domingo, 1 de junho de 2008

Euro 1976: sob a Cortina de Ferro

De Stettin (Szczecin, Polônia) no (mar) Báltico a Trieste (Itália), no (mar) Adriático, uma ‘cortina de ferro’ baixou sobre o continente. Atrás dessa linha estão todas as capitais dos antigos Estados da Europa Central e Oriental. Varsóvia, Berlim, Praga, Viena, Budapeste, Belgrado, Bucareste e Sofia; todas essas cidades famosas e as populações ao seu redor estão no que devo chamar de esfera soviética, e todas elas estão sujeitas, de um modo ou outro, não apenas à influência soviética mas também a fortes, e em alguns casos crescentes, medidas de controle de Moscou.

As palavras de Winston Churchill, em discurso a 5 de março de 1946, popularizaram um termo originado anos antes ara representar a “barreira impenetrável” que separava o Ocidente capitalista das nações do Leste Europeu durante a Guerra Fria. Além das latentes divisões ideológicas, a cortina remetia às fronteiras fortificadas entre os países de cada lado, e à turvação de informações provocada pelas censuras das repúblicas socialistas.

Expoente do Movimento dos Países Não-Alinhados, grupo que buscava a neutralidade em meio ao antagonismo daqueles anos, a Iugoslávia conseguira manter sua autonomia regional, sem fazer parte da União Soviética nem tampouco ter seu governo liderado por fantoches de Moscou. Ainda assim, os iugoslavos estavam detrás da Cortina de Ferro. Como tantos outros, eram uma ditadura comunista, conduzida pela mão firme de Josip Broz, o marechal Tito.

Foi em terras iugoslavas – ou, atualmente, sérvias e croatas, dadas as sedes em Belgrado e Zagreb –, sob a pesada cortina, que se desenrolou a Eurocopa de 1976. Além de ser a única edição do torneio realizada na Europa Oriental até aqui (a edição de 2012 está marcada para a Polônia e Ucrânia, fazendo a disputa retornar para lá), aquela Euro também marcou a última briga no velho sistema, em que somente quatro equipes avançavam ao torneio definitivo, com o país-sede sendo definido entre eles. A Iugoslávia, escolhida, obteria sua classificação com relativa tranqüilidade.

Facilidade não se veria nos duelos entre os outros times. A fase de grupos das jornadas qualificatórias foram notáveis por chaves equilibradas, com até três equipes chegando à sexta rodada do quadrangular com possibilidades de classificação, uma realidade que provocou vagas determinadas por questão de dois ou um ponto, ou até mesmo o extremo do saldo de gols. Não obstante esse início de classificações dependentes do detalhe, as quartas-de-final viriam para confirmar o favoritismo das principais seleções, classificando às etapas iugoslavas, além dos anfitriões, os selecionados da Holanda e Alemanha Ocidental, finalistas da Copa do Mundo dois anos antes. De imprevisto, apenas a eliminação, pela primeira vez, da União Soviética antes das semifinais – a queda se deu diante de uma surpreendente Tchecoslováquia, ausente do mundial de 1974 (e depois também do de 1978), mas respeitável a ponto de poder sonhar com a história. Ademais, a queda da URSS não representaria perdas para o futebol do Leste, visto que os tchecoslovacos também vinham do universo atrás da cortina.

Ou não vinham: ficaram por lá. Entre 16 e 20 de junho de 1976, sobre os gramados misteriosos da Europa Oriental, rolava a bola para a Eurocopa. Em tese, seria a chance dos times da parte Ocidental mostrarem sua força – eram, afinal, apenas o campeão e vice da última Copa do Mundo. Mas o torneio do continente se mostrara desde seu início a chance de equilíbrio às equipes da outra ponta, e aquela edição foi a provável melhor mostra disso: contra toda a suposta superioridade de alemães e holandeses, os locais e os tchecoslovacos proporcionaram jogos duros, de luta interminável, e de definições que, em nenhum momento, nem nas semifinais, nem na decisão do terceiro lugar, e muito menos na final, ocorreram nos noventa minutos. Todos os jogos precisaram de prorrogações. Um deles, a grande jornada pela taça, necessitou ir além, dependendo dos tiros desde os onze metros.

O sorteio botou Holanda e Tchecoslováquia de um lado, Alemanha e Iugoslávia do outro, fazendo alguns visionários terem uma razoável idéia de reedição da final global de 1974. Engano. Se no dia 17 os germânicos venceriam os donos da casa por 4-2 após a prorrogação (2-2 no tempo normal), na abertura do dia 16, o carrossel de Cruyff girou com menos intensidade. Em Zagreb, o quadro laranja saiu perdendo com um gol de Ondrus aos 20 minutos, só foi empatar com outro gol do mesmo jogador, agora contra, aos 77, e caiu inapelavelmente na prorrogação: Nehoda, aos 114, e Vesely, no minuto 119, fizeram da Tchecoslováquia finalista, com um 3-1. No dia 19, pelo terceiro lugar, os holandeses precisariam também de meia hora extra para bater a Iugoslávia por 3-2 e conquistar o último lugar do pódio, numa partida acompanhada com indiferença.

Importante, somente, era o jogo do dia 20, no estádio Crvena Zvezda de Belgrado. Nunca se tivera tão grande chance de surgir o primeiro bicampeão da Europa. Mas, novamente, foi a Tchecoslováquia quem bateu primeiro, com disposição pelos resultados inesperados: em vinte e cinco minutos, gols de Svehlík e Dobiás deixaram o marcador em 2-0. A Alemanha Ocidental não desistiu; nunca desistia. Dieter Müller descontou aos 28 e recolocou sua equipe na luta. O jogo se encobriu de loucura com um lado desesperado para manter o resultado e o outro buscando a remontada. Aos 89 minutos, Holzenbein empatou o jogo. Nova prorrogação, que desta vez não definiria nada. Os pênaltis vieram, e com eles, a derradeira oportunidade de uma surpresa. A chance da Tchecoslováquia concluir sua campanha contrária a todos os prognósticos com a taça.

A Tchecoslováquia acertou todos os seus pênaltis. A Alemanha cessou seu aproveitamento após o terceiro. No quarto, a bola chutada por Uli Hoeness passou por sobre os ferros do arco – para permitir que os adversários fossem campeões no torneio jogado sob a Cortina de Ferro.

Um comentário:

ocsav disse...

esqueceu de dizer que foi com o penalty de Panenka, que a Checoslováquia venceu o caneco e demonstrou a sua superioridade; alíás um penalty que decidiu tudo marcado com um desprezo brutal.
Se calhar não se esqueceu, antes omitiu pois a forma desse penalty tem uma leitura que não cai bem no texto que fez.