Você pode ir a Roma e não ver o Papa, que tem chances de estar viajando, mas não pode ir à Espanha e ficar sem ler o diário Marca – pelo menos se for um amante do futebol ou do esporte em geral. Porque o Marca é uma lenda em forma de jornal. Mais do que ter passado muitas décadas como o líder em vendas naquele país e estar completando em 2008 sete décadas de história, ele concede os principais prêmios individuais do Campeonato Espanhol (os troféus Pichichi, ao artilheiro, e Zamora, ao goleiro menos vazado) e traz as mais aguardadas imagens e notícias exclusivas. Vale a pena folhear as suas páginas – além de colunistas extraordinários, a publicação fatalmente trará entrevistas ricas, pois grandes personagens futebolísticos não faltam por lá.
Mas o Marca tem dois problemas. Ou muitos mais, mas dois são principais. O primeiro é o fato de ser um especulador de marca (com o perdão do trocadilho), e estampar uma quantidade enorme de grandes fichajes que nunca se concretizam – Cristiano Ronaldo no Santiago Bernabéu foi a “contratação certa” mais falada dos últimos tempos. O segundo é a enorme tendência madridista do jornal: o maior número de páginas dadas pelo Marca a um único tema é do Real Madrid.
Como o Madrid está sempre no topo, tem a maior torcida espanhola e o diário é da capital (os descontentes de Barcelona têm o Mundo Deportivo e o Sport para se refestelar), até não haveria tantos motivos para reclamação. O que causa incômodo e explicita que o Marca é pró-Real Madrid e não simplesmente pró-capital são os raros momentos em que o Atlético de Madrid consegue obter algumas glórias e nem assim impede um destaque superior dado ao rival. É o caso deste início de temporada, em que um Atlético de excelentes resultados na Copa da Europa e na Liga segue à sombra de temas menos importantes do Madrid. A coletânea de capas abaixo ajuda a explicar:
1. Quinta-feira, 28 de agosto: a capa faz referência ao fracasso das três grandes negociações do Real Madrid na pré-temporada (Cristiano Ronaldo, David Villa e Santiago Cazorla). O Atlético, que havia vencido o Schalke alemão por 4-0 na véspera e ingressado na Champions League pela primeira vez na década, é um intruso a ocupar um quarto do espaço.
2. Segunda-feira, 1º de setembro: o Real Madrid leva 2-1 do Deportivo La Coruña na estréia da Liga e, sendo a segunda-feira o último dia com o mercado de verão aberto, o diário fala da necessidade de contratações para reforçar o elenco merengue. O fim de semana do Atlético teve vitória por 4-0 sobre o Málaga e liderança do campeonato depois de anos, mas novamente só serviu para ganhar um cantinho da capa.
3. Terça-feira, 16 de setembro: dia da estréia do Atlético de Madrid na Champions League, contra o PSV, em Eindhoven, que “se prepara para o pior com a chegada de Forlán e de Kun Agüero”. Apesar da chamada, o Marca ainda dá mais destaque à titularidade de Raúl no jogo do Madrid contra o BATE, que seria disputado na quarta-feira.
4. Quarta-feira, 17 de setembro: outro canto de capa para os colchoneros. A estréia com belíssimos 0-3 sobre o PSV não comoveu os editores, que estamparam a repetição da velha ladainha madridista – “este ano ganharemos a décima Copa da Europa”.
5. Quinta-feira, 18 de setembro: não há o que falar do Atlético nesse dia, mas não deixa de divertir a tentativa de diminuir os efeitos da má atuação dos 2-0 sobre o BATE Borisov. Com direito a asterisco no LÍDERES: “quem não se consola é porque não quer”.
6. Domingo, 21 de setembro: o Atlético goleia outra vez. Ontem, fez 4-0 sobre o Recreativo de Huelva, deu seqüência ao seu maravilhoso início de temporada e mostrou os primeiros sinais de pretensão de título. Mesmo assim, a grande capa vai para as ameaças que Guti sofreu de um boxeador no CT do Real Madrid.
Aqui no Rio Grande do Sul, gremistas e colorados irritados com determinado destaque da imprensa a algum aspecto do rival costumam tachá-la de “vermelha” ou “azul”. Sem motivos reais, mandam emails de críticas, escrevem longos textos de repúdio. Fossem colchoneros convivendo com essa cobertura despudoradamente “blanca”, provavelmente invadiriam a sede do Marca brandindo tochas e forcados.
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