terça-feira, 27 de maio de 2008

Euro 1960: o pioneiro Delauney

Por trás de algumas das maiores competições do futebol mundial jogadas atualmente, aparece a figura do francês Henri Delauney. Nascido em Paris no 15 de junho de 1883, demonstrou-se um amante do esporte desde cedo. Em todas as instâncias, sempre esteve às voltas dos balões de couro: primeiro, como jogador, defendendo as cores do histórico Étoile des Deux Lacs, clube já extinto da capital francesa; depois, partindo para a arbitragem, numa carreira encerrada prematuramente após levar uma bolada no rosto no momento em que conduzia o apito à boca, quebrando dois dentes.

Se faltava sorte para Delauney sobre os gramados, a paixão pelo futebol, um esporte que então carecia de regras sólidas e competições de respeito, continuou falando alto. Em 1906, com apenas 23 anos, assumiu a presidência do seu Étoile, tornando-se, no mesmo ano, secretário-geral do Comitê Interfederal Francês, cargo que manteve depois da mudança de nome do órgão, em 1919, quando virou a atual Federação Francesa de Futebol. Como pela França também orbitavam as principais definições da FIFA no início do século, não foi surpreendente a nomeação de Delauney como um dos delegados da International Board, ajudando a formular os primeiros documentos a respeito da interpretação das regras do futebol.

Uma breve biografia cheia de luzes e importância que não deve tornar menos relevantes as outras contribuições, talvez as mais perenes, do braço-direito de Jules Rimet. Embora a história tenha sido fraca ao guardar sua real participação no desenvolvimento feito a seguir, são invariavelmente atribuídas a Henri Delauney as primeiras idéias para a organização de uma Copa do Mundo de Seleções, uma Copa Européia de Clubes e, finalmente, um torneio que definisse anualmente, entre os times dos dois principais continentes futebolísticos, o melhor clube do planeta – um projeto inicial de um Mundial de Clubes, concretizado na futura Copa Intercontinental. Tudo isso em meados da década de 1920, anos e anos antes das primeiras taças nesses formatos começarem a ser disputadas.

Mas o seu maior legado, seu filho reconhecido, foi outra competição: a Taça das Nações da Europa, depois renomeada para Campeonato da Europa, atingindo enfim a nomenclatura comercial de Eurocopa. Foi somente em 1958 que a UEFA, órgão que ele, para variar, ajudara a fundar, deu início ao torneio entre os países filiados. Sabendo ser impossível conciliar um continental de Seleções com a Copa do Mundo, ficou definida que a primeira edição ocorreria nos dois anos a partir do fim do mundial, em fases sempre eliminatórias com jogos de ida e volta, até que saíssem os quatro melhores classificados para disputarem o torneio em si, com semifinais e final, numa sede definida.

Para 1960, a França foi escolhida para sediar a etapa derradeira do torneio. A competição, aliás, como toda a copa nascida sob incertezas, foi bastante esvaziada, contando com 17 inscritos para as preliminares, número que não incluía forças como Alemanha Ocidental, Inglaterra e Itália. O próprio andamento das jornadas classificatórias não foi dos melhores: depois de eliminar a Polônia nas oitavas-de-final, a Espanha desistiu do torneio, supostamente por temer manifestações antifranquistas no jogo contra a União Soviética, dando um W.O. favorável a estes, que garantiram passagem direta às etapas francesas. Além do lendário quadro defendido por Lev Yashin, os outros classificados às semifinais também foram confirmações do esperado: a França, com aspirações de aproveitar o fator local, a Tchecoslováquia, futura vice-campeã do mundo no Chile/1962, e a Iugoslávia, cuja geração vinha de três pratas olímpicas consecutivas em 1948, 1952 e 1956, e que enfim alcançaria o lugar mais alto do pódio poucos meses depois da Euro, em Roma/1960.

A fase decisiva teve lugar em quatro dias de julho. No 6, foram jogadas as semifinais, e nasceu a primeira surpresa histórica da competição: enquanto a URSS não tinha problemas para superar a Tchecoslováquia por 3-0, em Paris ocorria um embate antológico entre os locais e os iugoslavos – faltando quinze minutos para o apito final, a França triunfava por tranqüilos 4-2. No fim do jogo, via no placar o improvável 4-5 em favor da Iugoslávia – gols de Knez, aos 75, e Jerkovic, duas vezes, aos 77 e 78 minutos, remontaram para os visitantes.Depois de um melancólico duelo pelo terceiro lugar, em que a França foi novamente derrotada (2-0 para os tchecoslovacos), veio a final. O público ainda não entendia a dimensão do título posto em jogo, e decepcionado com o onze da casa, compareceu em pequeno número: apenas 18 mil pessoas estiveram no Parc des Princes para o jogo do dia 10. Os que não foram, deixaram de ver um confronto disputado, equilibrado, no qual a Iugoslávia saiu vencendo, levou o empate, e terminou sofrendo a virada numa prorrogação de agonia, com um gol de Ponedelnik aos 114 minutos fazendo o 1-2 dar a vitória e a conquista aos soviéticos. Chegava ao fim o primeiro de muitos capítulos do grande sonho de Henri Delauney.

Um sonho que ele não pôde ver se concretizar. Depois de tantas negociações e lutas políticas para fazer os planos saírem do papel, Delauney veio a falecer em novembro de 1955, um lustro antes da primeira Euro. Engana-se, porém, quem o imagina ausente naquela jornada do Parc des Princes. Em memória, o pioneiro estava lá, como esteve, depois, em todas as outras finais do continente: até hoje, aqueles que almejam o título da Europa sonham com a imagem de erguer a taça que ilustra este post – o Troféu Henri Delauney.

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De hoje até o dia 7 de junho, data de abertura da Eurocopa de 2008, o Futebesteirol trará uma série diária sobre a história dos torneios de seleções do Velho Continente, com uma postagem para cada edição.

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