Um daqueles livros do ano enciclopédicos, com retrospectiva do que acontecera em 1985, falava do título europeu da Juventus de Turim com grandes referências ao francês Michel Platini, principal jogador da campanha. Sobre ele, não hesitava em afirmar que era “o melhor jogador do mundo na atualidade”. Maradona ainda carecia de confirmações de que não seria apenas mais um grande da época, e sim o maior deles – a apoteose inquestionável do argentino viria apenas na Copa do Mundo de 1986. Antes disso, reinou Platini. E como reinou! Único jogador eleito o melhor do continente em três anos consecutivos (1983, 1984 e 1985), o craque acumulou prêmios de todo o tipo, artilharias, títulos de clubes e seleções. E se Maradona usaria o mundial de 86 para sua consagração máxima, Platini o fez na Eurocopa de 1984, levando sua França ao título dentro de casa.
Aos franceses, receber a indicação como sede da fase decisiva do torneio foi um alívio. Anfitriões da primeira edição, em 1960, eles jamais haviam logrado classificação para qualquer disputa continental que viria nos anos seguintes, sempre fraquejando nas eliminatórias. Agora tinham a vaga garantida entre os oito, e apenas assistiam ao resto da Europa se digladiar pelas vagas restantes. Comemoraram ao ver muitos grandes caindo, um a um. A União Soviética ficava mais uma vez pelo caminho, numa chave em que passou a Seleção de Portugal; a Inglaterra caiu para a forte Dinamarca, apelidada mais tarde de Dinamáquina; Tchecoslováquia e Itália (atual campeã do mundo) despencaram, ambas, no pentagonal em que se classificou a Romênia; e, por fim, a Holanda, na eliminação mais polêmica daqueles qualifyings: na última rodada do grupo de cinco equipes, os laranjas só cairiam se a Espanha vencesse Malta por onze gols de diferença – os ibéricos triunfaram por 12-1 e foram à França, enquanto aos malteses pesaram acusações de entregar o jogo. Além desses, confirmaram-se como outros classificados a Bélgica, a Iugoslávia e a Alemanha Ocidental.
Entre 12 e 27 de junho de 1984, teve lugar o torneio de fato – ou, mais propriamente, o recital de Platini. Naquele ano ocorreriam duas pequenas mudanças em relação à edição passada da Euro, com duas equipes se classificando por grupo, possibilitando umas semifinais antes do jogo pelo troféu; também seria abolida a disputa do terceiro lugar, um notável fiasco de público desde sempre. As semifinais, apenas, para Platini ter mais chances de se exibir. Em qualquer jogo, ele mandava e desmandava, tornando todo o resto do certame algo secundário. Os adversários eram submetidos à mais difícil das tarefas: pará-lo. Mas não se parava Platini por aqueles tempos. Todos sabiam do que ele era capaz de fazer, tentavam mostrar os equívocos dos pensamentos baseados no óbvio, e fracassavam miseravelmente. A França passou pela primeira fase como um furacão, vencendo todos os seus jogos: 1-0 na Dinamarca, 5-0 na Bélgica, 3-2 na Iugoslávia. Dos nove gols, sete foram de Platini, conta que incluía dois hat-tricks perfeitos (três gols, cada um anotado de uma forma: de cabeça, pé direito, e canhota)! Dentre os secundários, os coadjuvantes de um teatro que tinha protagonista e final feliz aos da casa, a Dinamarca conseguiu ser a mais capaz de passar às semifinais, vencendo seus dois outros jogos.
No Grupo 2, houve a inesperada eliminação da Alemanha Ocidental, uma forte equipe que levava a base campeã de quatro anos antes, e era agora reforçada por Lothar Matthäus, Pierre Littbarski e Rudi Völler. Naquela chave em que a Romênia serviu de saco-de-pancadas, somando um único ponto, os germânicos até estiveram perto de se classificar, ficando a segundos disso. Na última rodada, enquanto Portugal vencia os romenos por 1-0, ia a 4 pontos e abocanhava a vaga nas semifinais, os alemães empatavam por 0-0 com a Espanha, subindo também a 4 unidades, e deixando a Fúria com apenas 3. Drama para os espanhóis, que repetiriam a agonia das eliminatórias, aquela dos onze gols necessários e convertidos: apenas aos 90 minutos o time comandado pelo lendário treinador Miguel Muñoz (campeão europeu e mundial pelo Real Madrid na década de 1960) achou seu tento salvador, através de Maceda, convertendo 0-1 e mudando a situação da tabela – a Espanha atingia os 4 pontos, a Alemanha Ocidental ficava com 3.
O sonho espanhol ganharia mais um motivo para se manter no dia 24 de junho, quatro depois da confirmação da vaga nas semifinais, quando o time eliminou a Dinamarca por 5-4 nos pênaltis provocados pelo empate de 1-1 com a bola rolando. As aspirações portuguesas pararam antes. No dia 23, o estádio Vélodrome de Marselha se tingiu de azul para acolher o quadro local em outra espetacular jornada cujo desfecho se faria conhecido apenas nos últimos lances. A França abrira 1-0 com Domergue, aos 24 minutos, ao que Rui Jordão respondeu com uma dupla de gols, nos minutos 74 e 97 (já na prorrogação), remontando a eliminatória. Contra o subestimado adversário, agora, levar o duelo para os pênaltis se tornava um improvável bom negócio para os bleus. Os pênaltis foram aproximados com novo tento de Domergue, fazendo 2-2 aos 114 minutos, mas quedariam desnecessários. Desnecessários, pois Platini ainda não aparecera – e ele sempre aparecia. Surgiu no minuto 119, o penúltimo, pelo meio da área portuguesa para desviar o bom passe de Tigana às redes, fechando o louco 3-2 da vaga na final.
A final. Nela, a Espanha começou a ser abatida numa cobrança de falta do infalível Platini (em frango do falível goleiro Arconada), aos 57 minutos, e recebeu o golpe de misericórdia nos acréscimos, quando Bellone concluiu o 2-0. A Euro terminava com o esperado título do selecionado anfitrião. E Platini encerrava a competição com a artilharia, gols feitos em todos os jogos para totalizar nove (dos catorze marcados pela França), e o reconhecimento geral como melhor futebolista da competição. Capitão do time, mereceu a honra de erguer, solitário, a primeira grande taça gaulesa. Estava eternizada a imagem injusta de que aquela fora a conquista de um homem só.
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