Barcelona tem coisas demais. A cidade, no caso. Não bastassem dois clubes de futebol importantes e seus respectivos estádios, a capital catalã oferece um roteiro cultural-arquitetônico de preencher muitas tardes de caminhada. Construções modernistas em cada esquina, parques e praças elaborados, grandes museus, monumentos, a interminável Sagrada Família e, mais recente, um extravagante arranha-céu terceiro-milenista chamado amorosamente de el supositorio.
A riqueza turística da cidade pode ser reduzida a pouco mais de um quilômetro de calçadão: La Rambla, a longa faixa de pedestres que liga a Plaça de Catalunya à estátua de Colón. Hoje passagem obrigatória de turistas, o ícone da vida em Barcelona concentra grande número de lojas, cafés e restaurantes em seu entorno – instale algo numa rua próxima e bote suas cadeiras e mesas no calçadão, com um garçom para atrair clientes. Essas figuras competem; a ordem é ter mais mesas cheias durante o dia inteiro (que não há hora para se parar em restaurante em jornadas turísticas) e quem leva a melhor nessa história pode tripudiar a concorrência para todos ouvirem.
Benito era um desses garçons. Responsável por uma certa Taberna Vasca, chegava ao meio da tarde com todos os espaços ocupados, sob olhares atônitos dos outros restaurantes, deixados às moscas. O segredo do sucesso estava na mordida ao bolso: além de cobrar menos, oferecia mais que uma simples paella – aquí tenemos tapas. Preço inferior, entradas e prato principal, e a Taberna Vasca sempre lotada. Esperto, o Benito. Tão esperto que não ficava no prejuízo. O que não ganhava com a comida, tirava na bebida – e bebem bastante esses turistas caminhantes de calçadões: 5,50 euros por uma miserável garrafinha de Coca Cola (perto de 15 reais na cotação atual).
Quem perde tempo consultando preços de beberagens quando senta num restaurante? Esperto, o Benito. Nós, ingênuos passeando pela Espanha em janeiro, só percebemos no fim da comilança que os líquidos compunham mais da metade da conta. Nunca mais à Taberna Vasca. Mas mostram os fatos que brasileiro ri da própria desgraça. O garçom deve ter achado estranhíssimo aqueles idiotas enganados passarem por lá cumprimentando nos dias seguintes. Merecia. As mesas estavam sempre lotadas, cada qual com a sua garrafinha de Coca em cima. Era esperto, o Benito. Tornou-se adjetivo de todos os pega-turistas encontrados por aí, incluindo os do nosso quintal verde-amarelo.
Lembrei do Benito porque, além de saber fazer dinheiro, ele era de Terrassa. Ao se apresentar, fazia questão de puxar a manga da camisa, apontar para as veias do punho, e dizer: mira, mi sangre no es española, sino catalana. A catalã Terrassa do Benito, a vinte quilômetros de Barcelona, chegou aos noticiários esportivos no último fim de semana. Obra do modesto Centro Parroquial San Cristobal, agremiação esportiva apesar do nome. Com o objetivo de comemorar o aniversário de 50 anos de fundação do clube e escrever um recorde mundial, seus jogadores, sócios, torcedores, simpatizantes de causa ou o que fosse, passaram 50 horas ininterruptas disputando uma partida de futebol. Das 12 horas de sexta-feira, 11 de julho, às 14 horas de domingo, 880 jogadores, entre eles 83 mulheres (foto do topo), fizeram o esférico rolar.
A enormidade de participantes tinha organização: eram todos divididos nos times Branco e Azul, cores do clube. Ao final da grande jornada, placar de 240-207 para os brancos, e um lugar no Guinness Book, superando a marca anterior de 46 horas feita por argentinos. Sem chances de obter destaque pelas glórias esportivas (o time joga uma mísera divisão territorial catalã), o San Cristobal encontrou uma maneira alternativa de alcançar as manchetes mundiais. Espertos, esses conterrâneos do Benito.
Um comentário:
É, meu amigo Mauricio, Barcelona é uma grande cidade, mas ela ficou um pouco mais triste depois de ver um cabeludinho indo pra Milão.
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Abraços.
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