Sob chuva. Sobre campo pesado. Jogando dia após dia, sem descanso. E este domingo já era o terceiro dia. O cronômetro chegava aos 65 minutos da partida decisiva, aquela hora em que o cérebro ainda quer, mas os músculos refugam. Não havia outro jeito de ganhar o jogo. Era preciso uma bola parada. As ondas sonoras do apito do juiz chegaram a curvar as gotas que o céu cuspia. E o estádio esperou, paciente, enquanto a estrela do time pediu a bola. Que ficassem tranquilos, que deixassem com ele.
Ele chegou à equipe qual um Cristiano Ronaldo desembarcando em Madrid. O anúncio do seu nome talvez tenha criado sobre os torcedores um impacto maior do que o do português no Santiago Bernabéu. Esquecendo-se os valores, essas coisas irrelevantes no futebol atual, a única diferença entre as contratações dos dois é que, diferentemente de Cristiano Ronaldo, ele não era a primeira opção do clube. Diante da proximidade do maior torneio do ano, os dirigentes sentaram, coçaram a cabeça, espremeram os neurônios como laranjas até sair dali um SUCO junto com um nome.
Um belo dia, concluíram que deviam correr atrás de Sandro Sotilli. O time em questão é o Grêmio Esportivo Ibirubá, e a época era a das semanas prévias à disputa do Campeonato Sulbrasileiro Amador – cujo direito de disputar e sediar o Grêmio ganhou junto com o título do Gauchão de Amadores do ano passado. Sim, Ibirubá quis Sandro Sotilli. Você aí, arrependendo-se amargamente de ter ouvido a sugestão da namorada e pego uma bola daquele maldito sorvete de PISTACHE e no Noroeste do Estado alguns dirigentes planejavam a mais bombástica contratação dos últimos decênios.
Pois enquanto você, que agora já sabemos ser um INOCENTE, colocava a calda de chocolate sobre o sorvete numa VÃ tentativa de salvar o dia, o Grêmio se frustrou. O Pelotas já tinha um pré-contrato com Sotilli para disputar a primeira divisão profissional em 2010, e não quis arriscar os ricos JOELHOS do seu matador num campeonato de três dias. Disse que não era assim que as coisas funcionavam, que os ibirubenses desculpassem, mas o Sotilli ficaria bem CALMINHO em casa. O loiro centroavante, no entanto, também mete gols quando faz indicações. E ao time de Ibirubá disse que um dos seus companheiros mereceria um ARCO DO TRIUNFO pelo que acabaria fazendo no Grêmio.
Uns dias depois, um certo atacante fez uma viagem em que a CONDUÇÃO pareceu rastejar sobre os pedriscos da estrada. Percorreu o mapa e pisou no Noroeste gaúcho já sentindo nas espáduas todo o peso das ilusões dos mais de DEZENOVE MIL habitantes ibirubenses. Ali, calculou, seria rei. Era o cenário propício para se recuperar. Porque o Grêmio também queria a ressurreição. Elisandro Naressi Roos, o atacante que as canchas ovacionam como Santiago, foi sumindo das escalações do Pelotas na Segundona deste ano e terminou o certame com apenas quatro gols. O Grêmio Esportivo Ibirubá, defendendo o título de amadores do Rio Grande, caiu nas semifinais do campeonato deste ano e chegou ao Sulbrasileiro menosprezado pelos oponentes – temiam o apoio da torcida, não suas qualidades.
Com Santiago, o time doído virou SENHOR. Responsável por ceder seu campo a todas as partidas e bancar a acomodação dos participantes do Sulbrasileiro, o Grêmio Ibirubá só foi bom anfitrião até aí. Em campo, ninguém o venceu. Nem o segurou. E nem foi capaz de perfurar a sua defensiva. Ao cabo dos três jogos, os ibirubenses contaram nove pontos e nove gols feitos, contra nenhum sofrido. Na sexta-feira, o paranaense São Manoel caiu por 2 a 0. Santiago marcou um. No sábado, os paulistas do Real de Santo André foram ao chão como RODILHAS diante de um futebol irresistível que rendeu goleada de 6 a 0. Santiago balançou as redes duas vezes mais.
O quadrangular se decidiu ontem. Cada time chegou com seis pontos. E o outro time era dotado de tradição. Entre 1999 e 2002, o catarinense Juventude, de Lindoia, conquistu um irrepetido tetracampeonato no Sulbrasileiro. O Grêmio buscava sua primeira conquista, envolto naquela aura de impossibilidade possível e desejo bobo que temos todos na perspectiva de fazer o que nunca conseguimos. E choveu. Choveu absurdamente. Os céus quiseram afastar as testemunhas da história, BIRRENTO e maldoso. Mas sobre a cidade pairava uma certeza inquietante. Já havia mostrado o equívoco dos seus oponentes, o Grêmio, com um futebol que venceu o menosprezo. Aquele jogo não seria perdido. E ouvindo a contenda pelos rádios dos botecos, quem percebeu o lado para o qual o vento soprava deve até ter profetizado o autor do gol do título. Tão certo quanto a taça não sairia de Ibirubá, o goleador da jornada seria o craque da equipe.
E aos 65 minutos, aquela falta. A extenuante maratona de jogos findando com o FIRMAMENTO escarrando gotas e mostrando LÍNGUAS elétricas. E Santiago com aquela bola. Tudo daria certo. Como um guri que corria com todas as suas ânsias para buscar o brinquedo preferido, o nome maior do time partiu na direção da pelota. Golpeou. Atirou. Festejou. E o momento permitiu até criar um verbo novo: CAMPEONOU. O Grêmio Esportivo Ibirubá venceu o Juventude pelo maior placar que uma decisão precisa ter, o 1 a 0, e conquistou o inédito título sulbrasileiro. De Santiago queriam referência técnica. Ele foi. Exigiam gols. E o atacante saiu do certame artilheiro, com quatro tentos em três jogos. Queriam firmeza de espírito. E ele converteu em festejos a falta mais importante da competição.
Queriam a estrela sobre o escudo. E Santiago foi essencial para colocá-la ali.
A ideia dessa série é destacar sempre algum personagem que marque durante a semana anterior ao texto. Eu poderia escolher o Fred, do Fluminense, que a golpes de gols intermináveis caminha para salvar seu time do rebaixamento e ainda dar-lhe o troféu da Sul-Americana. Ou então Metab, da Seleção Egípcia, que coroou o polêmico jogo contra a Argélia com um gol aos 90+5 minutos, forçando um confronto extra no SUDÃO para definir o último africano classificado à Copa de 2010. E eu queria eleger Metab, porque poucas coisas são mais anos sessenta que partidas de desempate. Mas não. O meu nome da semana é Santiago, o homem que desembarcou na Terra da Pitangueira do Mato com a pressão de ser grande – e em três dias já era gigante.
Um comentário:
Ainda não falaram do papelão do FC Rio Pardo na Copa Dallegrave?
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