21 de junho de 1936, estádio Mestalla, Valencia. Barcelona e Madrid encontram-se pela primeira vez numa final do Campeonato de España (hoje chamaríamos Copa do Rei). O Madrid era apenas isso, Madrid – o título de Real à frente do nome, embora concedido pelo Rei Alfonso XIII na alvorada da década anterior, tinha seu uso proibido desde a implantação da Segunda República Espanhola, em 1931. Aquele jogo venceriam os merengues, com atuação destacada do goleiro Ricardo Zamora e defesa legendária sua no final da partida. O 2-1 significou o oitavo título do Madrid no torneio, sob ovações do público.
A união dos torcedores para receber os campeões na volta à capital contrastava com o momento vivido pelo país – àquela altura, a Espanha inteira fervia de paixão política. Menos de um mês depois, em 17 de julho, tiveram início os movimentos dos nacionales de Francisco Franco, tentando um golpe militar que poria fim à república, então governada pela Frente Popular, coligação de partidos de esquerda. O sucesso dos militares é rápido nas regiões em que as coalizões direitistas haviam conquistado mais votos nas eleições de fevereiro de 1936, mas as zonas favoráveis à Frente Popular, incluindo as cidades de Madrid e Barcelona, rechaçam o golpe. Com o país dividido entre republicanos e nacionalistas (mapa ao lado), começa a sangrenta Guerra Civil Espanhola.
E praticamente termina o futebol.
Diversos jogadores têm suas carreiras abreviadas, estádios são convertidos em campos de prisioneiros e muitos clubes encerram, ao menos temporariamente, suas atividades. Em toda a fragmentada Espanha, somente dois campeonatos sobrevivem em 1937, ambos na banda republicana: as ligas da Catalunha (região de Barcelona) e Levante (Valencia). As federações dessas regiões organizam então um torneio em turno e returno, a Liga Mediterránea de Fútbol, cujas rodadas seriam jogadas nos dias em que as da cancelada Liga Espanhola ocorreriam.
Prevista para ser disputada por 12 times, os seis melhores de cada lado, a Liga logo é alterada por força da Guerra: Hércules FC (de Alicante), Murcia FC e Cartagena FC, todos de Levante, têm suas cidades bombardeadas e se retiram. O campeonato passa a ter oito equipes: a Federação Catalã inscreve apenas Barcelona, Espanyol, Girona e Granollers, deixando de fora o Sabadell e o Badalona, e representando os valencianos vêm os pré-classificados Valencia, Levante FC e Gimnástico, além do Athletic Castellón, incluído para completar quatro.
Ao final das 14 rodadas, perdendo apenas uma vez (para o Girona, 2-0 como visitante), o Barcelona assegura o título, perseguido de perto pelo rival Espanyol, como mostra a classificação final abaixo.A seguir, entre junho e julho de 1937, um outro torneio, com nome de taça eliminatória e formato de liguilla, viria a emparelhar as quatro melhores equipes da Liga Mediterránea: a Copa de la España Libre, ou Copa de la República, um quadrangular de dois turnos que oporia os dois melhores classificados após as seis rodadas em uma final. O Barcelona, porém, abriu mão da sua vaga na Copa para excursionar pela América do Norte, também pensando na Guerra: nos Estados Unidos e no México, faria mais de vinte amistosos, visando arrecadar dinheiro para financiar a causa republicana. Dessa forma, o Levante FC (que, anos depois, faria uma fusão com o Gimnástico, originando o Levante UD atual), quinto da Liga, pôde entrar no torneio, e dali saiu campeão.
A campanha foi quase perfeita: dois empates por 2-2 com o Girona, uma vitória por 0-4 e outra por 5-2 no Valencia, e um 4-1 no Espanyol, em casa. O time chegou à última rodada classificado e nem se importou de levar 2-1 para o próprio Espanyol, em Barcelona – pelo contrário, o resultado teria eliminado o rival Valencia se estes, ao invés de empatar por 2-2 fora de casa com o Girona, fossem derrotados no jogo decisivo (classificação abaixo).Empatando, o Valencia passou à final, apenas para ser vencido novamente. Em Barcelona, no dia 18 de julho de 1937, um dia depois do primeiro aniversário da Guerra Civil, o Levante fez 1-0 e conquistou o título.
A partir daí, sim, terminou o futebol. As resistências republicanas foram sendo esmagadas até abril de 1939, quando Franco ascendeu ao poder para instaurar sua ditadura fascista. A vitória dos nacionales pode também ser vista nos históricos de campeões da Espanha: a Real Federación Española de Fútbol aceita o Sevilla como vencedor da Copa de 1939, jogada apenas por equipes das regiões controladas pelos franquistas, mas até hoje reluta em reconhecer como oficiais aqueles títulos das taças disputadas na zona republicana em 1937. Projetos aprovados no Congresso Espanhol por fins do ano passado tentam mudar isso.
Um comentário:
É, com certeza existem algumas coisas que não gostamos nem de lembrar. Mas sempre temos a oportunidade de aprender com nosso erros. Belo texto, Maurício.
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