastar uma noite rindo e tendo o tabuleiro por pretexto. De ser xadrez e exigir concentração é um detalhe: o jogo faz parte da ocasional rotação de pseudo-esportes que costumam disputar – houve a noite do pôquer, do pebolim, do ping-pong, do beber-até-cair-e-levantar-(ou-não), por que não haveria uma noite do xadrez?

Não tardou a concluir que seria entediante demais ficar movendo torres, bispos e lerdos peões, e da epifania nasceu uma festinha. Inspirador da noitada, o jogo virou secundário. O reduzido grupo, sempre de cinco ou seis, quantidade que variava de acordo com a modalidade a ser disputada, subiu a quinze convidados. Que não eram mais apenas convidados, mas também convidadas. Uma festa, afinal.

O local terminou cambiado por outro maior. Engenhoso na arte do convencimento, usurpou a casa de um dos amigos e afastou de si a responsabilidade de hostear o evento. Como compensação, sentiu no bolso e marchou com centecinquenta reais, o suficiente para bancar toda a festa de improviso. Coisas acertadas com uma semana de antecedência. Aparentemente. As coisas nunca estão certas.

Ela mora em outra cidade. E Ela só passa a noite por ali se tiver pouso. Ela descobre não ter portas abertas nas casas das outras convidadas. E ele entra num dilema. Porque Ela, com e maiúsculo, vem povoando seus pensamentos há dias. Ele está apaixonado, mas não sabe como ir adiante nem tem coragem de fazê-lo. Não neste momento. Falta tempo. Ele precisa estudar, precisa passar num vestibular de medicina em universidade federal daqui a três meses. Ele não pode perder atenção com mulheres. Atitude guei, talvez, mas é isso ou desperdiçar um ano – pensa. Mas ele A quer.

Oferece a casa a Ela? O que a família dirá? Maldita família de fofoqueiros que tornará seus dias infernais depois disso. Maldita independência que, à beira dos dezoito anos, ainda não veio. Maldita falta de tempo. Ele não pode oferecer a casa a Ela. No entanto, não pode deixá-La de fora dessa noite. Ah, se isso fosse no ano que vem, aí haveria facilidade. Depois da vida de colégio e estresse de vestibulando haverá tempo. Toda essa incerteza surgida agora vem como que para provar o caráter, interpreta. Maldita hora para isso acontecer. Como não oferecer pouso a Ela, banindo-A indiretamente da noite? O coração não deixa.

Até a festa começar, ele gastará alguns muitos minutos no celular, tentando convencer alguma das outras meninas a ceder um lugar para Ela. Na casa dele, porém, não. Isso está definido. É íntimo demais. Íntimo demais para esse momento. Principalmente porque amanhã tem jogo do Grêmio e, desde o visto em setembro, ele tem ficado num estado lastimável nas horas anteriores às partidas do tricolor. Não pode ser visto assim por Ela. Ainda mais de ressaca, que amanhã também será dia disso.

AQIP: Este é um texto de ficção. Qualquer semelhança com a realidade é coincidência. Não insista.

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