quinta-feira, 3 de julho de 2008

A enésima tragédia do Maracanã

A noite do Maracanã trouxe muito do esperado. O estádio lotado, público recorde do ano no futebol brasileiro, uma partida dos locais pela remontada, esperança e luta até o fim. Trouxe o incomum de uma prorrogação, e nem tão raros erros de arbitragem e decisão por pênaltis. Trouxe heróis. Guerrón apresentou seu grande futebol uma vez mais. Thiago Neves fez três gols para figurar entre os nomes míticos da Copa. Nas penalidades máximas, surgiria um outro, que até ali se encaminhava para ser vilão, trazendo o que não se esperava.

Nada disso traduz o significado da noite de quarta-feira melhor do que analisar o confronto focando Luiz Alberto (na foto à direita, disputando a bola). Ele, o capitão tricolor, um jogador defensivo firme, embora com futebol longe do genial. Um raro homem com a capacidade de compreender plenamente o seu posto como parte da história e seu poder de transformá-la. Luiz Alberto foi emblemático na campanha pela América em 2008. Nas suas entrevistas, não hesitava em dizer o quão carente de glórias a torcida tricolor estava, e afirmava convicto que chegara a hora do time se fazer grande.

Mais que um mero frasista, um orador. Não foi dada a devida relevância à grandeza das palavras ditas por Luiz Alberto, mas elas teciam uma imagem de fundo perfeita para o momento que se vivia. Como anunciava o capitão, o Flu se fez grande como nunca antes. Eliminou São Paulo. Passou por cima do Boca. Mesmo sofrendo a desvantagem na final contra a LDU, permaneceram as mensagens de esperança para que os cariocas pensassem ao estilo sí, se puede. Nem com os 4-2 levados na ida e o 0-1 sofrido no início do jogo de ontem, deixando o placar agregado quase irrecuperável, aquela fé cessou. O que Luiz Alberto falava não era um sentimento apenas próprio, e sim de toda a torcida do Fluminense – como, supõe-se, era também dos aficionados da Liga de Quito. A grandeza de seu discurso estava nisso, na perfeita sincronia de pensamento entre time e torcida, uma vontade que vinha do fundo da alma de cada um cujas emoções dependiam diretamente do que ocorria no Maracanã. Ao intervalo, 2-1 favorável no placar, o líder dos grenás, verdes e brancos levantaria seus torcedores uma vez mais.

O título estava perto. A poucos gols de distância. Raça e qualidade fariam ele vir. E isso, prometia, não faltaria: sairia o terceiro gol, e depois o quarto. Tinha que sair. Hat-trick de Thiago Neves e o terceiro saiu. O 3-1 levou o duelo a uma prorrogação em que os números de oportunidades se modificariam pouco, aumentando o abismo até o quarto tento. Teríamos os erros de arbitragem, não concedendo um pênalti ao Flu ainda no tempo normal, anulando um gol legítimo da Liga na meia hora extra, mas a cara do jogo nos tempos finais foi de cansaço e temor de cometer erros fatais. Parecia inalterável aquele quadro quando, aos 119 minutos, puxando um fôlego e uma arrancada digna de quem merece sonhar com a grande Copa, Guerrón partiu do centro do campo rumo à área carioca, vencendo marcadores, aproximando-se do gol iminente.

Pouco antes da linha da área, levou a pancada e caiu numa falta que não renderia gol. Luiz Alberto estava lá como recurso final, último zagueiro, parando tudo e saindo expulso. Na beira do gramado, onde permaneceria irregularmente durante toda a tanda de pênaltis, o capitão justificava sua escolha. Sua falta era quase um gol do título. Como um guerreiro caído em batalha, sacrificava-se em prol do objetivo comum. Ao custo de sua permanência sobre o terreno de jogo, impedia que suas redes fossem balançadas naquele momento definitivo. Dizia isso sorrindo. Aparentava vislumbrar a situação como perfeita para a glória. A partir dos chutes vindos da marca de onze metros, a Copa sairia do Maracanã para as Laranjeiras. O cenário estava montado. Ele, confiante. Seriam heróis eternos.

Por ora, com o campeão indefinido, todos podiam se dizer heróis por haver chegado até ali. Dos vinte jogadores que continuariam no verde (com a expulsão do outro lado, a Liga também teria que sacar um para os penais), somente um podia ser tomado por anti-herói. “Pepe Pancho” Cevallos, o goleiro de braços curtos e pulos atrasados. Durante o tempo corrido, falhou espetacularmente em bolas relativamente fáceis, incluindo o primeiro gol, sofrido por mau posicionamento. Saiu como o homem da noite. Vice-campeão da América há uma década, 37 anos nas costas, Cevallos sabia ser aquela a sua provável última chance de lograr o maior dos títulos que um atleta de clube pode querer. Agachado, de costas para o batedor, agarrado às redes num ritual particular, rezava. Dizia fazer pedidos para a Virgem Milagrosa da qual era devoto, apesar de não estar errado aquele que interpretou como uma prece aos nem sempre piedosos deuses do futebol. Pois eles sorriram diante da catimba e premiaram o arqueiro equatoriano com a fortuna. Cevallos defendeu três tiros.

Inverteu o placar do jogo. Nos pênaltis, 3-1 para a Liga de Quito, grande campeã da Libertadores 2008.Na beira do campo, Luiz Alberto agora chorava, o mundo resumido ao circular Maracanã parecia girar interminavelmente ao seu redor. Como? Por quê? Uma trajetória tão espetacular... encerrada assim. Perder uma final de Libertadores é sempre desolador. Para um time como o Fluminense, que nunca havia chegado tão longe, é ainda pior – não se sabe quando se juntará força para reeditar a caminhada. Quando a taça foi erguida, como que para ironizar todo o otimismo e esperança de Luiz Alberto e dos Torcedores, houve chuva de papéis picados nas cores do Flu. Mas não era para o Flu. Apenas um erro dos organizadores da cerimônia na noite em que a América reconheceu o Equador como campeão. E na qual o Maracanã viveu mais uma das suas tragédias.

Um comentário:

Anônimo disse...

Cevallos, Ducadam e alma de Libertadores

Se me pedissem para apontar um jogador dessa final, sem dúvida eu escolheria Cevallos. Toda sua experiência, aliada à catimba foi sensacional. É disso que se trata a Libertadores. Nos últimos anos, a alma vêm sendo deixada de lado, e são poucos os jogos "pegados" que se vêem, nem comparação com o que era há alguns anos, talvez esse, aliado a mais outros fatores, seja o principal catalizador para a chegada de mais clubes brasileiros nas finais. Escolheria Cevallos sem dúvida, mesmo antes da cobrança de penais.


Mas como o título se decidiu na marca da cal, foi inevitável...quando Conca perdeu o pênalti, defendido por Cevallos, na hora, me veio a lembrança de DUCADAM, na final da Copa dos Campeões de 86, foi como uma visão...e olha que eu nem sabia que o arqueiro acabaria defendendo 3 pênaltis, mas o lado do gol, a jaqueta verde, tudo me fez remeter ao goleiro do Steaua Bucaresti, a semelhança só não foi maior pois o romeno defendeu 4 cobranças. Mesmo assim, presenciamos um momento histórico. Merecida conquista.