Hoje eu não quero falar de futebol. Vi a partida da Áustria, e houve beleza na luta da equipe mais fraca tentando a glória contra uma Alemanha que, no fim, acabou com vitória de 0-1; também acompanhei a manutenção dos 100% de aproveitamento da Croácia, fazendo 1-0 na Polônia apesar de usar uma formação de reservas. Mas, hoje, o futebol foi apenas uma distração no meu dia aflito.
Ocorre que, há pouco mais de mês, meu pai foi diagnosticado com um tumor maligno na próstata, em estágio inicial. A evolução de um câncer desse tipo é geralmente lenta, possibilitando tempo para escolher a melhor forma de tratar, dando uma quase certeza de chances de cura, especialmente pela descoberta precoce e pela idade relativamente baixa do afetado. No entanto, qualquer das várias alternativas (e aí há uma gama de terapias hormonais, químicas e de radiação) seria um mero paliativo, adiando o problema para perto de uma década mais tarde, quando um novo tratamento já seria mais complicado. A maior solução para alguém de 51 anos, e o provável fim completo da questão seria a chamada prostatectomia radical – a extração completa da glândula e seus anexos.
A cirurgia será na manhã da terça-feira, 17. Em tese, fácil, comum, bastante simples – o mais importante: curável. As chances de algo dar errado são praticamente nulas, e assim a tranqüilidade se mantém durante várias semanas. Mas, às vésperas, você assina um papel eximindo o cirurgião de culpa por qualquer imprevisto que venha a acontecer em decorrência da operação. E só quando se está diante daquela folha com uma longa lista de todos os problemas posteriores de rara ocorrência, e a lista se encerra em óbito, é que se tem a perfeita noção de porquê aquelas porcentagens insignificantes das estatísticas jamais são desprezadas. O um, dois, dez ou vinte por cento vira cem nos momentos de maior incerteza.
Por essas horas, vem à mente toda aquela velha ladainha. A repetitiva ladainha. A, no entanto, só agora verdadeira ladainha. Entende-se que o longo e por vezes custoso tempo passado (“perdido”) ao lado de quem estimamos sempre parecerá curto demais quando se olha para trás e, na realidade, terá mesmo passado muito rápido. Entende-se que não eram meras besteiras quando outros alertavam não haver hora para evidenciar todo o amor que se tem pelas pessoas queridas, e que sempre parecerá ter faltado algo se isso não foi levado a sério. Entende-se que todo o pensamento racional pode sim dar lugar a simples fantasias, esperanças, uma alienação para idealizar que tudo dará certo – e à fé, às orações, que são outro refúgio alheio ao material, para aqueles que seguem alguma linha religiosa, embora esse não seja o meu caso.
Acima de tudo, e esse é o maior legado de uma experiência assim, aprende-se que as mais dramáticas questões fazem parte da vida e, ainda que indesejadas, não podem ser tomadas como intransponíveis por causarem surpresa – pois, com maior ou menor gravidade, elas sempre vêm, provocando reflexão, deixando lições.
A lição que aprendi do meu pai foi a de não baixar a cabeça diante do problema, de não perder o bom-humor, de seguir em frente. Passei, desde a semana do diagnóstico até o dia de hoje, sem revelar algo a ninguém. Mas não o fiz por vergonha, por um tabu ou mera convenção social estúpida. Não havia o que esconder. Simplesmente não queria ser visto como um coitado, alguém num profundo sofrimento com quem os diálogos deveriam ser medidos e certas conversas deveriam ser evitadas, até por não saber como reagir. Não me interessava essa muleta do coitadismo, do olhar condescendente dos demais respeitando uma dor e não cobrando pelos erros. Não! E continuará não me interessando, agora que tudo está bem explicado. Amanhã, naquela mesa de cirurgia do hospital, tudo dará certo. Seguiremos em frente, como seguimos até aqui, agora mais sabedores desses percalços que as andanças da vida trazem.
