O texto a seguir, lembra, em diversos pontos, outro publicado aqui no blog, no fim de 2007. Sempre vale a pena ressaltar como o modo de a capital e do interior encararem a disputa estadual é distinto.
Dois Gauchões, uma paixão
Por Diogo Olivier,
publicado na Zero Hora de sábado, 23/02
publicado na Zero Hora de sábado, 23/02
A imagem captada pelo fotógrafo Renoir Sampaio serve de emblema para compreender a força que mantém vivos os campeonatos regionais. Mãos anônimas tentam tocar Fernandão antes de ele entrar no ônibus, na pista do acanhado aeroporto de Santo Ângelo, onde o Inter pousou de avião para enfrentar o São Luiz, em Ijuí, no meio da semana. O gesto do capitão, ereto, acenando para os outros torcedores que certamente gritavam seu nome lá longe, ajuda a compor o cenário de fiéis tentando aproveitar a chance, talvez única, de se aproximar do santo pelo qual rezam todas as noites. Fernandão é um homem bastante religioso, mas ainda não se tem notícia de que a proeza de erguer as taças de campeão da América e do Mundo tenha gerado processo de beatificação no Vaticano. Assim, o quadro captado por Renoir, cujo nome vem realmente a calhar neste caso, escancara um fenômeno curioso: existem dois Gauchões.
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Um é o de Porto Alegre. Aborrecido, arrastado, repetido, freqüentado mais pelos torcedores que sempre batem ponto no Beira-Rio e no Olímpico. Não que o público seja chato. Não se trata disso. Há boas doses de animação, inclusive. Mas o porto-alegrense sabe que haverá outra vez. É como o sujeito que mora em Paris e passa todos os dias por baixo do Arco do Triunfo. A rotina torna invisível o monumento de 50 metros de altura, em plena Champs-Élisées, idéia de Napoleão para glorificar as vitórias francesas sob o seu comando em batalhas épicas. Também assim é com Gauchão em Porto Alegre.
Daqui a pouco os gremistas vão se acostumar com a Deborah Secco nos camarotes do Olímpico.
Daqui a pouco os gremistas vão se acostumar com a Deborah Secco nos camarotes do Olímpico.
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No outro Gauchão, o do Interior, tudo é diferente. A presença da dupla Gre-Nal é um acontecimento. Fernandão deixa de ser atacante para virar o general que chega a Ijuí no comando do exército vermelho. Lembram do ônibus do Grêmio surgindo no pórtico de Bento Gonçalves para a pré-temporada? Teve até carreata. Os dirigentes se aproveitam da paixão e abusam. Assim, Paulo Pereira Terres, 37 anos, viu-se obrigado a pagar R$ 40 por um ingresso de arquibancada. O dentista Walmor Montagner, 41, percorreu 70 quilômetros desde Santo Augusto para sentar-se numa cadeira de metal sem estofamento do Estádio 19 de Outubro por R$ 120. No Interior, pode não haver próxima vez. Em casos como o de Pato e Anderson, não houve nem primeira vez.
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Os campeonatos regionais não se justificam para Grêmio e Inter pelo lado racional. O retorno financeiro é pequeno. Alguns gramados impraticáveis expõem jogadores que representaram grande investimento (imagine Roger ou Nilmar torcendo o joelho em um buraco). A segurança em certos estádios inexiste. O título não leva a lugar algum. No caso do Gauchão, pode até fazer mal: o campeão escapa da crise de perder para o rival, supõe que está tudo bem e, depois, vê o mundo desmoronar mais adiante, no que de fato interessa. Há quem defenda o fim dos regionais. Janeiro e fevereiro seriam preenchidos por treinos e torneios rentáveis. Mas como ficariam as mãos coloradas que tentam tocar Fernandão no aeroporto de Santo Ângelo? O Gauchão se justifica pela romântica democratização do acesso aos ídolos. Portanto, com todos os defeitos, viva o Gauchão. Da Capital ou do Interior, não importa. Viva o Gauchão.
Um comentário:
Apenas discordo no que diz respeito ao "abuso" do preço dos ingressos. Assim como é uma chance única para os torcedores em ver sua equipe de perto, para os sempre endividados clubes interioranos, também é uma oportunidade rara de fazer dinheiro.
Até porque, nesse tipo de partida, quem vai ao jogo geralmente são pessoas dos locais vizinhos, que jamais apoiaram o clube da cidade que recebe o grande adversário. "Além de tudo, vêm até aqui para torcer contra nós, temos mais é que cobrar um valor alto", como bem disse um dirigente do São Luiz.
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