terça-feira, 13 de maio de 2008

Pela memória do futebol alemão

Diante de um público de quase 20 mil pessoas, num amistoso festivo, fora de casa, o campeão alemão Bayern München proporcionou um encontro inolvidável diante do Darmstadt, da quarta divisão, triunfando após dezesseis gols. O placar que, aos 36 minutos, chegou a estar em 4-2 favoráveis ao Darmstadt, terminou em atípicos 5-11 para o Bayern, com direito a sete gols de Jan Schlaudraff e o primeiro tento de Breno pelos bávaros. Futebol ofensivo em estado puro, num espetáculo despido dos rigores de uma temporada oficial.

Mas essa é a notícia. Por trás dela, está o caráter do jogo: salvar dois históricos do futebol da Alemanha. Endividados até o pescoço, o SV Darmstadt, derrotado do dia, fundado em 1898, e o SSV Ulm, nascido como clube de natação em 1846 (!), têm o futuro incerto, com ameaças de mudarem de nome, serem rebaixados às divisões mais desgraçadamente inferiores ou, pior, sumirem do mapa. Como forma de amenizar o drama, surgiu a idéia do jogo: toda a renda obtida com a venda de ingressos e direitos para transmissões televisivas relacionadas ao encontro de hoje seria dividida entre os dois.

Não são velhos campeões. O Darmstadt só participou duas vezes na primeira divisão, nas temporadas 1978/79 e 1981/82, e, nos últimos anos, falido, ficou oscilante entre as ligas mais baixas: nesta temporada disputa a Oberliga, quarta divisão, pelo grupo da região de Hessen, no qual já se consagrou campeão, mesmo faltando três rodadas para o encerramento (leva onze pontos de vantagem sobre os reservas do Wehen Weisbaden, vice-líderes). Da sua parte, o Ulm tem vivido dias parecidos: também joga a Oberliga, pelo grupo Baden-Württemberg, e atualmente é líder – mas com vantagem bem menos confortável, tendo apenas um ponto a mais que o time B do SC Freiburg. O clube fundado em 1846 é mais lembrado não pelas suas conquistas dentro de campo, mas pelo craque que revelou: Uli Hoeness, histórico jogador da Seleção Alemã e do Bayern, atual membro da direção de futebol do clube bávaro, deu seus primeiros passos como amador por lá. Mas que os bons resultados recentes não enganem: o sucesso numa quarta divisão jamais serviu para tirar algum clube de lamaçais de dívidas.

No jogo de hoje, portanto, inexistia o apelo de salvar alguém que ostentasse várias taças, títulos e lembranças de dias mais gloriosos. A mobilização não era por isso. O interesse de todos foi total e puramente pelo sentimento de preservar a memória do futebol, algo tão valioso, embora ausente na cultura brasileira. Foi para dar uma contribuição direta ao Darmstadt e ao Ulm que vinte mil pessoas lotaram o Böllenfalltor Stadion ver o jogo repleto de simbolismo. O poderoso Bayern München era mero artifício para aumentar ainda mais o interesse geral no confronto e, como em todo o amistoso, só tinha uma obrigação: apresentar-se à altura do nome. Com um futebol despreocupado e onze gols, correspondeu plenamente.

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