sexta-feira, 6 de março de 2009

Os sinais e o espírito bilbaínos

Sinais em portas sempre passaram mensagens. Em Esparta, as famílias penduravam um ramo de oliveira para indicar o nascimento de um menino, e uma fita de lã no caso de ser uma menina. Na tradição bíblica, a décima praga do Egito, a morte dos primogênitos, poderia ser evitada marcando-se a entrada de casa com sangue de um cordeiro sacrificado. Ainda dentro da religião, foi também num portal, o da Igreja de Wittenberg, que Martinho Lutero pregou as suas 95 teses reformistas. Principalmente: em tempos de guerras, em diversos países e épocas, a convocação de novos homens para as tropas era feita com mensagens coladas na entrada de casa. Na Viscaya atual, província do País Basco onde fica Bilbao, as metafóricas batalhas do futebol são indicadas por bandeiras vermelhas e brancas.

É muito mais que uma torcida natural. Trata-se de um chamamento. Onde houver uma bandeira com as cores do Athletic, é certo, haverá alguém vivendo o jogo daquela hora. Nesta semana, todos os lugares estavam com as assinaturas alvirrubras. Campeoníssimo dos torneios espanhóis em tempos passados, com oito troféus da Liga e 23 da Copa, o mais tradicional clube basco teve nas últimas décadas um imparável declínio rumo ao ostracismo. Por opção própria. Contrariando tendências como a dos escoceses Rangers e Celtic, que aboliram as barreiras de religião para recrutar jogadores, e mesmo a da também basca Real Sociedad, que em 1989 contratou seu primeiro estrangeiro, o irlandês John Aldridge, o Athletic agarrou-se à fama orgulhosa de só contratar atletas nascidos ou formados no País Basco.

A arriscada filosofia nasceu em 1911, alheia a qualquer instinto de separatismo: pelo regulamento da época, estrangeiros só poderiam jogar por equipes locais se residissem há pelo menos meio ano na cidade do clube, o que obrigou o Athletic a dispensar dois atletas e ver um goleiro ter a sua escalação impugnada. Tomado de raiva, o clube decidiu que a partir de então mandaria os jogadores de fora arrancar bagos de touros, deixando a prática do balompié sob as suas cores exclusiva para os talentos locais. Mantém a postura até hoje. E assim decaiu. Sua torcida foi consolidada como a fiel de um grande sumido, afastado dos títulos, cujo único orgulho que restou para defender, aparentemente, era ser um dos três únicos sempre presentes na primeira divisão da Espanha, ao lado do Barcelona e do Real Madrid.

Vaguinhas na Copa da UEFA viraram objetivos ambiciosos e taças acabaram como sonhos inalcançáveis. Aproximassem-se de um troféu novo e reluzente, os torcedores e jogadores do Athletic sentiriam os olhos inundarem, o coração vibrar como um bumbo, e os sentidos confundirem. Mas não se aproximavam. Ano a ano mirando a conquista da Liga de uma posição marginal, restou ao clube tentar a Copa do Rei. Semifinais, o máximo. Semifinal, o jogo de quarta-feira passada. Do outro lado o Sevilla, sensação espanhola dos últimos anos, empilhador de títulos, que carregava uma vantagem intranquila da partida de ida, em casa: vitória por 2 a 1. Sob aquelas condições, a remontada podia ser cogitada. E remontar ali significaria disputar a primeira decisão de Copa em VINTE E QUATRO anos.

Daí as bandeiras. As cores. Por toda a Viscaya, a possibilidade de viver uns dias de glória como nos tempos em que a bola de futebol era quase quadrada. Um a um, os incansáveis torcedores que garantiram estádios lotados nessas décadas tristes foram chamados para a guerra. Dos cerca de 34 mil sócios do clube, mais de 30 mil garantiram ingressos com uma semana de antecedência. Foram firmadas parcerias para distribuir dezenas de milhares de cachecóis alvirrubros nas entradas do estádio de San Mamés, a Catedral do Futebol, e monumentos, lojas, bibliotecas, hotéis, universidades, escolas e inclusive prédios do governo foram decorados com versões HIPERBÓLICAS das prosaicas bandeirinhas vermelhas e brancas mostradas pelos populares. Até as escadarias do prestigiado Museu Guggenheim foram vistas adotando iluminação especial com as cores do clube.



Os gols do jogo, na narração enlouquecida de José Iragorri pela Radio Popular de Bilbao. Não diga gol, diga BAKALAO



O fim do jogo, em filmagem amadora

Existe um espírito no futebol, e algumas vezes esse sentimento impalpável de alcançar resultados históricos consegue determinar todos os rumos. O Athletic Bilbao venceu o forte Sevilla por SEMIGOLEADOSOS 3 a 0. Classificou-se à decisão de 2009, sua primeira desde 1985, e enfrentará o Barcelona tentando igualar o recorde catalão de 24 títulos de Copa da Espanha. Enlouquecidos com o final da partida, os aficionados invadiram o campo e celebraram com os jogadores. As arquibancadas não eram suficientes para demonstrar o que representara aquela ausência e aquela crença inabalável no clube. Como não serão suficientes as arquibancadas do estádio Mestalla, em Valencia, escolhido para sediar a decisão do torneio: considerando ridículo o número de ingressos disponibilizado para seus torcedores (17 mil), a direção do Athletic já estuda pedir a transferência da partida de 13 de maio para o Santiago Bernabéu.
“Viendo la reacción del público y todo lo que se ha organizado alrededor de las semifinales en Bilbao, lo de la final puede ser histórico.”
Ramiro Aldunate (Marca)

3 comentários:

Rodrigo Bender disse...

Gostei da expressão SEMIGOLEADA

O Athletic até a temporada retrasada, se não me engano, nem aceitava patrocinio na camiseta, mas o dinheiro falou mais alto. A companhia que patrocina o clube é de um parente do presidente.

Unknown disse...

A final terá placar 3 x 3, com Bilbao vencendo a prorrogação com 8 em campo e o goleiro sangrando.

Anônimo disse...

Beleza de texto Maurício. Parabéns mais uma vez. Argemiro Luís