quarta-feira, 18 de junho de 2008

A Rússia venceu a morfina

A última refeição data de dois dias atrás. E nem fora uma “refeição”: uma rala sopa hospitalar de chuchu, a maldita hortaliça das vitaminas A, B e C – água, bagaço e casca, sem gosto. Desde então, a operação, e a partir dela, repouso, seguindo uma dieta balanceada com um pouco de nada e pitadas de coisa nenhuma. Vetou-se a ingestão de líquidos ou sólidos, evitando reações inesperadas do estômago, possíveis causas de abertura dos curativos na barriga. “Pelos próximos dias”, diziam no hospital, “o soro glicosado suprirá as necessidades do organismo”.

Oras, sorinho. Botassem um churrasco na sua frente para ver o que era suprir necessidades do organismo.

A morfina administrada para reduzir a dor trazia pequenos efeitos colaterais. Viajando na leve tontura causada pela droga, ele imaginava pratos fumegantes de comida, ou mesmo alguns copos de água – que nem isso estava podendo ingerir, reduzido às gazes umedecidas colocadas sobre os lábios para enganar a sede sufocante. Nesses momentos, aquele que estivesse a fazer companhia no quarto era facilmente identificado, aos olhos dele, como um galeto assado andante. Hmm, um galetinho... mas não podia alcançá-lo, preso à cama e aos tubos, como não poderia, por ora, comer algo.

A dose vespertina do analgésico, hoje, veio aos dois minutos da partida entre russos e suecos. “Agora que quero ver o jogo, vão me deixar grogue...”, reclamava. Em Innsbruck o jogo se prometia bom, valendo sobrevivência na Euro, e bom esteve por todo o tempo. Precisando de um empate, a Suécia atuava defensivamente. Possibilitou aos adversários, reforçados pelo retorno do importante Arshavin (na foto à direita, acima, marcando o segundo gol do time), a construção de uma noite consagradora. A avassaladora Rússia fez até o efeito da morfina, ao menos o colateral, sumir – a atenção com que se acompanhava a partida, entusiasticamente, não diminuiu por um minuto. Não era para menos: os de Guus Hiddink fizeram só 2-0, mas duas bolas na trave, vinte e dois chutes desferidos e doze escanteios ao longo do enfrentamento dão bem a dimensão de um domínio pleno.

Sobre o gramado, a Seleção da Suécia olhava com incredulidade. Nas arquibancadas, os torcedores, conhecedores das possibilidades do seu time – bastava um mísero empate, afinal –, levavam as mãos à cabeça, em desespero. Para azar deles, a morfina do futebol não poderia vir hoje. Será trazida pelo tempo, com vitórias a amenizar a dor da eliminação desta quarta-feira.

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No outro jogo, com remontada, os espanhóis mantiveram o aproveitamento perfeito no torneio, aplicando 1-2 na decadente Grécia. Os tentos foram de Rubén de la Red e Dani Güiza, cada um anotando seu primeiro gol pelo selecionado nacional.

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