Amanhã, espera-se, depois das lições, após esse temor inescapável de véspera, será um dia de cura e alívio, será um dia bom. Será um dia em que vou querer falar de futebol.
Ocorre que, há pouco mais de mês, meu pai foi diagnosticado com um tumor maligno na próstata, em estágio inicial. A evolução de um câncer desse tipo é geralmente lenta, possibilitando tempo para escolher a melhor forma de tratar, dando uma quase certeza de chances de cura, especialmente pela descoberta precoce e pela idade relativamente baixa do afetado. No entanto, qualquer das várias alternativas (e aí há uma gama de terapias hormonais, químicas e de radiação) seria um mero paliativo, adiando o problema para perto de uma década mais tarde, quando um novo tratamento já seria mais complicado. A maior solução para alguém de 51 anos, e o provável fim completo da questão seria a chamada prostatectomia radical – a extração completa da glândula e seus anexos.
A cirurgia será na manhã da terça-feira, 17. Em tese, fácil, comum, bastante simples – o mais importante: curável. As chances de algo dar errado são praticamente nulas, e assim a tranqüilidade se mantém durante várias semanas. Mas, às vésperas, você assina um papel eximindo o cirurgião de culpa por qualquer imprevisto que venha a acontecer em decorrência da operação. E só quando se está diante daquela folha com uma longa lista de todos os problemas posteriores de rara ocorrência, e a lista se encerra em óbito, é que se tem a perfeita noção de porquê aquelas porcentagens insignificantes das estatísticas jamais são desprezadas. O um, dois, dez ou vinte por cento vira cem nos momentos de maior incerteza.
Por essas horas, vem à mente toda aquela velha ladainha. A repetitiva ladainha. A, no entanto, só agora verdadeira ladainha. Entende-se que o longo e por vezes custoso tempo passado (“perdido”) ao lado de quem estimamos sempre parecerá curto demais quando se olha para trás e, na realidade, terá mesmo passado muito rápido. Entende-se que não eram meras besteiras quando outros alertavam não haver hora para evidenciar todo o amor que se tem pelas pessoas queridas, e que sempre parecerá ter faltado algo se isso não foi levado a sério. Entende-se que todo o pensamento racional pode sim dar lugar a simples fantasias, esperanças, uma alienação para idealizar que tudo dará certo – e à fé, às orações, que são outro refúgio alheio ao material, para aqueles que seguem alguma linha religiosa, embora esse não seja o meu caso.
Acima de tudo, e esse é o maior legado de uma experiência assim, aprende-se que as mais dramáticas questões fazem parte da vida e, ainda que indesejadas, não podem ser tomadas como intransponíveis por causarem surpresa – pois, com maior ou menor gravidade, elas sempre vêm, provocando reflexão, deixando lições.
A lição que aprendi do meu pai foi a de não baixar a cabeça diante do problema, de não perder o bom-humor, de seguir em frente. Passei, desde a semana do diagnóstico até o dia de hoje, sem revelar algo a ninguém. Mas não o fiz por vergonha, por um tabu ou mera convenção social estúpida. Não havia o que esconder. Simplesmente não queria ser visto como um coitado, alguém num profundo sofrimento com quem os diálogos deveriam ser medidos e certas conversas deveriam ser evitadas, até por não saber como reagir. Não me interessava essa muleta do coitadismo, do olhar condescendente dos demais respeitando uma dor e não cobrando pelos erros. Não! E continuará não me interessando, agora que tudo está bem explicado. Amanhã, naquela mesa de cirurgia do hospital, tudo dará certo. Seguiremos em frente, como seguimos até aqui, agora mais sabedores desses percalços que as andanças da vida trazem.
Amanhã, espera-se, depois das lições, após esse temor inescapável de véspera, será um dia de cura e alívio, será um dia bom. Será um dia em que vou querer falar de futebol.
Um comentário:
E deu tudo certo, a princípio.
Temos um bom dia, enfim, para falar das batalhas futebolísticas que se aproximam.
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