sábado, 2 de fevereiro de 2008

Arles entre os grandes

Momento de Arles (azul) e Niort (branco)

MONTPELLIER - "Allez les bleus!", o cântico bem poderia ser para apoiar a Seleção Francesa, que o eternizou. Neste sábado, porém, em Arles, eram outros azuis que recebiam apoio: os jogadores do Athlétic Club Arlésien, equipe da casa, protagonista do segundo jogo que o Futebesteirol acompanhou in loco na Europa. A partida foi parte de uma jornada que começou bem antes...

Gare de Montpellier-Saint-Roch, uma hora da tarde. É ali, à espera de um trem regional, com destino a Marselha e paradas em Nîmes e Arles, que inicia a aventura. Missão: ir à cidade mais próxima que esteja recebendo um jogo de futebol no sábado, sem conhecê-la, sem saber onde é o estádio e sem garantia de entrar nele, já que o ingresso só será comprado por lá, minutos antes da bola rolar. Marselha seria o local ideal, mas o Olympique só jogaria domingo... então, vamos a Arles, que também recebe a Copa da França. Cidade de pouco mais de 50 mil habitantes, estádio com capacidade para 3 mil espectadores, não deve ser muito difícil encontrá-lo, o problema é entrar. Sim, vamos para Arles. O jogo de lá é um pouco estimado duelo entre o time local, hoje 13° colocado na terceira divisão francesa, após ter vivido uma grande ascensão com os títulos da quinta e quarta divisões em 2006 e 2007, e o Chamois Niortais, popular Niort, 16° colocado na segunda divisão. Jogo ruim? É futebol, de qualquer forma. E o trem parte.

Rápida, a viagem transcorre confortavelmente, sem fatos dignos de nota. Chega-se em Arles pouco tempo após as duas horas e, lá, um novo drama: cidade pequena, não há táxis na estação, os ônibus passam por lá com regularidade questionável. Caminhar até o estádio? Mas onde, afinal, é o tal estádio?... Felizmente, após alguns momentos decidindo que rumo tomar, as dúvidas se dissipam quando uma van gratuita de circulação no centro da cidade aparece. Depois, do centro ao Stade Fernand Fournier, tomando a rua certa, basta seguir sempre reto, fácil.

Raras são as vezes que o Arles chega tão longe numa Copa da França - eram os 16-avos-de-final - e, apesar de o adversário não ser dos melhores, a lotação, como se suspeitava, acabaria sendo máxima. Mesmo assim, a maior parte dos ingressos estava para ser vendida na hora da partida, e não houve problemas para entrar - se houvesse, aliás, o jogo poderia ser visto do lado de fora mesmo, já que pouco além de uma grade obstruía a visão de quem se posicionasse atrás do gol, no exterior do complexo do estádio.O JOGO: Como esperado, um confronto entre representantes da terceira e segunda divisões não poderia representar o mais belo futebol possível, e a qualidade do jogo deixou a desejar. Talvez por jogar apoiado por sua torcida - "Allez les bleus!" -, talvez por estar mais habituado ao vento incessante que passa por seu estádio, ou talvez por saber conjugar as duas coisas, o Arles foi superior do início ao fim do confronto, mesmo sendo o time da divisão de baixo. Sua pressão esteve longe de ser insuportável, mas seu maior volume de jogo foi nítido. Decepcionante, até mesmo fraco, o Niort só conseguiu chegar com real perigo em duas ou três ocasiões durante a partida inteira - nelas, parou nas mãos do goleiro Novaes, um brasileiro perdido por lá. Magno Macedo Novaes, guarde este nome, ele ainda será decisivo.

As chances de golo eram escassas, mas houve sim excelentes oportunidades, dos dois lados, para alterar o marcador. Infelizmente, as equipes francesas, independentemente da divisão que disputam, têm sérios problemas para balançar as redes - a primeira divisão nacional, que faz um esforço árduo para manter a média de tentos por jogo superior a dois, está aí para mostrar isso. E essa dificuldade refletiu no placar: zero a zero, zero a zero, zero a zero, até os noventa minutos. Zero a zero também na prorrogação e nem com meia hora extra de futebol as redes puderam balançar. Sem gols, a boa atuação do Arles poderia acabar desmanchada no azar das penalidades máximas, e o estádio que empurrava a equipe da casa pareceu sentir o perigo. "Allez les bleus", cantavam eles, "allez Arles", mas o gol não saía. "Allez, allez"... o incentivo já soava como uma súplica ao time, e murchava a cada chutão do Niort afastando a bola. Não houve jeito de fazer o marcador sair do nulo. Viriam os pênaltis.

Neles, a igualdade no placar que se manteve durante todo o jogo fez questão de continuar. Na série padrão de cinco tiros, o Niort perdeu o primeiro, o Arles perdeu o último, e a contagem parou em 4-4. As alternadas, feitas para resumir as penalidades em erros fatais e acertos gloriosos, vieram e também se mostraram intermináveis. Sempre com o Niort batendo primeiro, seguido pelos locais: gol, gol, gol, gol, gol, gol, gol, gol. Gols, sempre, até a nona cobrança de cada lado, com o placar já em 8-8. Então o Niort deu seu décimo chute e o desconhecido goleiro brasileiro resolveu aparecer, fazer as vezes de herói, salvando a meta. Ovações da torcida que, para ele, pareceram pouco: não era a hora dos goleiros baterem, ainda era o penúltimo tiro, mas Novaes chamou a responsabilidade - queria classificar seu Arles. Com um golpe forte e infalível, à doutrina de Scarone, ele fez o gol que explodiu a alegria dos três mil amontoados apaixonados pelo time da cidade.

9-8, placar final. O esquecido Arles do desconhecido Novaes, um mero time da terceira divisão, prega uma peça nos representantes das duas principais ligas do país e já figura em improváveis oitavas-de-final. Para olhos voltados aos grandes clubes, algo pequeno - para os da cidade, uma data histórica, celebrada em carreatas.

Um comentário:

Maurício Brum disse...

O Arles só havia chegado tão longe em 1970 e 1973.