domingo, 20 de julho de 2008

As destruições de Varsóvia

A Armia Krajowa, exército nacional clandestino polonês (à direita, abaixo, bandeira polonesa com a Kotwica, emblema adotado por eles), surgiu em 1942 como braço militar dos movimentos de resistência da população local à ocupação do país pelos nazistas, iniciada três anos antes. Por longos meses, elencaram-se estratégias para a libertação da Polônia, resultando na Operação Tempestade: um conjunto de rebeliões desencadeadas em todo o país, cuja meta mais ambiciosa seria a conquista da capital, Varsóvia.

Em 1º de agosto de 1944, às 17 horas, começou a Revolta de Varsóvia. Civis e militares atacaram alvos alemães, ergueram barricadas, capturaram armamentos e, com forças inferiores, prepararam-se para a resistência. Como a Batalha de Stalingrado havia mostrado aos nazis no ano anterior, uma cidade controlada por inimigos representava dificuldades e perigos que as tropas alemãs não percebiam nos campos de batalha. A intenção era resistir por quatro dias, até a chegada do Exército Vermelho soviético, pondo as potências Aliadas na luta.

Passaram quatro dias. Cinco, seis, uma semana, duas. Passaram dois meses. Jamais veio o Exército Vermelho. Os soviéticos ficaram plantados próximos de Varsóvia, a alguns poucos quilômetros do centro, mas por questões políticas, não cruzaram o rio Vistula, que divide a cidade*. A desculpa foi a recuperação física dos soldados, cansados após combater os alemães em seus deslocamentos anteriores. Suspeita-se, no entanto, que a aproximação foi evitada por motivos bem menos nobres: o movimento de resistência era liderado pelo governo polonês exilado em Londres, que buscava recuperar sua soberania no país – Stalin veria a vitória dessa insurreição como um empecilho para implantar um governo-fantoche de Moscou após a Guerra, dando ordens diretas no sentido de prejudicar o sucesso da Operação Tempestade.

Durante 63 dias, sem os soviéticos, paradoxalmente próximos e omissos, os poloneses resistiram. Pelos bairros e guetos de Varsóvia prédios caíam e vidas terminavam. As poucas vitórias dos revoltosos eram respondidas com massacres: no bairro de Wola, a 8 de agosto, milhares de civis foram mortos pelos combatentes germânicos – algumas estimativas citam números na casa dos cem mil. E não eram só armas que faltavam aos da Armia Krajowa: os alimentos rareavam, os suprimentos jogados de aviões aliados muitas vezes caíam em áreas controladas pelos nazis, e ainda havia a péssima moral dos guerreiros, abandonados pelo Exército Vermelho. As baixas crescentes a um ritmo galopante forçaram os poloneses a capitular. Em 2 de outubro de 1944, apresentaram sua rendição.

Ainda que tenha sido negociado um tratamento digno, o saldo foi cruel. Mais de 200 mil civis e militares da Polônia foram mortos durante os conflitos e Varsóvia foi completamente evacuada. A população, à época superior a 1,3 milhão de habitantes, foi dispersada pelas regiões vizinhas, mandada para campos de refugiados, trabalhos forçados ou de concentração, dependendo do seu azar. Para Adolf Hitler, a cidade deveria ser “pacificada” – isso, nas palavras de Heinrich Himmler, chefe da SS, a organização paramilitar nazista, significava: “Varsóvia deve desaparecer da face da terra e servir apenas como uma estação de transporte para o exército alemão. Não deve restar pedra sobre pedra. Cada edifício deve ser destruído até as fundações”. Bloco por bloco, a capital da Polônia foi incendiada.

Relatos das forças aéreas da época dão conta da facilidade para encontrar Varsóvia no horizonte – a fumaça vinda de lá era visível a centenas de quilômetros de distância. Em janeiro de 1945, quando o Exército Vermelho (agora sim) e forças menores locais finalmente libertaram a cidade, 85% das construções estavam destruídas.

Terminou a guerra. A Polônia, como Stalin queria, virou uma república comunista de governo influenciado por Moscou, e ensaiou uma reconstrução. Na capital, um dos projetos era um estádio poliesportivo. Por idos de 1954, iniciaram-se as obras para erguer o Stadion Dziesięciolecia (estádio do Décimo Aniversário), lembrando a Revolta – com uma peculiaridade gloriosa: sua estrutura contaria com destroços dos prédios destruídos nas batalhas de uma década atrás.

O Dziesięciolecia podia acolher até 71.008 espectadores, mas invariavelmente sofria superlotação durante os eventos que recebia. Tornou-se o estádio nacional da Polônia, foi palco de grandes decisões futebolísticas e de diferentes esportes, além de festividades, encontros políticos ou protestos de toda sorte. Entretanto, decaiu. Na década de 1980 foi abandonado e, posteriormente, alugado para companhias comerciais. Hoje, o estádio é o maior centro de sacoleiros da Europa Oriental, tendo suas arquibancadas tomadas por mato e barracas de bazar (foto do topo). Ele, que lembra a destruição de Varsóvia, trilha o mesmo caminho: para sediar a Eurocopa de 2012, a Polônia precisa ter um estádio novo em sua capital – e implodirá o atual, algo que já deveria ter ocorrido, mas os preocupantes atrasos das obras têm adiado. De qualquer maneira, seja em pé nas condições atuais ou demolido como se prevê, um triste e melancólico fim para um símbolo concreto da memória daquele país.

* Em 1994, o presidente russo Boris Yeltsin foi convidado para presenciar as comemorações dos 50 anos do episódio. Uma piada popular dizia que, a ele, deveria ser dado um binóculo para assistir aos festejos de trás do rio Vistula.

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