sexta-feira, 27 de junho de 2008

Javi Pérez Sala e a emoção do rádio

A narração esportiva de qualidade é dividida em oito ou oitenta. Explica-se: ou a partida é seguida com imparcialidade fleumática, visando todos os públicos, com gritos de “gol” tendo o mesmo número de os e eles para ambos os envolvidos, ou então se faz uma torcida emocional, direcionada somente a um dos lados. Qualquer coisa que fique no meio do caminho entre os dois extremos é um acompanhamento tendencioso, mascarado.

Há resistências ao oitenta. Ao microfone, não se pode torcer, deve-se permanecer sério, sereno. Amadorismo, dizem os defensores da regra aos que não a seguem. Pois o amadorismo faz bem. É algo ligado à paixão: existe motivo para imparcialidade quando se é de um lugar e se narra uma partida de uma equipe de lá para os torcedores de lá? Dizer que não é hipocrisia. Narrações são feitas para emocionar o público ao qual se dirigem. Abre-se um parêntese: em 2006, são-paulinos ficaram escandalizados ao ouvir o Inter “rasgar” a camisa do São Paulo numa rádio riograndense, na final da Libertadores. Consideraram um desrespeito, sem atentar para o fato principal: ouviram horas depois da partida.

Os são-paulinos de então não eram o público-alvo e, tirando uma minoria de desgarrados, nem estavam sintonizados naquela emissora enquanto a bola rolava. Escutaram por acaso algo feito para entrar na história do Internacional – como ficou, de forma inesquecível, levando naquele dia, hoje e para sempre os colorados ao riso ou às lágrimas cada vez que ouvem novamente a gravação. A narração localista, dentro de certos limites, é saudável. Sendo apaixonada, conquista o mérito de recuperar o exato sentimento da hora do lance, mesmo anos depois. Torna-se emblemática.

Fechemos o parêntese indo ao que interessa: as transmissões hispanófonas. Nada supera, em paixão ou emoção, uma narração latina – de preferência em espanhol, especialmente da Espanha. Lá é a terra das transmissões de locura, dos brados de ¡qué grande es el fútbol!, e dos berros de ¡me voy a morir!. Transmitir futebol na Espanha é ir além do bordão e do mero relato: o objetivo está em passar a imagem da partida pelo entusiasmo, subentendendo o andamento do lance no tom da voz do locutor, no seu sentimento translúcido levado pelo ar. A Radio Marca e a famosa Cadena SER são algumas das destacadas nessa arte. O maior mestre, contudo, está na COPE, a Cadena de Ondas Populares Españolas: Javier Pérez Sala.

O melhor jogo do ano, o Getafe 3-3 Bayern München pela Copa da UEFA, talvez não fosse o melhor jogo do ano, para mim, se eu não tivesse acompanhado o confronto com a moldura enlouquecida da transmissão de Javi. Desde os tempos em que eu descobrira a Radio Rock & Gol de lá, sem saber da cadeia com a COPE, costumava ouvir as jornadas espanholas por ela; nesse caso havia neutralidade, mas não menos paixão, apenas distrubuída igualmente para os dois lados. Era incomparável – e quem diz isso é alguém que até jogos em alemão (sem entender, claro) já se prestou a ouvir. E então vem a Eurocopa para trazer ainda mais obras de arte da transmissão radiofônica, pois agora Javi tem liberdade para torcer sem vergonha atrás do microfone! A história do esporte sai vencedora nesses momentos, ganhando pinceladas espetaculares.

Fica inútil gastar linhas explicando o que o áudio revela. Passemos então às gravações da jornada de ontem, da memorável classificação espanhola à final da Euro. Passemos a, por exemplo, quase seis minutos apenas para dar a escalação do time, tamanha a euforia para enaltecer cada atleta do onze inicial, ao invés de dar uma listagem fria que mal ocuparia alguns segundos. E depois, vamos aos gols, os gols de Xavi, Güiza e Silva, especialmente o primeiro, celebrados num delírio orgásmico.

No domingo, pouco importará se escolherei a Record ou o SporTV para assistir à grande final européia. A imagem será dispensável numa tarde em que a COPE, pela internet, ocupará todos os vácuos de emoção.

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